Acórdão nº 62/21 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 62/2021

Processo n.º 630/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A. SAD (A.-SAD) e recorrida a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), o primeiro vem interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 28 de junho de 2020, que concedeu provimento parcial ao recurso interposto pela aqui recorrida da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul que concedeu provimento ao recurso que a aqui recorrente interpusera do acórdão do Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto que mantivera as penas de multa aplicadas pelo Conselho de Disciplina da FPF.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«(...)

1. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.

2. O recurso tem por objeto o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de junho de 2020, proferido nos presentes autos, o qual aplica normas que violam diversas normas constitucionais, como se demonstrará infra.

3. No acórdão em crise, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento parcial ao recurso apresentado pela recorrente Federação Portuguesa de Futebol, assim revogando o douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul em 09 de maio de 2019,

4. na parte em que anulou os atos punitivos proferidos pelo Conselho de Disciplina, através dos quais foi a A., SAD condenada em sanções de multas pela prática das infrações previstas nos arts. 186.º-2 e 187.º-1, a) e b) do RDLPFP.

5. Nos termos dos artigos 70.º- 2, 72.º-1, b) e 75.º-1, todos da Lei n.º 28/82, encontram-se esgotados todos os recursos ordinários; a ora recorrente tem legitimidade e está em prazo,

6. pelo que deve o presente recurso ser admitido e conhecido.

Vejamos:

7. Considerando o teor do acórdão ora recorrido, verifica-se que as normas dos artigos 13.º, f); 186.º-2 e 187.º-1, als. a) e b) do RDLPFP foram conjugadamente interpretadas pelo Tribunal a quo, no sentido de que a indiciação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorretas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube.

8. O Tribunal a quo considerou ainda, concomitantemente, no mesmo sentido, que a comprovação de um elemento constitutivo de uma infração disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.

9. Em suma, preconizou o Supremo Tribunal Administrativo que deve ser aplicada, ao presente caso, a jurisprudência que vem fazendo curso nesse Tribunal Superior acerca da matéria sub judice, designadamente, a firmada, entre outros, pelo Acórdão de 21-02-2019 (proc. n.º 33/18.0BCLSB).

10. Neste conspecto, a recorrente argui como inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência (inerente ao seu direito de defesa, art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP; ao direito a um processo equitativo, art. 20.º-4 da CRP; e ao princípio do Estado de direito art. 2.º da CRP) e do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2.º da CRP), a interpretação dos artigos 186.º, n.º 2, 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 258.º, n.º 1, do RDLPFP de 2017/2018, no sentido de que basta dar como provado, com base no artigo 13.º, al. f), do RDLPFP, que sócios ou simpatizantes de um clube adotaram um comportamento social ou desportivamente incorreto para que se dê também como provado que esse clube não observou os seus deveres legais e regulamentares de vigilância, controlo e formação desses seus sócios ou simpatizantes, cabendo ao clube aportar prova demonstradora do cumprimento desses seus deveres.

11. É igualmente inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência (inerente ao seu direito de defesa, art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP; ao direito a um processo equitativo, art. 20.º-4 da CRP; e ao princípio do Estado de direito art. 2.º da CRP) e do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2.º da CRP), a interpretação dos artigos 186.º, n.º 2, 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 258.º, n.º 1, do RDLPFP de 2017/2018, no sentido de que se pode dar como provado, por presunção, que o clube violou deveres regulamentares e legais de vigilância, controlo e formação dos seus sócios e simpatizantes com base no facto de que esses sócios ou simpatizantes adotaram um comportamento social ou desportivamente incorreto previamente também dado como provado por presunção, radicada no artigo 13.º, al. f), do RDLPFP.

12. Inconstitucionalidades que foram já devidamente suscitadas, em momento próprio, nos presentes autos, designadamente nos artigos 3 e 19 da Resposta apresentada pela aqui recorrente ao Parecer exarado pelo Ministério Público junto do STA.

13. Nos termos do artigo 147.º, n.º 1 do CPTA, o regime do presente recurso é o da subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, conforme o disposto no artigo 8.º, n.º 2 da LTAD ex vi artigo 143.º, n.º 1 do CPTA a contrario e artigo 78.º, n.º 3 da Lei n.º 28/82.

Termos em que se requer a V. Exas. se dignem julgar inconstitucionais as normas enunciadas supra nos pontos 10 e 11.»

3. Através da Decisão Sumária n.º 525/2020, foi decidido não conhecer o objeto deste recurso, com base na seguinte fundamentação:

«(...)

4. Compulsados os autos, verifica-se que as normas indicadas pela recorrente não serviram efetivamente de base à decisão recorrida como sua ratio decidendi. De facto, no caso em apreço não se verifica a necessária coincidência entre as normas em torno das quais a recorrente estrutura as suas questões de constitucionalidade e aquelas que efetivamente foram aplicadas pelo tribunal a quo de modo determinante para o sentido decisório aí acolhido. O presente recurso e a decisão recorrida correspondente são acentuadamente idênticos aos que o subscritor da presente Decisão Sumária teve já a oportunidade de apreciar no âmbito dos processos n.º 465/19 e n.º 1012/19, cuja fundamentação aqui se justifica, portanto, acompanhar de perto.

Em primeiro lugar, a recorrente considera inconstitucional «a interpretação dos artigos 186.º, n.º 2, 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 258.º, n.º 1, do RDLPFP de 2017/2018, no sentido de que basta dar como provado, com base no artigo 13.º, al. f), do RDLPFP, que sócios ou simpatizantes de um clube adotaram um comportamento social ou desportivamente incorreto para que se dê também como provado que esse clube não observou os seus deveres legais e regulamentares de vigilância, controlo e formação desses seus sócios ou simpatizantes, cabendo ao clube aportar prova demonstradora do cumprimento desses seus deveres». Considera o recorrente que: «Considerando o teor do acórdão ora recorrido, verifica-se que as normas dos artigos 13.º, f); 186.º-2 e 187.º-1, als. a) e b) do RDLPFP foram conjugadamente interpretadas pelo Tribunal a quo, no sentido de que a indiciação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorretas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube.» E ainda que: «O Tribunal a quo considerou ainda, concomitantemente, no mesmo sentido, que a comprovação de um elemento constitutivo de uma infração disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação».

Considera por outro lado a recorrente que é inconstitucional «a interpretação dos artigos 186.º, n.º 2, 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 258.º, n.º 1, do RDLPFP de 2017/2018, no sentido de que se pode dar como provado, por presunção, que o clube violou deveres regulamentares e legais de vigilância, controlo e formação dos seus sócios e simpatizantes com base no facto de que esses sócios ou simpatizantes adotaram um comportamento social ou desportivamente incorreto previamente também dado como provado por presunção, radicada no artigo 13.º, al. f), do RDLPFP

Ora, um dos elementos que integram a primeira interpretação normativa apontada pela recorrente é o de a indiciação com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga chegar para dar como provados determinados factos. No entanto, a interpretação acolhida na decisão recorrida não reflete de modo suficiente esse entendimento, logo porquanto a presunção aqui em causa não é inilidível. A presunção é ilidível e a interpretação normativa que se depreende da decisão recorrida é a de que, além de estar verificada a sua hipótese (sc. a indiciação com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga), não foi feita a sua ilisão (vejam-se em especial os pontos 61 e 74 da decisão transcrita na decisão recorrida, proferida pelo mesmo STJ num caso). Quanto à possibilidade de ilisão dessa presunção, vd. ainda o ponto seguinte.

Por outro lado, da decisão recorrida também não pode extrair-se uma conclusão segundo a qual o tribunal recorrido considerou que a...

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