Acórdão nº 2127/19.6PBLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO BARRETO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório No Juiz 12 do Juízo Local Criminal de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foram proferidos os seguintes dois despachos na sessão de julgamento do dia 10.09.2020: Primeiro: “A prática de actos inúteis é proibida.

A jurisprudência conhecida deste tribunal vai toda no sentido de que se um ofendido se recusar a depor, ao abrigo do art. 134.º do CPP, o que as demais testemunhas relatam o que ouvir de tal pessoa, ou seja o que essa pessoa relatou a essas testemunhas não pode ser relevado como prova.

Como tal, de modo a não perder tempo e a não praticar actos inúteis, o tribunal consigna (e está gravado), confirma, que advertiu a testemunha que não valia a pena estar a referir-se a essas situações uma vez que não poderia vir a valorar a prova dessas declarações que essa testemunha viesse a produzir.

Reafirma-se que ignora-se jurisprudência dos tribunais superiores em sentido contrário.

Na promoção efectuada pela digna magistrada do M. P. não é efectuada qualquer referência a jurisprudência dos tribunais superiores em sentido contrário à defendida pelo tribunal.

Assim sendo, salvo melhor opinião, não se verifica qualquer nulidade razão pela qual se indefere a sua declaração”.

Segundo: “Renova-se o despacho imediatamente ante proferido com excepção da parte respeitante à jurisprudência”.

* E, a final, foi proferida sentença a absolver o arguido L. da prática, em autoria material, dos dois crimes de violência doméstica, ilícito previsto e punido nos termos do artigo 152º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, de de que vinha acusado.

* O Ministério Público veio recorrer (em conjunto) dos dois citados despachos, formulando as seguintes conclusões: “ 1. Nos presentes autos de Processo Comum foi o arguido L. acusado da prática, em autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de violência doméstica, na pessoa dos seus pais ABR e AN , p. e p. pelo artigo 152.º n.º 1 al. d) e n.º 2 al. a), do C. Penal.

  1. Na audiência de julgamento o arguido prestou declarações.

  2. Os ofendidos ABR e AN , fazendo uso da faculdade prevista no artigo 134.º do CPP, não prestaram declarações sobre os factos constantes da acusação.

  3. No decurso da sessão de julgamento do dia 10.9.2020, após identificação e perguntas aos costumes da testemunha JC (agente da PSP) – e após prestação de juramento, o Tribunal a quo refere o seguinte: “Vou já adverti-lo do seguinte. Os pais do arguido não desejaram prestar declarações, portanto de nada vale, mas se o fizer deve evitar fazer menção a declarações que quer o pai ou a mãe tenham feito e que o Sr., ao fim e ao cabo, tenha absorvido essas declarações, está bem? Porque isso nada vale de prova, está bem? Portanto, só vai contar à Sra. Procuradora é o que Sr. viu. Conversas que teve com os pais dele não valem nada de prova, está bem?”.

  4. Na sequência da inquirição desta testemunha, pelo Ministério Público foi ditado o seguinte requerimento (vide acta de fls. 440 verso – constante da gravação do CITIUS, intervenção gravada em suporte digital com início às 10:40 e termo pelas 10:42, que se transcreve: 6. “O M. P. vem, neste momento, após ter sido a testemunha ora inquirida JC advertido logo no momento da sua identificação e, posteriormente, advertido pelo Mm.º Juiz de que não poderia prestar declarações quanto ao que a vítima AN terá dito no momento em que se deslocou ao local, ter impedido … Vem o M. P. entender que o facto de não deixar o Sr. Arguido (lapso evidente de expressão) prestar declarações quanto a este facto configura uma nulidade dependente de arguição, o que faz neste momento, nos termos do disposto no artigo 120.º n.º 2 al. d) parte final do C. P. Penal, quando se refere à omissão posterior de diligências que pudessem revelar-se essenciais para a descoberta da verdade. A questão em causa é uma questão jurídica a ser debatida e entende o M. P. que o tribunal devia admitir a prestação de inquirição mesmo que posteriormente não a valorasse uma vez que houve silêncio da ofendida. A questão jurídica não é líquida e admite outra interpretação, interpretação que o M. P. segue e vem arguir desta forma a nulidade por considerar ser uma diligência essencial à descoberta da verdade. A proibição do depoimento indirecto, por um lado, não é absoluta e, por outro lado, entendemos que não é esta situação que aqui está nos autos e como tal vem arguir a presente nulidade que pretende ver sanada com a permissão de que o Sr. Agente possa prestar declarações quanto ao explanado.”.

