Acórdão nº 59/21 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pelo primeiro interposto recurso (cf. fls. 829-832), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão daquele Supremo Tribunal, proferido em conferência em 27 de junho de 2019 (cfr. fls. 787-824), que indeferiu a reclamação apresentada pelo ora recorrente (a fls. 773-781) da decisão singular de 29 de março de 2019 (fls. 745-769), a qual, por seu turno, rejeitou, por inadmissibilidade, os dois recursos interpostos pelo arguido e ora recorrente, para o STJ – respetivamente, do despacho proferido em audiência pelo Juiz Presidente da Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto (TRP) em 18/4/2018 (a fls. 597-599) que indeferiu o requerimento de reinquirição de uma testemunha e inquirição de outras duas testemunhas, e do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/05/2018 (fls. 601-642), que condenou o arguido por três crimes de abuso sexual de criança e quatro crimes de atos sexuais com adolescente, na pena única de sete anos de prisão, não conhecendo do respetivo objeto.

2. No requerimento de interposição de recurso foram enunciadas cinco questões, assim formuladas pelo recorrente no requerimento de recurso (a fls. 829-832):

«1) É inconstitucional a interpretação normativa do artigo 424.°, n.º 3, do CPP, no sentido de não permitir ao arguido produzir prova suplementar, na sequência da notificação que foi alvo, pela primeira vez, junto do Tribunal da Relação, da comunicação de alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica (nos termos artigo 358.°, n.º 1 e n.º 3 do CPP), por violação do disposto no artigo 20.°, n.º 1 e n.º 4 e 32.°, n.º 1 e n.º 5, ambos da CRP, ou seja, o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito ao processo equitativo (o devido processo legal), as garantias de defesa e o princípio do contraditório.

2) É inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 97.°, n.º 5, 358.°, n.º 1 e 424.°, n.º 3, todos do CPP, que não imponha ao Julgador fundamentar a comunicação da alteração não substancial dos factos, mormente procedendo à indicação dos meios de prova subjacentes a essa alteração, por violação dos artigos 20.°, n.º 4, 32.°, n.º 1 e n.º 5 e 205.°, n.º 1, todos da CRP, ou seja, o direito ao processo equitativo (o devido processo legal), as garantias de defesa, o princípio do contraditório e o dever de fundamentação.

3) É inconstitucional a interpretação normativa do artigo 400.°, n.º 1, alínea c), do CPP, no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre a possibilidade do arguido apresentar prova suplementar, na sequência da notificação que foi alvo, também por aquele Tribunal, da comunicação de alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica (nos termos artigo 358.°, n.º 1 e n.º 3 do CPP), por violação do disposto no artigo 32.°, n.º 1 da CRP, ou seja, as garantias de defesa.

4) É inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 399.°, 432.°, n.º 1, alínea b) e 400.°, n.º 1, alínea c), todos do CPP, no sentido de não ser passível de recurso uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre a possibilidade do arguido apresentar prova suplementar, na sequência da notificação que foi alvo, também por aquele Tribunal, da comunicação de alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica (nos termos artigo 358.°, n.º 1 e n.º 3 do CPP), por violação do disposto no artigo 32.°, n.º 1 da CRP, ou seja, as garantias de defesa.

5) É inconstitucional a interpretação normativa do artigo 430.°, n.º 1, do CPP, no sentido de não permitir ao arguido produzir prova suplementar, na sequência da notificação que foi alvo, pela primeira vez, junto do Tribunal da Relação, da comunicação de alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica (nos termos artigo 358.°, n.º 1 e n.º 3 do CPP), por violação do disposto no artigo 32.°, n.º 1 e n.º 5 da CRP, ou seja, as garantias de defesa e o princípio do contraditório. »

3. Na Decisão Sumária n.º 687/2020 (cfr. fls. 840-868), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, 6. e ss.):

«6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto – in casu o acórdão proferido pelo STJ em 27/6/2019, visando com o presente recurso «a fiscalização concreta da (in)constitucionalidade da parte do supra citado e douto Acórdão que julgou inexistir as invocadas inconstitucionalidades relativas às interpretações normativas resultante da aplicação de várias normas jurídicas».

