Acórdão nº 5407/16.9T8ALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelCURA MARIANO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I – Relatório O Autor propôs ação declarativa com processo comum contra o Réu, alegando, em síntese, que este, em entrevista a um órgão de comunicação social, proferiu diversas afirmações, que sabia falsas, sobre situações em que o Município teria tido intervenção, imputando aos seus órgãos condutas ilegais, assim afetando a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Autor, causando-lhe danos não patrimoniais, para cujo ressarcimento reputa adequado o pagamento do montante de € 60.000,00.

Concluiu, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe tal montante, acrescido de juros de mora, e a suportar o custo de publicação da sentença que assim o condene.

Contestou o Réu, alegando que a entrevista visava repor aquela que entendia ser a verdade dos factos, envolvendo o processo disciplinar que o Autor lhe moveu e que resultou na sua demissão, nunca tendo visado denegrir a imagem do Autor, como não o fez, sendo a entrevista um ato de legítima defesa e de exercício de direito à opinião.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Foi proferida sentença que absolveu o Réu dos pedidos formulados pelo Autor.

O Autor interpôs recurso desta decisão, tendo o Tribunal da Relação …, com um voto de vencido, proferido acórdão que revogou parcialmente a decisão recorrida, passando a condenar o Réu a suportar a despesa da publicação no Jornal …, com idêntico destaque ao da entrevista referida no ponto 14-B, do seguinte texto: “Na edição do dia ….…… de ……. do Jornal "…", foi publicada nas páginas …, ….. e ….., uma entrevista de AA, constando, para além do mais, o título "CM …. compactuou para a perda do Estádio ….".

O MUNICÍPIO … instaurou um processo civil contra o Réu AA por entender que o Réu tinha proferido, nessa entrevista, diversas afirmações que sabia falsas.

No referido processo o Réu AA foi condenado a suportar a presente publicação por se ter provado que ao dar a entrevista sabia da falsidade das acusações de cumplicidade, conivência e ilegalidade que fez aos membros da Câmara Municipal, quanto à atribuição de artigos matriciais para autonomização dos edifícios integrantes do perímetro do Estádio …. e quanto à viabilização da penhora e venda dos bens em execução fiscal”.

Este acórdão manteve a absolvição do Réu do demais peticionado.

O Réu interpôs recurso de revista desta decisão, tendo concluído, no essencial, as suas alegações do seguinte modo: ...

V - A decisão do Tribunal da Relação …. assenta essencialmente, na existência da colisão de dois direitos Constitucionalmente reconhecidos de valor equiparado e sujeitos a ponderação entre si uma vez que nada existe na Constituição que imponha a prevalência de um sobre o outro, sendo ambos construídos no enquadramento do princípio da dignidade humana.

VI - Salvo o devido respeito, que é muito, discorda-se do assim decidido porquanto na sentença proferida na primeira instância, a Mmª. Juiz considerou decidiu e bem, pela inexistência da prática de qualquer facto ilícito pelo Réu. Sendo que, na fundamentação de direito da douta sentença e à semelhança dos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação …., procede à análise da entrevista em questão, subdividindo a mesma em duas partes.

VII - Analisando ainda forma exaustiva, o Tribunal de 1ª instância, forma exaustiva o direito do Réu ao Exercício da Liberdade de Expressão, seu alcance e respetivas limitações ao direito à honra da Autora.

VIII - Salvo o devido respeito que é muito, cremos que a posição primeira instância é a correta, sendo que a posição adotada no douto Acórdão do Tribunal da Relação …., ora em crise, enferma de violação da lei substantiva, por erro de interpretação, nos termos do disposto no artº 674 nº 1 alínea a) do CP IX - Uma vez que, nos parece imprescindível que mesmo antes de ponderar a existência ou não de restrição ao exercício da liberdade de expressão sempre o Tribunal da Relação …. teria de ter previamente ponderado a existência, ou não da prática de qualquer ato ilícito por parte do Réu e aqui apelante.

X - Uma vez que, resulta também provado que o aqui apelante deu a entrevista de que se cura, para limpar a sua imagem pessoal e profissional, pois à data da entrevista não possuía qualquer credibilidade junto dos munícipes do …, tendo perdido a mesma ao longo de todo o curso do processo crime e exoneração de cargos que exercia na Câmara Municipal … (factos provados 51. a 53 – Acórdão Tribunal Relação … ).

XI - Sendo que da referida entrevista não resulta o lançamento de dúvidas de forma generalizada sobre o alegado cometimento de ilegalidades por parte da Autora.

XII - Antes mesmo de ponderar a prevalência ou cedência do exercício da liberdade de expressão do Réu perante o direito à honra e bom nome da Autora, sempre teria de aferir da existência da violação desse mesmo direito. O que, nos termos da decisão de 1ª instância não existiu, conforme supra referido e fundamentado.

XIII - O Tribunal da Relação …, no douto aresto, ora sob censura, modificado a matéria de facto dada como provada por forma a conduzir a conclusão diferente da decidida em 1ª instância.

