Acórdão nº 314/14.2T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. AA, casada, residente …, e BB, casado, residente …., intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, viúva, residente na …, DD, solteiro, maior, residente na rua ….; e EE divorciado, residente na rua …, pedindo: a) a declaração de nulidade, por simulação, da escritura de compra e venda celebrada a … de abril de 2014; b) a condenação dos RR. a reconhecerem serem os AA. herdeiros legitimários do falecido FF, concorrendo com os RR. CC e DD à herança daquele; c) a condenação dos RR. a restituírem aos AA. todos os prédios e direitos que integram a herança ilíquida e indivisa deixada por óbito do FF, designadamente os prédios identificados nos artigos 26.º e 61.º da petição inicial; ou se assim se não entender, a condenação dos RR. a restituírem à herança aberta por óbito do FF os bens identificados nos artigos 26.º e 61.º da petição inicial; d) a condenação dos RR. a reconhecerem que a outorga da escritura de compra e venda celebrada a … de abril de 2014 visava a sonegação dos prédios e direitos ali declarados alienar e, em consequência, e) a condenação dos RR. CC e DD a perderem, em benefício dos AA., o direito que possuíam, ou venham a possuir, sobre qualquer dos prédios identificados no artigo 26.º da petição inicial.

Alegaram, para tanto e em síntese, que em Novembro de 2008 intentaram contra os aqui réus CC e DD, e ainda contra FF e GG, ação de investigação de paternidade, que correu termos sob o n.º 905/08.0…, pedindo o seu reconhecimento como filhos de FF, ação que foi julgada procedente por sentença proferida em 1ª instância a … de Novembro de 2010, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação … de … de Maio de 2013, e pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Desta decisão, os réus CC e DD, entretanto habilitados como sucessores do FF, falecido a … de Janeiro de 2011, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso.

Não obstante saberem da relação de sangue existente entre os autores e o falecido FF e agindo com o propósito de sonegarem tais bens à partilha e prejudicarem os autores, os réus outorgaram, em … de abril de 2014, escritura pública de compra de compra, no âmbito da qual os réus CC e DD declararam vender ao réu EE, pelo preço global de € 25 551,46 e que não foi pago, os 22 imóveis descritos no artigo 26.º da petição inicial, que haviam adquirido por herança deixada por óbito de FF, de quem se afirmaram únicos herdeiros legitimários.

  1. Contestaram os réus, impugnando parcialmente os factos alegados pelos autores, sustentando, em síntese, que aquando da celebração da referida escritura pública de compra e venda, a declaração pelos réus CC e DD correspondia à verdade, na medida em que, àquela data, a decisão que reconheceu que os autores eram filhos do falecido FF ainda não tinha transitado em julgado.

    Defenderam que a sonegação apenas poderia ocorrer caso no âmbito de processo de inventário tivesse ocorrido omissão do dever de relacionar bens e que a presente ação traduz ofensa aos princípios constitucionais vertidos nos artigos 25.º, n.º 1, 26.º e 67.º, da Constituição da República Portuguesa e representa atuação em abuso de direito.

    Alegaram ainda que, tendo o réu EE atuado de boa fé, não pode proceder, contra ele, o pedido de petição de herança.

    Concluíram pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido, e a condenação dos AA., como litigantes de má fé, em multa e indemnização.

  2. Os autores responderam, sustentando a improcedência da exceção de ilegitimidade processual ativa e inexistir abuso de direito.

  3. Os autores apresentaram articulado superveniente, alegando, em síntese, que, no processo de inventário instaurado em cartório notarial com o n.º 8…3/15, a ré CC, nomeada cabeça-de-casal, apresentou relação de bens na qual omitiu quer a referência aos prédios identificados no artigo 26.º da petição inicial, quer o produto da venda declarada a … de abril de 2014, o que, defendem, ilustra a sua intenção de sonegação dos referidos bens.

  4. Admitido liminarmente o articulado, os réus defenderam a regularidade da relação de bens apresentada no processo de inventário, porquanto a decisão a proferir nestes autos constitui questão prejudicial ao relacionamento dos imóveis referidos no artigo 26.º da petição inicial, apenas existindo o dever de relacionar em caso de procedência do pedido aqui formulado pelos autores.

    Mais alegaram que, tendo os autores conhecimento da existência dos imóveis em causa e do impugnado contrato de compra e venda, inexiste fundamento para falar em sonegação de bens.

  5. Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho que fixou o valor da ação em € 250 000,00, foi indeferida a pretensão dos réus à declaração de inadmissibilidade do articulado superveniente apresentado pelos autores e foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa invocada pelos réus.

