Acórdão nº 2265/13.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CARDOSO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO 1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...

e J..., contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2013 4..., relativa ao exercício de 2010.

  1. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou procedente a Impugnação deduzida por A... (e outro) na sequência da liquidação adicional de IRS nº 20134... (e respetivos juros compensatórios), referente ao ano de 2010, no montante total de € 3.526,97 B) O valor daquelas verbas foi regular e periodicamente ou mensalmente processado nos recibos inexistindo, para além dos Mapas das Ajudas de Custo” (alguns deles duplicados parecendo para os mesmos dias daqueles meses de janeiro e abril, diferentes locais de prestação de serviço e diferentes montantes apostos) quaisquer documentos que evidenciem ou indiciem a efetivação dos serviços supostamente extraordinários e o suportar desses custos por conta da entidade patronal, não incorporáveis no rendimento do trabalho C) Ora, as ajudas de custo (o seu caráter retributivo ou não retributivo) enquanto conceito jurídico, têm a sua génese no direito civil/laboral e foi densificado em termos doutrinários e jurisprudenciais por aquela jurisdição, existindo, a nosso ver, tanto quanto o conhecimento que este RFP tem (ou não tem) da matéria marcadas divergências de entendimento dignas de registo que contendem com a natureza ontológica e/ou dogmática, como seja, por exemplo, a natureza presuntiva do rendimento e da perceção regular e permanente dos montantes pagos ainda que se desconheçam os motivos que impedem o próprio direito tributário, as suas especificidades, e, os fins por este prosseguidos de aderir posição sufragada pela jurisdição comum.

    D) Esta caraterística antiabusiva das tributações autónomas de que as ajudas de custo são um exemplo paradigmático, se verificadas, adere à natureza “anti-sistémica”, e presuntiva, apontada pelo Prof. Saldanha Sanches e pela jurisprudência do Colendo STA que o cita.

    E) Ora, paradoxalmente, aquela jurisprudência que segue a posição sufragada relativamente às tributações autónomas (de que as ajudas de custo são um exemplo) e que comungam dos receios ali manifestados relacionados com a fraude e evasão fiscais por via de artificiosos mecanismos de redução do lucro tributável expressos na concessão de vantagens ou remunerações em espécie aos trabalhadores incrementando desta forma o rendimento destes com menor oneração da empresa e defraudando, assim, a Fazenda Pública e da necessidade sentida pelo legislador em prevenir estas situações…, é a mesma jurisprudência que relativamente à prova dos pressupostos relativos às ajudas de custo/remuneração e à sua natureza ressarcitória ou remuneratória, no fundo: - menospreza o devido preenchimento dos mapas das ajudas de custo legalmente previstos no CIRC, permitindo que quem procede ao preenchimento dos boletins itinerários não precise de justificar o motivo que está na base da sua realização concedendo que a irregularidade dos mesmos, por si só, não descaracteriza a natureza compensatória dos mesmos, bastando-se, in casu, com documentos internos que se limitam a inscrever um montante e o nome do Impugnante ( na maior parte das vezes não há datas…, não há motivos…) - se basta com a apresentação de meros documentos internos impondo à AT que ouse provar a falsidade daquela documentação irregularmente preenchida entendendo, aliás, que aquela documentação prova uma despesa efetuada… e isto não obstante se evidenciar, nomeadamente, dando por provado em 1. e através da documentação que já decorria do RIT entretanto trazida pelo Impugnante e sem perder de vista a natureza jurídica deste tipo de despesas, que: - Menospreza que os valores contabilizados a título de “despesas de representação” não se encontram devidamente documentados – desconhecendo-se a que título o montante foi recebido.

    - Menospreza a contabilização mensal destes montantes ofendendo a própria ideia de imprevisibilidade e/ou ocasionalidade que caracteriza as ajudas de custo aceite pela própria jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

    - Ignora o facto de entre janeiro a dezembro de 2010 (excecionando julho) terem sido processados à Impugnante mensalmente dois recibos um com o vencimento e subsídio de refeição e outro com a descrição “Ajudas de Custo”, em que, nesses recibos verifica-se que o subsídio de alimentação foi processado na íntegra (dias úteis), bem como o valor referente às “ajudas de custo” também é relativo a todos os dias úteis – no que se traduz, na ótica da Fazenda Pública, na evidente duplicação de gastos de semelhante natureza sem que se alcance ou o mesmo tenha dado uma justificação para o efeito.

    - Menospreza a circunstância de não existir um único documento externo relativamente às alegadas despesas.

