Acórdão nº 0101/19.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A Autoridade tributária e aduaneira veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa em 28 de janeiro de 2020, no processo n.º 477/2019-T CAAD, na parte em que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado por CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, S.A., com o número de identificação fiscal 500 792 615 e sede na Rua Castilho, n.º 5, 1250-066 Lisboa, sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou da auto liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitante ao mês de dezembro de 2014, no montante de € 753.487,02, e a consequente declaração de (i)legalidade daquele ato de (auto)liquidação de IVA.

Invocou contradição entre essa decisão e a jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0485/17, de 15 de novembro de 2017.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…) A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

D. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

E. Assim, em síntese, em ambos os Acórdãos, Autora e Recorrida são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração) e têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA.

F. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2014 e 2010, respetivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

G. Uma e outra apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

H. E, ambas imputam aos atos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA (correspondente ao artigo 174-º da Diretiva IVA), o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

I. Enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA) e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu, por oposição, que o referida norma da Sexta Diretiva (e Diretiva IVA) não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fração a totalidade da renda (juros e capital).

J. Fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

K. Há também identidade da questão de direito, pois em ambos os acórdãos a questão a decidir consiste em aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afetos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

L. Mais concretamente, tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto, em ambos os arestos está em causa saber se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

M. Sendo que, fundamentalmente, no Acórdão recorrido foi decidido que: «Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento». Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11- 2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55° da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. […] Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.», o que desembocou na anulação dos atos tributários impugnados.

N. Por sua vez, no Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 do TJUE, e ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Sexta Diretiva (artigo 173.º da Diretiva IVA), reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

O. Concluiu, nesse seguimento, o STA que «a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos n.º 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17.º, n.º 5, 3.º parágrafo, al. c) da Sexta directiva 77/3888/CEE».

P. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

Q. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-102014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer...

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