Acórdão nº 060/20.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório A……………..– EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, S.A.

, melhor sinalizado nos autos, vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 652/2019-T, de 06/05/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou improcedente o Pedido de Pronuncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente, com vista à obtenção da dedução no exercício de 2016, do valor do pagamento especial por conta (doravante, «PEC») referente ao ano de 2015, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2014-T, de 26/09/2014.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A……………- EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, S.A.

, as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso vem interposto contra a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo arbitral tributário n.° 652/2019-T, em cujo âmbito aquele Tribunal entendeu «que o princípio do inquisitório [consagrado no artigo 58.° da LGT] não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários», julgando o «pedido de pronúncia arbitral improcedente, por não provado e, assim, absolvendo a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências».

  1. Como resulta do disposto no artigo 25.°, n.°2, do RJAT e no artigo 152.° do CPTA (ex vi artigo 25.°, n.° 3, do RJAT), quando interposto de uma decisão arbitral, o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo deve ser admitido sempre que exista oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitrai ou acórdão proferido por um dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, e a decisão recorrida não perfilhar a jurisprudência consolidada mais recente deste último tribunal.

  2. Ora, cotejando os pertinentes quadros factuais e normativos das decisões em confronto (ou seja, das prolatadas nos processos arbitrais tributários n.° 652/2019-T — a decisão arbitral recorrida — e n.° 90/2014-T — a decisão arbitral fundamento), verifica-se, em síntese: i) Quanto à conduta do(s) respetivo(s) sujeito(s) passivo(s) de IRC: a. Que na decisão arbitral recorrida esteve em causa a apresentação de uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2016, em cujo âmbito se declarou um PEC reportável e dedutível à respetiva coleta de IRC que foi apurado tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo no exercício anterior (relativamente ao qual, porém, o sujeito passivo não apresentou uma declaração de substituição ou qualquer outro meio de reação - cf. pontos d) a j) da matéria de facto assente na decisão arbitral recorrida); b. Que, semelhantemente, na decisão arbitrai fundamento foi apreciada uma situação em que o respetivo sujeito passivo de IRC apresentou uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2012, em cujo âmbito declarou prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respetivo lucro tributável que foram apurados tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo nos exercícios anteriores (relativamente aos quais, porém, o sujeito passivo não apresentou tempestivamente as respetivas declarações modelo 22 de IRC ou qualquer outro meio de reação — cf. pontos 27. e 33. da decisão arbitral fundamento); (ii) Quanto à postura adotada pela Administração tributária em cada um dos casos: a. Que na decisão arbitral recorrida a Administração tributária aceitou e tratou a declaração de substituição apresentada, corrigindo apenas o valor do PEC reportável e dedutível à respetiva coleta de IRC, observando, para o efeito, que «estando correta a liquidação de IRC do exercício de 2016, pretendendo a recorrente deduzir um valor superior de PEC neste exercício, o qual não é possível, na sequência dos valores declarados em 2015, considerando o sujeito passivo que esta declaração/liquidação não reflete de forma adequada a realidade, deveria também no que respeita ao período de 2015, ter substituído a declaração, deduzido reclamação graciosa ou revisão oficiosa» (cf. ponto j) da matéria de facto assente na decisão arbitrai recorrida); b. Que na decisão arbitral fundamento, a declaração de substituição apresentada foi igualmente aceite e tratada pela Administração tributária, exceto na parte correspondente ao valor declarado a título de prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respetivo lucro tributável, os quais foram corrigidos, verificando-se que «A AT na fundamentação da decisão de não aceitar os prejuízos fiscais em causa invocou a entrega não atempada das declarações de rendimentos dos períodos de 2010 e 2011» (cf. ponto 42. da decisão arbitrai fundamento); iii) E, finalmente, quanto à questão decidenda submetida pelas entidades requerentes a cada um dos respetivos Tribunais Arbitrais: a. Que na decisão arbitral recorrida a RECORRENTE alegou a violação, por parte da Administração tributária (aí requerida) e no âmbito dos procedimentos administrativos que antecederam o respetivo pedido de pronúncia arbitrai, do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT; b. Que na decisão arbitrai fundamento «A Requerente invoca ainda a violação pela Requerida, no procedimento administrativo, do princípio do inquisitório» (cf. ponto 43. da decisão arbitral fundamento).

