Acórdão nº 12380/17.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. AA e BB intentaram ação comum contra a “PS Invest, S.A.”, tendo pedido a condenação desta a: a) demolir os muros delimitadores da placa de cobertura do edifício construído no imóvel identificado no art.º 2.° da petição inicial e a remover os equipamentos nela instalados; b) demolir o murete e caleira construídos ao longo de parte da estrema norte da mesma propriedade, frente à janela existente no imóvel identificado no art.º 1.° da petição inicial, virada a sul e deitando diretamente para o prédio da ré; c) remover a câmara de vigilância instalada no edifício de sua propriedade e orientada para a janela referida em b).

  1. Citada, contestou a ré, pugnando pela improcedência da ação.

    E deduzindo reconvenção, pediu a condenação dos autores a: a) fechar a janela sita na empena sul do corpo edificado sul poente da sua propriedade e que deita sobre a propriedade da ré, erguendo no seu espaço um pano de alvenaria de tijolo e respetivos rebocos, devolvendo à empena sul a condição de empena cega ou oculta; b) construir um muro com um afastamento mínimo de 1.50 m da estrema sul do terraço do edificado sul poente, ou em alternativa, altear os muretes delimitadores deste terraço até à altura mínima de 1.50m, em ambos os casos de forma a não permitir que os autores se debrucem sobre a propriedade dos réus e violem o direito de privacidade que assiste aos residentes dos pisos 5 e 6 do prédio da ré; c) remover a chaminé construída à margem do processo de licenciamento na empena sul do corpo edificado sul/poente e em total desrespeito pelas normas regulamentares aplicáveis e cujo funcionamento contamina o ar ao nível da propriedade da ré.

  2. Os autores responderam, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.

  3. Foi proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

  4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente ação improcedente e, em consequência, absolveu a ré de todos os pedidos formulados pelos autores e julgou procedente a reconvenção apresentada pela ré contra os autores e, em consequência, condenou os autores a: a) fechar a janela sita na empena sul do corpo edificado sul poente da sua propriedade e que deita sobre a propriedade da ré, erguendo no seu espaço um pano de alvenaria de tijolo e respetivos rebocos, devolvendo à empena sul a condição de empena cega ou oculta; b) construir um muro com um afastamento mínimo de 1.50m da estrema sul do terraço do edificado sul poente, ou em alternativa, altear os muretes delimitadores deste terraço até à altura mínima de 1.50m, em ambos os casos de forma a não permitir que os autores se debrucem sobre a propriedade dos réus e violem o direito de privacidade que assiste aos residentes do piso 6 do prédio da ré; c) remover a chaminé construída na empena sul do corpo edificado sul/poente e que liberta fumos sobre o imóvel da ré.

  5. Inconformados com esta decisão dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação … que, por acórdão proferido em … de Dezembro de 2019, julgou a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu: « a) Revogar a sentença na parte em que absolveu a Ré do pedido formulado pelos AA., no sentido de ser aquela condenada a demolir o murete e caleira construídos ao longo de parte da estrema norte da mesma propriedade, frente à janela existente no imóvel identificado no art.° 1° da petição inicial, virada a sul e deitando diretamente para o prédio da ré, e, nessa sequência e correlativamente condenar a Ré nesse mesmo pedido.

    1. Revogar a sentença na parte em que condenou os AA. a fechar a janela sita na empena sul do corpo edificado sul poente da sua propriedade e que deita sobre a propriedade da ré, erguendo no seu espaço um pano de alvenaria de tijolo e respetivos rebocos, devolvendo à empena sul a condição de empena cega ou oculta, absolvendo os AA. desse pedido reconvencional.

    2. Manter, no mais, a decisão recorrida».

  6. Inconformada com este acórdão, a ré dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1 - O procedimento cautelar nº 21472/16.6… (doc. nº 60 da contestação) já se tinha pronunciado sobre a servidão de vistas tendo concluído que não se verificava (suscitado nos artigos 3º e 4º da contestação).

    2 - Estamos assim perante a existência de caso julgado.

    3 - No processo nº 21472/16…. apreciou-se e decidiu-se que os autores, aqui recorridos, não tinham adquirido por usucapião a servidão de vistas respeitante à janela voltada a Sul. Tal decisão transitou em julgado e constitui caso julgado.

    4 - O caso julgado constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso.

    5 - Caso assim não se entenda, existiu erro de direito na aplicação da lei aos factos dados como provados.

    6 - Refere a decisão recorrida que há uma janela aberta no prédio dos autores que dá directamente para o prédio dos recorrentes, janela que está aberta/construída pelo menos desde 1999.