Dos autos decorre que o Acórdão do STJ de 27/6/2019 (fls. 787-824), ora recorrido, indeferiu a reclamação (de fls. 773-781) apresentada pelo arguido A. da decisão sumária proferida pela Relatora em 29/3/2019 (fls. 745-769), que rejeitou o recurso interlocutório interposto do despacho proferido em audiência pelo Juiz Desembargador Presidente da Secção Criminal do TRP em 18/4/2018 (a fls. 597-599) que indeferiu o requerimento de reinquirição de uma testemunha e inquirição de outras duas testemunhas, formulado pelo arguido, ora recorrente, na sequência de notificação que lhe fora feita do despacho do Juiz Desembargador Relator, proferido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal (CPP), e o recurso principal do Acórdão do TRP de 9/05/2018 (fls. 601-642), que condenou o arguido por três crimes de abuso sexual de criança e quatro crimes de atos sexuais com adolescentes, na pena única de sete anos de prisão.

7. Mostra-se relevante nos presentes autos a seguinte tramitação processual:

a) Em decisão sumária proferida pela Juíza Conselheira Relatora em 29/3/2019 (fls. 745-769), foram rejeitados os dois recursos interpostos pelo ora recorrente para o STJ. Isto, nos seguintes termos (págs. 20 a 25, correspondentes a fls. 764 a 769):

«(…)»;

b) Desta decisão de rejeição dos recursos foi apresentada reclamação para a conferência, com os seguintes fundamentos (fls. 773 a 781):

«(…)» ;

c) O STJ, no acórdão proferido em conferência em 27/6/2019, assim ponderou e decidiu (cf. fls. 818-824):

«(…)».

8. Nos termos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, são cinco as questões de constitucionalidade submetidas pelo recorrente à apreciação do Tribunal Constitucional.

Vejamos.

A) Primeira, segunda e quinta questões de constitucionalidade

9. As primeiras duas questões de constitucionalidade são assim enunciadas pelo recorrente:

«1) É inconstitucional a interpretação normativa do artigo 424.°, n.º 3, do CPP, no sentido de não permitir ao arguido produzir prova suplementar, na sequência da notificação que foi alvo, pela primeira vez, junto do Tribunal da Relação, da comunicação de alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica (nos termos artigo 358.°, n.º 1 e n.º 3 do CPP), por violação do disposto no artigo 20.°, n.º 1 e n.º 4 e 32.°, n.º 1 e n.º 5, ambos da CRP, ou seja, o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito ao processo equitativo (o devido processo legal), as garantias de defesa e o princípio do contraditório.

2) É inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 97.°, n.º 5, 358.°, n.º 1 e 424.°, n.º 3, todos do CPP, que não imponha ao Julgador fundamentar a comunicação da alteração não substancial dos factos, mormente procedendo à indicação dos meios de prova subjacentes a essa alteração, por violação dos artigos 20.°, n.º 4, 32.°, n.º 1 e n.º 5 e 205.°, n.º 1, todos da CRP, ou seja, o direito ao processo equitativo (o devido processo legal), as garantias de defesa, o princípio do contraditório e o dever de fundamentação.»

A quinta questão de constitucionalidade é assim formulada (correspondendo, em substância, à primeira questão de constitucionalidade colocada, já que a interpretação que se pretende sindicada é idêntica à erigida a objeto do recurso na primeira questão, diferindo apenas as bases legais identificadas pelo recorrente e reduzindo-se formalmente os parâmetros constitucionais alegadamente infringidos):

«É inconstitucional a interpretação normativa do artigo 430.°, n.º 1, do CPP, no sentido de não permitir ao arguido produzir prova suplementar, na sequência da notificação que foi alvo, pela primeira vez, junto do Tribunal da Relação, da comunicação de alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica (nos termos artigo 358.°, n.º 1 e n.º 3 do CPP), por violação do disposto no artigo 32.°, n.º 1 e n.º 5 da CRP, ou seja, as garantias de defesa e o princípio do contraditório. »

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