  3. Foi, pois, perante tais - idênticos - quadros factuais e normativos, que a decisão arbitral recorrida entendeu «que o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários», declarando o respetivo pedido arbitrai improcedente, ao passo que a decisão arbitral fundamento se pronunciou no sentido de que «A inobservância dos deveres legais pela Requerente, que acima se apontou, não constitui motivo de dispensa de observância do princípio do inquisitório pela Requerida», concluindo, em consequência, que «a AT não realizou no procedimento todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, tendo violado o art. 58.° da Lei Geral Tributária» (cf. pontos 44. e 45. da decisão arbitrai fundamento).

  4. Isto visto, verifica-se, pois, que ambas as decisões - decisão arbitral recorrida e decisão arbitral fundamento -, além de incidirem sobre idêntico contexto factual, trataram da mesma questão jurídica fundamental, tendo esta sido resolvida, numa e noutra, em sentido totalmente oposto; por outras palavras, impõe-se concluir que as duas decisões arbitrais enunciadas (a decisão arbitrai recorrida e a decisão arbitrai fundamento) se encontram em contradição sobre a mesma questão fundamental de direito (i. e.

    , sobre o concreto alcance a conferir ao princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT), dando-se por verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso.

  5. Finalmente, realça-se que a posição perfilhada na decisão arbitral recorrida não está de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, inexistindo qualquer Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em sentido igual ou sequer idêntico ao que foi seguido pelo Tribunal a quo na decisão arbitral.

  6. Em face de tudo o que antecede, impõe-se a W. Excelências admitir o presente recurso, por se encontrarem verificados todos os requisitos prescritos pelo artigo 152.° do CPTA (ex vi artigo 25.° do RJAT) para o efeito, prosseguindo os presentes autos com a apreciação da invalidade da decisão proferida no processo arbitrai tributário n.° 652/2019-T.

  7. Ora, o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT faz impender sobre a Administração tributária, no âmbito do procedimento tributário, o efetivo dever de averiguar todos os factos necessários ou relevantes com vista à definição (parametrizada pelos princípios da legalidade e da imparcialidade) da concreta situação tributária dos respetivos sujeitos passivos, independentemente de tais factos serem favoráveis ou desfavoráveis aos interesses da Fazenda Pública {dever que, naturalmente, recrudesce nos casos em que a Administração tributária é convocada pelo contribuinte a fazê-lo).

  8. Porém, no caso vertente, a Administração tributária, não obstante ter sido objetivamente confrontada por diversas vezes durante os procedimentos instaurados pela RECORRENTE com a possibilidade de subsistência de factos determinativos de uma desadequação entre o valor inicialmente declarado pela RECORRENTE a título de PEC dedutível no exercício de 2016 e a realidade, limitou-se a corrigir oficiosamente o valor declarado pela RECORRENTE sem realizar qualquer outra diligência tendente à descoberta da verdade material, dito de outro modo: a Administração tributária corrigiu acrítica e automaticamente o valor do PEC dedutível apurado na declaração modelo 22 de IRC de substituição relativa ao exercício de 2016, resguardando-se, para o efeito, no que considerou ser uma putativa falta - exclusivamente formal - de um pedido da RECORRENTE insuscetível de a constituir {i.e., a Administração tributária) no dever de promover uma tal análise.

  9. A apontada atuação da Administração tributária consubstancia, por conseguinte, uma desconsideração liminar do dever que sobre si impendia de realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que devia assentar a sua decisão, violando, por esse...

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