    F) Parece, pois, no mínimo, incompreensível que os tribunais superiores aparentemente preocupados com o tipo de dispêndios sujeitos a tributação autónoma (assumidamente criada como norma anti-abuso) de que as ajudas de custo são um exemplo (não nos cansamos de o referir) sejam tão permissivos na hora de tomar posição sobre a realidade fiscal da pessoa singular que, tratando-se de uma realidade decorrente de uma relação bilateral – faz dela um interveniente indispensável na prefigurada fuga à tributação… G) A RFP não se conforma com o entendimento vertido na douta sentença recorrida, por entender que a orientação deve reclamar, por um lado, uma qualificação jurídico-tributária distinta da julgada no Tribunal a quo, global e mais adequada aos receios que as alegadas ajudas de custo H) Com facilidade damos conta que aos tribunais superiores deve ser reclamada uma maior intervenção na salvaguarda do eventual interesse público que o legislador entendeu proteger mediante a introdução da tributação autónoma não raras vezes instrumentalizada para efeitos fiscais. Não se deixando cair num tipo de fundamentação alicerçada em motivos extrajurídicos, de natureza conjuntural e que perante a sua volatividade tendem rapidamente a ser foco de injustiças na apreciação do caso concreto impedindo, tal a malha apertada em termos probatórios, a Administração Fiscal de prosseguir as suas atribuições neste particular.

    I) Assume caráter de retribuição a prestação regular e periódica realizada pelo empregador ao trabalhador, em dinheiro ou em espécie, relacionada com o trabalho prestado pelo trabalhador, presumindo-se como tal qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

    J) As características da regularidade e da periodicidade consagradas pelo legislador na norma constante do n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho constituem manifestações de uma vinculação prévia da entidade patronal ao pagamento desses valores ao trabalhador. Visão partilhada pela jurisdição comum e pela jurisprudência do TCA Norte citada supra.

    K) Os conceitos de “remuneração” e de “ajudas de custo” constantes do Código do IRS não podem ser interpretados desligados do contexto do Direito Laboral do qual provêm.

    L) E à imposição legislativa de recorrer aos conceitos de outros ramos do Direito na interpretação da norma tributária que os preveja, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

    M) Nem de outra forma poderia ser, atendendo a que o Direito Tributário pretende tributar as operações materiais, atendendo à sua substância, não à sua forma, cf. o n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

    N) O procedimento inspetivo apurou valores contabilizados como sendo alegadas ajudas de custo tendo por base meros documentos internos e irregularmente preenchidos, sem que se alcance os motivos da alegada despesa, nomeadamente, a ausência do objetivo da deslocação facto que decorre da análise da própria documentação e que o tribunal simplesmente olvidou evidenciar.

    O) Ou seja, não há uma única fatura. Nada. Um único elemento externo que prove que os gastos se efetivaram e que coloque a Impugnante naqueles locais. Que aquele montante foi-lhe atribuído, não há dúvidas. A própria reconhece. Mas que a mesma tenha incorrido em despesas enquanto esteve alegadamente deslocada inexiste evidência formal desses factos.

    P) Verificou a AT que sobre esse valor mensal atribuído inexiste documentação externa relativa às despesas incorridas pela Impugnante tratando-se alegadamente de ajudas de custo.

    Q) Os SIT constataram ainda (a douta sentença dá isso como assente levando ao probatório) que os valores em causa apresentam evidente regularidade ao longo do período em que é imputado ofendendo a imprevisibilidade e a ocasionalidade que caracteriza as próprias ajudas de custo no que constitui mais um indício que o Tribunal a quo simplesmente ignourou.

    R) Não se pretende que o tribunal se vá convencendo da verdade material mediante uma visão separada dos factos, pelo contrário. Este tipo de fundamentação para além de insuficiente denota evidente erro intelectual na apreciação dos factos – pois que faz precisamente o raciocínio oposto do que se impunha fosse feito, à luz, aliás, da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

    S) Em abstrato, pode haver quantias duplicadas para um único fim perfeitamente identificado inexistindo uma realidade distinta no que respeita à alimentação diária do trabalhador. E isso configura um indício evidente que carece de justificação especialmente por parte do trabalhador que auferiu aqueles montantes supostamente por contrapartida de despesas para as quais não há prova cabal apresentada.

    T) Acresce que em sede inspetiva estava em causa montantes inscritos a título de “despesas de representação” que são, no fundo, todas as efetuadas para representação da empresa junto de...

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