  5. Sobre o requerido veio a recair o seguinte despacho judicial, constante de fls. 440 (verso) – constante da gravação do CITIUS (gravada em suporte digital com início ás 10:42 e termo pelas 10:44), que se transcreve: “A prática de actos inúteis é proibida. A jurisprudência conhecida deste tribunal vai toda no sentido de que se um ofendido se recusar a depor, ao abrigo do art. 134.º do CPP, o que as demais testemunhas relatam o que ouvir de tal pessoa, ou seja o que essa pessoa relatou a essas testemunhas não pode ser relevado como prova. Como tal, de modo a não perder tempo e a não praticar actos inúteis, o tribunal consigna (e está gravado), confirma, que advertiu a testemunha que não valia a pena estar a referir-se a essas situações uma vez que não poderia vir a valorar a prova dessas declarações que essa testemunha viesse a produzir. Reafirma-se que ignora-se jurisprudência dos tribunais superiores em sentido contrário. Na promoção efectuada pela digna magistrada do M. P. não é efectuada qualquer referência a jurisprudência dos tribunais superiores em sentido contrário à defendida pelo tribunal. Assim sendo, salvo melhor opinião, não se verifica qualquer nulidade razão pela qual se indefere a sua declaração.”.

  6. Aquando da identificação e perguntas aos costumes da testemunha da acusação – FG – e após prestação de juramento, o Tribunal a quo refere o seguinte: “Desde já o advirto que não vale a pena dizer ao tribunal o que eventualmente os pais do arguido lhe contaram uma vez que os pais se recusaram a depor e de nada vale essa prova.”.

  7. Na sequência da inquirição desta testemunha, pelo Ministério Público foi ditado o seguinte requerimento (vide acta de fls. 441 - constante da gravação do CITIUS, intervenção gravada em suporte digital com início às 11:08 e termo pelas 11:12), que se transcreve: “O M. P. vem, neste momento, arguir a nulidade do art. 102.º n.º 1 al. d) do C. P. Penal, precisamente porque entende que a prestação do depoimento da testemunha que ora está a ser inquirida é essencial à descoberta da verdade, sendo que neste caso nem sequer foi permitida à testemunha, independentemente do tribunal valorar ou não depois, prestar depoimento quanto às conversas que manteve com os ofendidos. Sendo certo que os ofendidos, precisamente por serem pai e mãe, nos termos do artigo 134.º do CPP, decidir não prestar depoimento contra o seu filho, a questão da valoração do depoimento desta testemunha, tal como anteriormente foi dito quanto ao Sr. Agente, é uma questão jurídica. Há pouco não foi dito mas quer na doutrina quer na jurisprudência está defendido que estas declarações podem ser valoradas e é, precisamente, por haver necessidade de colher este testemunho que, neste momento, o M. P. vem arguir a nulidade na expectativa de que se possa recolher este depoimento. Desde já se faz menção, porque há pouco não se fez menção, de alguns dos acórdãos que permitem e que vão neste sentido, por exemplo: Ac. do STJ, de 15.2.2007 (Relator Maia Costa) disponível na internet; Ac. Trib. da Relação de Coimbra de 2.2.2005; Ac. Trib. Rel. de Lisboa de 10.11.2005 e Ac. Trib. da Relação de Lisboa de 24.1.2012 e, em termos doutrinários – não só quanto à questão da valoração da prova mas também com a valoração das declarações do arguido, há vários autores que defendem esta posição, nomeadamente o Dr. Carlos Adérito Teixeira in Revista do CEJ, n.º 2, 15 de 20 1.º semestre; Dr. Costa Andrade na Colectânea de Jurisprudência, Ano VI (1981); vários autores de vários códigos anotados, que eu vou agora aqui dispensar-me de dizer e, também, Dr. Vítor Pereira Pinto na Revista do Ministério Público, n.º 133. Há pouco não foi devidamente fundamentado com jurisprudência por se entender não ser necessário, neste momento e a título exemplificativo, vem-se enunciar alguma da jurisprudência que tem dado valor às declarações prestadas pelas testemunhas mesmo quando, legitimamente, os ofendidos se recusam a depor. Neste caso nem sequer foi possível as testemunhas prestarem esse depoimento, o que se requer, solicitando-se que seja sanada a nulidade.”.

  8. Sobre o requerido veio a recair o seguinte despacho judicial, constante de fls. 441 – constante da gravação do CITIUS (gravada em suporte digital com início e termo às 11:12), que se transcreve: “Renova-se o despacho imediatamente ante proferido com excepção da parte respeitante à jurisprudência.”.

  9. É destas decisões que o Ministério Público discorda.

  10. Considera o M. P. que, independentemente da valoração posteriormente efectuada pelo Tribunal a quo em sede de sentença das inquirições às testemunhas acima identificadas não poderia tê-las advertido que nada relatassem sobre o que tinham tomado conhecimento por parte dos pais do arguido pelo facto daqueles se terem recusado a depor.

  11. Independentemente da valoração efectuada pelo Tribunal da prova, constante da decisão final, em obediência à lei e ao princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) tais inquirições deviam ter tido lugar dado que se afiguravam essenciais à descoberta da verdade, podendo, numa segunda fase (precisamente de recurso) discutir-se sobre o valor delas.

  12. Claramente, não se tratam de provas nulas, de acordo com o elenco e descrição do conceito de provas nulas previsto no artigo 126.º n.º 1 a 3 do CPP.

  13. O Tribunal a quo ao advertir, logo após juramento (com as legais advertências que...

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