    E, após elaboração dos factos já assentes, foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

  6. Inconformados com a decisão que, em sede de audiência prévia, indeferiu a sua pretensão à declaração de inadmissibilidade do articulado superveniente apresentado pelos autores, os réus dela interpuseram recurso, que foi julgado improcedente.

  7. Os réus apresentaram articulado superveniente, no qual alegaram, em súmula, que, no âmbito do processo de inventário n.º 8…3/1, a cabeça-de-casal e aqui ré CC elaborou, voluntariamente, aditamento à relação de bens, através do qual pretendia incluir na partilha, além do mais, o produto da venda dos bens objeto do negócio celebrado a … de abril de 2014, tendo o notário proferido decisão a recusar tal aditamento enquanto não for proferida decisão final relativamente ao objeto dos presentes autos.

  8. Os AA. pronunciaram-se pela inadmissibilidade do novo articulado, por encerrar matéria inútil para causa.

  9. Em … .04.2016, foi proferido despacho que não admitiu «o requerimento apresentado pelos réus, como articulado superveniente, mas tão só como prova documental, a ter em conta pelo tribunal quanto à matéria a que diz respeito (…) ».

  10. Na sequência de acordo das partes, manifestado nestes autos e no âmbito do processo de inventário n.º 8…3/15, foi julgada parcialmente extinta a presente instância quanto ao pedido de restituição dos prédios identificados nos pontos 26 e 29 do artigo 61.º da petição inicial, relegando-se para final a decisão quanto a custas referente a este segmento do objeto do processo.

  11. Vieram os réus apresentar novo articulado superveniente, alegando, em síntese, que, no âmbito do processo de inventário n.º 8…3/15, o notário decidiu que não ser ali possível formular qualquer juízo de censura inerente ao fenómeno da sonegação de bens e que a presente causa é prejudicial ao mesmo processo de inventário, articulado que foi liminarmente indeferido.

  12. Procedeu-se julgamento, tendo sido preferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente: I - a. declarou nulo, por simulação, o negócio de compra e venda outorgado por escritura de compra e venda celebrada a … de abril de 2014, no cartório notarial da …, cuja cópia consta de fls 103 a 119; b. declarou os AA. AA e BB herdeiros legitimários do falecido FF, concorrendo com os RR. DD e CC à herança daquele; c. condenou os RR. DD, CC e EE a verem restituídos à herança aberta por óbito do falecido FF os bens identificados no ponto 17- da matéria de facto provada; II - Julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente, quanto ao pedido de condenação dos RR. a restituírem à herança aberta por óbito do FF os bens identificados nos pontos 28-a) a 28-c), 28-e), 28-f) e 28-h) a 28-v) da matéria de facto provada [atenta a declaração de extinção por inutilidade superveniente já proferida, a fls. 1434, quanto aos prédios referidos em 28-d) e 28-g)]; III - Julgou a ação improcedente na parte restante.

  13. Inconformados com esta decisão dela apelaram os AA. para o Tribunal da Relação … que, por acórdão proferido em … .05.2020, julgando improcedente a ampliação do âmbito do recurso, e procedente a apelação, revogou a decisão recorrida na parte relativa à sonegação dos bens, julgando verificada a sonegação dos bens referidos no ponto 17 da matéria de facto provada e, em consequência, declarou a perda em benefício dos co-herdeiros do direito da cabeça-de-casal sobre esses bens, confirmando, em tudo o mais, a sentença recorrida.

  14. Requereu a recorrente CC a reforma deste acórdão quanto a custas, tendo o Tribunal da Relação proferido, em … .09.2020, acórdão que determinou a requerida reforma.

  15. Inconformada com o acórdão proferido em … .05.2020, a Ré CC dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « A. A aqui Recorrente, CC, não se conforma com o douto Acórdão proferido pela Veneranda Relação …, datado de 19.05.2020, com a referência n.º …, quer quanto à condenação em custas, quer quanto à aplicação da sanção civil de sonegação de bens, prevista no artigo n.º 2096.º do Código Civil.

    1. Com efeito, o douto Acórdão recorrido só revogou a douta decisão recorrida, proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, na parte relativa à sonegação dos bens e apenas quanto à aqui Recorrente/Cabeça de Casal, no mais confirmando a decisão recorrida (v. segmento decisório de fls. 62).

    2. Conclui-se assim que o Recurso que havia sido interposto, para a Veneranda Relação do Porto, pelos Autores/Recorrentes, AA e OUTRO não foi julgado totalmente procedente, por provado, tendo decaído em relação ao Recorrido DD.

    3. Por conseguinte, haverá que reformar o douto Acórdão em conformidade, no que às custas respeita, o que aqui expressamente se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo n.º 616/3.º do CPC, substituindo-se o segmento respeitante à condenação em custas que...

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