    7 - O artº 1296º do CC estabelece que não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé.

    8 - No caso dos autos, nenhuma das partes invoca se a posse da servidão de vistas dos requerentes é de boa ou de má fé, sendo que a lei socorre-se de presunções e estabelece no artº 1260º nº 2 que a posse não titulada se presume de má fé.

    9 - Não vem invocada nem consta dos factos dados como provados a posse titulada da servidão, nem é afastada a má fé dos requerentes ao adquirirem a servidão (não é invocada nem consta dos factos dados como provados).

    10 - Conclui-se que os recorridos ainda não adquiriram a servidão de vistas por usucapião, visto que apenas demonstraram que abriram a janela em meados de 1999 e não afastaram a presunção de má fé da posse dessa servidão. Careciam de possuir a servidão há vinte anos.

    11 - Do cotejo dos factos nºs 22 e 51 dados como provados, não permite formular a conclusão que a janela de génese ilegal existia desde 1999, como faz o Acórdão recorrido.

    12 - O facto dado como provado nº 23 colide e é contraditório com os factos nºs 51, 54, 55, 56 e 57.

    13 - Resulta dos factos dados como provados que a construção da janela é posterior à existência da parede/muro norte do prédio de R (que data de 1938), sendo que a cota do parapeito desta sempre esteve a uma cota inferior ao topo do muto da Ré, por conseguinte, a janela que hoje existe, sempre teve visão parcial obstruída, não tendo esta resultado das obras de reabilitação do prédio da Ré (confirmado pela informação 1…00/INF/D…. …/…/2019).

    14 - Face à matéria dada como provada, não se pode concluir que o murete e a caleira construídos pela recorrente, obstrua a janela de génese ilegal dos recorridos porquanto, ao invés, a janela foi construída com uma cota inferior relativamente ao prédio da recorrente.

    15 - Consta do facto 54 dado como provado que não há murete com cerca de 30 cm de altura, mas tão só e apenas a existência de uma nivelação com a cota original do prédio.

    16 - Há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, pois existe uma oposição insanável entre os factos provados.

    17 - A contradição insanável entre o facto dado como provado nº 23 e os factos 51, 54, 55, 56 e 57, importa que não se possa decidir pela existência da construção por parte da recorrente de um murete e caleira e a sua consequente demolição.

    18 - Caso assim não se entenda, a decisão deve ser alterada no sentido de não demolição da caleira em toda a sua extensão, mas tão só e apenas o seu rebaixamento até ao plano de base do aludido murete, com o que continuaria a proporcionar a mesma utilidade para a recorrente, mas sem causar qualquer obstrução à janela dos autores, considerando o que prescreve o nº 2 do artigo 1362º do Código Civil ».

    Termos em que requer seja dado provimento ao recurso.

  7. Os autores responderam terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « A. Como é sabido e directamente resulta do disposto nos artigos 362.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1 do CPC, o procedimento cautelar destina-se, apenas, a prover as medidas conservatórias ou antecipatórias adequadas a assegurar a efectividade de um direito ameaçado, apreciando perfunctoriamente a “… probabilidade séria da existência do direito…” e o “… fundado receio da sua lesão” (cfr. art.º 368.º, n.º 1 do CPC), sendo dependência de uma causa principal que terá por fundamento a discussão da existência desse mesmo direito, salvo se for decretada a inversão do contencioso.

    1. Assim, a decisão adoptada em procedimento cautelar quanto à existência ou inexistência de um direito, em nada afecta a decisão que, sobre essa mesma matéria, deva ser tomada em sede de acção principal, não constituindo, aquela primeira decisão, caso julgado que inviabilize, até, a tomada desta segunda decisão, conforme resulta aliás das citações de Doutrina e Jurisprudência constantes dos pontos 5 e 6 supra, que se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

    2. Inexiste, portanto, entre procedimento cautelar e a correspondente acção principal, caso julgado quanto às questões debatidas em ambas as lides.

    3. Para que possa existir caso julgado, para lá de uma verdadeira sentença sobre o mérito da causa transitada em julgado (cfr. art.º 619.º do CPC), torna-se necessário que, entre as duas causas, se verifique repetição, por coincidência dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir. Ora, entre as duas causas aqui em apreço, apenas se verifica a coincidência de sujeitos, não ocorrendo coincidência de efeitos jurídicos peticionados (na primeira, foi pedido o decretamento de uma providência cautelar, nesta é pedida a demolição do muro construído frente à janela), nem das causas de pedir (na primeira, a causa de pedir era o fundado receio de violação do...

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