Acórdão nº 36/21 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 36/2021

Processo n.º 983/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e as pessoas, singulares e coletivas, constituídas assistentes nos autos, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 14 de outubro de 2020, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão que, em primeira instância, indeferiu o requerimento de reabertura de audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável apresentado pelo aqui recorrente.

2. Através da Decisão Sumária n.º 678/2020, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso interposto nos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, preceito segundo o qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo desta alínea que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto, tal como reiteradamente notado na jurisprudência deste Tribunal, decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos «dirimir questões meramente teóricas ou académicas» (cf. Acórdão n.º 498/96), um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo do(s) preceito(s) legal(ais) indicado(s) pelo recorrente — isto é, ao modo como o comando deste(s) extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por isso, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

5. Tal como delimitado no requerimento de interposição, o objeto do presente recurso é integrado pelas «normas conjugadas dos arts. 2.º, n.º 4, e 50, n.ºs 1 e 5, ambos do CP, na interpretação segundo a qual a lei penal nova que altere o prazo de duração da suspensão da pena de prisão não releva para aplicação do regime penal mais favorável, quando, à luz da lei anterior, o tribunal tenha decidido não suspender a pena de prisão aplicada». De acordo com o recorrente, «o entendimento normativo adotado pelo acórdão recorrido, confirmando, aliás, aposição da 1.ª instância», foi no sentido de que, «se a primitiva decisão optou por não suspender a pena de prisão, afastando a aplicabilidade ao caso concreto do regime de suspensão da pena, não há lugar à reabertura da audiência, se a lei nova se tiver limitado a alterar o prazo da suspensão».

A leitura do acórdão recorrido revela, porém, que o fundamento jurídico subjacente à conclusão de que não se encontram verificados no caso os pressupostos da reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, nos termos do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal (doravante, «CPP»), não decorre estritamente do critério normativo enunciado no requerimento de interposição do recurso. É que, como fundamento determinante e indissociável daquela conclusão, o Tribunal da Relação do Porto levou em conta a razão pela qual a «primitiva decisão», proferida ao abrigo da lei antiga, optara por não suspender a pena de prisão aplicada ao recorrente, isto é, a circunstância de aí se ter concluído que as exigências de prevenção geral verificadas no caso «reclamam a execução da pena de prisão e não se satisfazem com a suspensão dessa execução».

É por isso que, para o Tribunal recorrido, «[a] interpretação feita pelo recorrente só poderia ter êxito se a razão de ser do afastamento da suspensão da pena de prisão tivesse assentado no período legalmente previsto no n.º 5 do art. 50 do Cód. Penal. Mas — afirmou-o expressamente — «[c]omo vimos, não foi o que aconteceu no caso presente».

Ao contrário do que resulta da interpretação impugnada, o critério decisório efetivamente aplicado pelo Tribunal a quo não prescindiu do facto de a opção pela não suspensão da execução da pena, tomada na primitiva decisão, ter repousado em fundamentos não apenas diversos, como absolutamente alheios à duração máxima do período de suspensão admitida pela lei penal anterior.

Ora, não contemplando tal elemento ¾ que é, conforme se viu, parte integrante e inseparável do juízo subjacente à decisão de considerar inverificados no caso sub judice os pressupostos da reabertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável —, a dimensão interpretativa impugnada afasta-se irremediavelmente do critério decisório aplicado no acórdão recorrido, comprometendo, com isso, a correspondência entre aquela e este que é pressuposta pela utilidade do conhecimento do objeto do recurso.

Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho de admissão proferido pelo tribunal recorrido não vincula o Tribunal Constitucional (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

« 1.º

No seu recurso de 28/10/2020, a inconstitucionalidade em apreço foi suscitada nos seguintes termos:

13. Na ótica do Recorrente, em face da entrada em vigor de lei penal nova que, em abstrato, no que diz respeito ao prazo de duração da suspensão da pena de prisão, seja mais favorável ao arguido, tem este direito à reabertura da audiência para eventual aplicação dessa lei nova, mesmo que, à luz da lei anterior, o Tribunal tenha decidido não suspender a pena de prisão aplicada (seja qual for o motivo).

14. Segundo o entendimento normativo adotado pelo acórdão recorrido, confirmando, aliás, a posição da 1.ª instância, se a primitiva decisão optou por não suspender a pena de...

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