Acórdão nº 1007/17.4T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRIJO FERREIRA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA DE PROCESSO COMUM ENTRE AA (aqui patrocinado por …, adv.) Autor / Apelado / Recorrente CONTRA BB (aqui patrocinado por …, adv.) Réu / Recorrido E CC (aqui patrocinada por …, adv.) Ré / Apelante / Recorrida I – Relatório O autor intentou a presente acção pedindo a condenação dos Réus a restituírem à herança de DD três fracções autónomas ou, subsidiariamente, o valor pago para a aquisição dos mesmos, bem como as correspondentes rendas recebidas após a abertura da sucessão.

Alega para fundamentar tal pedido que é filho de DD; que este era casado, em comunhão geral, com EE, mãe do Réu (irmão consanguíneo do Autor), a quem passou procuração; usando essa procuração e uma outra que lhe foi passada pelos Réus, a mãe do Réu, com dinheiro que era do seu casal, comprou, em 1978, o usufruto vitalício para o seu casal de três imóveis e a propriedade de raiz desses imóveis, relativamente a dois deles, para o casal do Réu (então formado pelos Réus, casados em comunhão de adquiridos) e, relativamente ao terceiro, apenas para o Réu; sendo que tal atribuição patrimonial foi feita com espírito de liberalidade. A mãe do Réu faleceu em …MAR1990 e o pai do Autor faleceu em …MAI2015.

O Réu contestou aceitando que a aquisição dos três imóveis em causa lhe adveio, na realidade, por doação de ambos os seus pais, não tendo por isso integrado a comunhão conjugal do casal que na altura formava com a Ré, pelo que devem os imóveis em causa ser restituídos, não apenas à herança de DD, mas antes a ambas as heranças – a daquele e a de sua mãe.

A Ré contestou excepcionando caso julgado, impugnando a factualidade alegada e deduziu reconvenção no sentido de lhe ser reconhecido que a eventual inoficiosidade não afecta a totalidade da aquisição, uma vez que 7/36 de cada imóvel sempre lhe pertencerão. Mais aduz que o verdadeiro litígio dos autos não é com o Autor, mas antes com o Réu, verdadeiro impulsionador da causa, que por esta via processual pretende retirar os imóveis do património comum do casal, aumentando o seu quinhão no inventário para separação de meações que decorre.

Na audiência prévia foi admitida a reconvenção e julgada improcedente a excepção de caso julgado.

A final veio a ser proferida sentença que, considerando que a colocação dos imóveis na esfera jurídica dos Réus consistiu numa atribuição patrimonial efectuada com espírito de liberalidade, devendo ser tratada como doação, pelo que os mesmos se encontram sujeitos a colação e que a Ré não logrou provar factualidade que suportasse a sua pretensão, julgou a acção procedente, condenando os Réus a restituírem os prédios em causa à massa da herança de DD, e a reconvenção improcedente, absolvendo o Autor do pedido reconvencional.

Inconformada, apelou a Ré, impugnando o despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção de caso julgado, e a sentença quer na parte que julgou procedente a acção quer na parte que julgou improcedente a reconvenção.

A Relação julgou improcedente o recurso do despacho saneador, procedeu à alteração da matéria de facto e, considerando que não foram alegados pelo Autor, como lhe competia, factos para concluir pela inoficiosidade das liberalidades em causa, que eram factos essenciais insusceptíveis de convite ao aperfeiçoamento, julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus dos pedidos (principal e subsidiário) e considerou prejudicada a apreciação do pedido reconvencional.

Agora irresignado veio o Autor interpor recurso de revista concluindo, em síntese, por nulidade do acórdão por falta de fundamentação, violação de direito probatório material ao exigir prova documental para prova de certos factos e a violação da lei processual ao não possibilitar a apresentação dessa prova documental, e que deve manter-se o decidido na 1ª instância.

Apenas a Ré contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso.

II – Da admissibilidade e Objecto do Recurso A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC.

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte, o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento. -*- Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos...

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