XIV - Aliás, em sede de Recurso a Autora não impugnou a matéria de facto dada como assente.

Sendo que esta matéria de facto dada como provada resultou inequívoca de uma conjugação e articulação da prova documental e testemunhal sujeita a um escrutínio escrupuloso e minucioso da Mmª. Juiz de Direito do Tribunal a quo, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova acolhido no art. 607º, nº 5, do CPC.

XV - Sendo que, a mesma não foi impugnada em sede de Recurso nem sequer pedida a sua reapreciação pelo Tribunal da Relação ….

XVI - A decisão proferida em sede de 1ª Instância, resulta em absoluto da análise critica da prova feita pelo julgador perante quem a mesma foi produzida e que em face da mesma, de acordo com os princípios da imediação, da oralidade e da concentração decide de acordo com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência, que forem aplicáveis. No mesmo sentido veja-se Acórdão Tribunal Constitucional nº 198/2004 (DR, II de 2.06.2004, páginas 8545 e seguintes XVII - Tendo o Tribunal de 1ª instância decidido e bem, pela inexistência de acto ilícito porquanto existe uma inaptidão objetiva da entrevista do R.,aliada à sua inidoneidade, sobejamente confirmada por todas as testemunhas quer da Autora quer do Réu, para causar danos no bom nome da Autora. Para além de que da referida entrevista não resultou qualquer dúvida sobre a sua atuação no tratamento do assunto em análise, não estando assim perante a prática de um ato ilícito.

XVIII - Ao decidir como decidiu, pela absolvição do R. do pedido, o Tribunal a quo, em face da inexistência dos pressupostos legais da responsabilidade civil, não merece qualquer censura a douta sentença proferida nos autos.

XIX - Aliás, sendo claro e inequívoco que estamos perante uma situação de inegável interesse publico, reconhecido quer na douta sentença proferida em 1ª instância quer no douto Acórdão do Tribunal da Relação …. de que ora se recorre e ainda o facto de estarmos perante uma entidade publica, sempre deverá prevalecer a liberdade de expressão do Réu, como direito maior, para efeitos do disposto no artº 10º da CEDH.

XX - Não se encontrando, em nosso modesto entendimento, ultrapassados os limites ou restrições que vêm sendo impostas e decidas pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aliás, diga-se sobejamente citada no Acórdão ora sob censura e na douta sentença proferida em sede de 1ª instância.

XXI - Pelo que deve manter-se na integra a douta decisão proferida em 1ª instância, revogando-se o douto Acórdão, ora sob censura porquanto o mesmo enferma de violação da lei substantiva, por erro de interpretação, nos termos do disposto no artº 674 nº 1 alínea a) do CPC.

O Autor apresentou contra-alegações, sustentando a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

* II – Os factos Foram considerados provados os seguintes factos [1]: 1.

O R. foi funcionário do Município A., tendo iniciado funções na Câmara Municipal …. em ….1986, como contratado além do quadro, e celebrado contrato de prestação eventual de serviços para exercer as funções de …. .

  1. O R. ingressou no quadro de pessoal da Câmara Municipal …. através de concurso externo de ingresso, aberto por aviso publicado no DR III série, n.º …., de …./.../1986, tendo sido nomeado por deliberação de Câmara datada de …/…../1986, conforme aviso publicado no DR III série, n.º …, de …/…/1987.

  2. O R. foi nomeado Técnico …. de …. classe por Deliberação de Câmara datada de …./…./1989, conforme Edital n.º …., de …../……/1989, mediante aprovação prévia em concurso interno de promoção, aberto por Edital n.

    º ….., de …../…../1989.

  3. O R. foi nomeado Técnico ……. por Despacho do Senhor Vereador do Pessoal datado de …/…/1992, conforme aviso publicado no DR III série, n.º …., de …/…./1992, mediante aprovação prévia em concurso interno de promoção, aberto por aviso publicado no DR III série, n.º …, de …/…./1992.

  4. O R. foi nomeado …, com efeitos reportados a …./…/1998, por Despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal datado …/…./2002, conforme aviso publicado no DR III série, de …/…./2002.

  5. O R. esteve nomeado, em Comissão de Serviço, no cargo de … do Departamento de …. desde …./…./1987, com última renovação datada de …../…../2009, e terminou a comissão de serviço em …./…./2010.

  6. O R. foi nomeado, em regime de substituição, no cargo de …… do Departamento do ……., por Despacho n.º …-PCM/2011, de ….. de ……, com efeitos reportados a …./…./2011, tendo cessado a nomeação em …/…../2011.

  7. O R. foi nomeado, em regime de substituição, no cargo de ……do Gabinete do …, equiparado a cargo de … intermédia de …. grau, por Despacho n.º ….-PCM/2011, de …. de …, tendo cessado a nomeação em …./…./2012.

  8. Desde 1994 o R. acumulou as funções de …. com o exercício de funções de … do...

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