Acórdão nº 05/20.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução20 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 4 de Janeiro de 2019 no processo n.º 234/2019-T, considerando que esta decisão está em contradição com a decisão arbitral proferida a 12 de Outubro de 2017, no processo 545/2016-T.

1.2.

A Recorrente, após admissão do recurso, apresentou alegações, aí tendo concluído nos termos que ora se transcrevem: «A.

O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B.

Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro), «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. (Redação da Lei n.º 119/2019, de 18/09)».

C.

De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

D.

Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que as situações de facto sejam substancialmente idênticas; haja identidade na questão fundamental de direito; se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

E.

Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

F.

Tal como refere o acórdão do STA proferido a 2010-12-07 no âmbito do processo n.º 0511/06,² «Para que exista oposição, não é exigível uma total identidade de factos – que muito raramente se verificará – mas, antes, que eles preencham a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal.» G.

A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

H.

Em causa está, comum a ambos os processos, e atendendo à matéria de facto subjacente a cada uma das situações em apreço, a verificação do preenchimento dos dois requisitos, que, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, excluem de tributação os bónus e remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes de pessoas colectivas: «salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.» I.

Subjacente ao Acórdão recorrido, com interesse para o presente recurso, foi dada como provada a factualidade transcrita nas alegações de recurso, para cuja leitura se remete.

J.

Subjacente ao Acórdão fundamento, com interesse para o presente recurso, foi dada como provada a factualidade transcrita nas alegações de recurso, para cuja leitura se remete.

K.

Da aludida leitura, infere-se que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

L. Em ambos os casos, foram atribuídos aos gestores/administradores das respectivas entidades uma remuneração variável, a qual foi deduzida para efeitos de apuramento tributável do respectivo período em que foi atribuída.

² Disponível em URL:http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3fe816b1dbf46822802577fc0051fab0?OpenDocument.

M.

Em ambos os casos, 50% da remuneração variável relativa ao período da sua atribuição foi diferida por um período inferior a três anos.

N.

No acórdão arbitral de que se recorre, a ora Recorrida atribuiu aos seus gestores uma remuneração variável no ano de 2016, referentes a 2015 (49% do bónus de 2015), 2014 (17% do bónus de 2014), 2013 (17% do bónus de 2013) e 2012 (17% do bónus de 2012).

O.

No acórdão fundamento, no ano de 2012, a aí Requerente procedeu ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável atribuída - no montante total de € 950.623,33, referente ao ano de 2011 -, tendo efectuado o pagamento da restante parcela de forma proporcional, correspondente a 50% do total atribuído, ao longo dos três anos seguintes.

P.

Atenta a similitude da factualidade e a convocação de idêntico dispositivo legal, deverá considerar-se preenchido o primeiro requisito do recurso para uniformização de jurisprudência.

Q.

Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

R.

Ora, estava em causa em ambos os processos aferir do preenchimento dos requisitos cumulativos presentes no artigo 88.º, n.º 13, al. b), segunda parte, do CIRC, tendo os acórdãos aqui em confronto interpretado de forma distinta a redacção da aludida norma.

S.

Sendo que, no concerne ao pressuposto do «pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos», julgou aquele Tribunal arbitral que: «Assim, tendo em conta o sentido da expressão decorrente das normas de direito bancário e bem assim o seu sentido “comum”, as regras de interpretação das normas jurídicas indicam que esta deverá ser interpretada no sentido de “repartição”/“divisão” (do pagamento) ao longo de um determinado período de tempo. Com efeito, o legislador ao utilizar a expressão “diferimento por um período mínimo de x tempo” tinha perfeita noção de que o seu sentido comum é o de “repartição”, “divisão”, pelo que, tendo em conta os princípios da interpretação referidos, não parece legalmente possível uma interpretação diferente, nos termos propugnados pela AT. (…) não se concebe que caso pretendesse exprimir a necessidade de que decorresse determinado período de tempo (3 anos) para se verificar a exclusão da tributação, o legislador tivesse utilizado a expressão “diferimento por um período de x anos” (que tem um sentido “comum” diferente), quando se poderia ter expressado de forma clara e simples, facilmente apreendida pela generalidade do cidadão comum, através de expressões como “após o decurso do prazo de 3 anos”. Por todo o exposto, conclui-se que a interpretação da expressão “diferimento (…) por um período mínimo de três anos” tal como efetuada pela AT, é ilegal por contrariar as regras sobre interpretação das normas jurídicas, violando portanto o citado artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do Código do IRC, bem como artigo 11.º, n.º 1, da LGT e demais normas jurídicas relativas à interpretação da lei.» T.

Por relação ao decidido em sede arbitral no processo cuja decisão se contesta, considerou-se diferentemente no processo n.º 545/2016-T, que: «Só verificado o desempenho positivo da sociedade ao longo do período mínimo de três anos está cumprido um dos requisitos que permite a exclusão daquela tributação. Logicamente, os bónus atribuídos antes do final desse período mínimo não poderão usufruir do citado desagravamento, porque o mesmo depende da verificação cumulativa dos dois requisitos já indicados. Nos termos da lei, o pagamento com direito a exclusão de tributação autónoma, está subordinado ao diferimento de pelo menos 50% da remuneração variável por um período mínimo de três anos; e o que o Requerente fez foi diferir 1/3 dos referidos 50% por um ano, outro 1/3 por dois anos e o último 1/3 por três anos. A norma sub judice exige, porém, que o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos; e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante. Sendo certo que a norma em análise tem como destinatários as sociedades em geral e não apenas as instituições de crédito, cabe citar no sentido que vimos apontando, Ana Perestrelo de Oliveira. Diz a autora que «a Recomendação da Comissão Europeia de 30.4.2009 ao dispor que "uma grande parte da componente variável (da remuneração) não deve ser paga antes de decorrido um lapso de tempo mínimo", terá influenciado a redacção da Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM: Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a 3 anos e o direito ao seu recebimento (qualquer parte do recebimento) deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período"» (parênteses nossos). Nesta matéria, para efeitos de compreensão da ratio legis sobre a regra do diferimento, deve igualmente relevar-se o disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011 do Banco de Portugal e nas Recomendações III.6 e III.7 do Código de Governo da CMVM. Nos termos destas disposições, quando as remunerações variáveis forem pagas pela entrega de acções, devem os...

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