Acórdão nº 928/16.6T8FAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 928/16.6T8FAR.E2 Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório.

  1. Estado Português, representado pelo Ministério Público, instaurou contra Transportes (…), Lda., com sede na Zona Industrial (…), (…), Olhão, (…), residente na Urbanização (…), lote 12, Olhão, (…), residente na Urbanização (…), lote 12, (…), Olhão, (…) – Transportes Unipessoal, Lda., com sede na Av. da (…), n.º 105, Loja 22, Olhão e (…), Sociedade Comercial, Lda., com sede na Rua (…), n.º 1, (…), Santiago do Cacém, ação declarativa com processo comum.

    Alegou, em resumo, que a 1ª Ré tem dívidas em execução fiscal, provenientes de taxas de portagens, imposto único de circulação, IVA, IRC, coimas e respetivos encargos, cujo montante ascende a € 5.546.581,63 e se encontram em crescimento contínuo e acentuado (em oito meses a dívida aumentou 61%) e que os 2º e 3ª RR, gerentes de facto, ou de direito, das demais RR urdiram e executaram um plano por forma a dissipar o património da 1ª Ré, mormente os veículos de transporte de mercadorias, continuando contudo a usá-los, por intermédio da 4ª e 5ª RR e a apropriar-se pessoalmente de todos os proventos económicos da atividade económico-empresarial da 1ª Ré, obstando ao cumprimento coercivo dos créditos vencidos e vincendos do Autor.

    Concluiu pedindo: (i) a declaração de ineficácia, em relação ao A., das vendas do imobilizado (veículos e outros bens móveis que identifica) da 1ª Ré para a 4ª Ré, em que os 2º e 3ª RR intervieram como gestores de facto, a fim de poder executar os bens no património da 4ª Ré, até ao montante da dívida fiscal que então se verificar, acrescida de juros, o qual, à data da petição ascendia a € 5.546.581,63, (ii) a declaração de ineficácia, em relação ao A., de todos os atos de pagamentos em numerário e depósitos e/ou transferências bancárias nas e/ou para contas bancárias da 3ª Ré de proventos resultantes da atividade económico-empresarial da 1ª e 5ª Rés, em que os 2º e 3ª RR intervieram como gestores de facto e que o A. pode executar tais bens no património da 3ª Ré, até ao montante da dívida fiscal que então se verificar, acrescida de juros, o qual, à data da petição ascendia a € 5.546.581,63.

    Contestou a ré (…) excecionando a prescrição dos créditos alegados pelo A. provenientes de coimas e contradizendo parcialmente os factos alegados pelo A. concluiu a final pela improcedência da ação.

    Contestou a ré (…) excecionando a prescrição parcial das dívidas alegadas pelo A. e contradizendo parcialmente os factos alegados pelo A. concluiu a final pela improcedência da ação.

    Respondeu o A. para reconhecer a prescrição das coimas, vindo posteriormente a esclarecer que o montante em dívida imputável à 1ª Ré corresponde a € 417.971,44.

  2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, julgou procedente a exceção da prescrição de coimas no montante de € 5.128.610,19, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou: “ (…), decido: A) Julgar a presente impugnação parcialmente procedente; B) Absolver as rés do pedido quanto aos seguintes veículos: (…).

    1. Declarar ineficazes em relação ao autor, das vendas do imobilizado da ré Transportes (…) para a ré (…), em que os réus (…) e (…) intervieram como gestores de facto (…); declarar ineficazes, em relação ao autor, de todos os atos de pagamentos em numerário e depósitos e/ou transferências bancárias, nas e/ou para contas bancárias da ré (…) de proventos (nomeadamente os descritos nos pontos 60 e 61.º dos factos provados) resultantes da atividade económico-empresarial da ré Transportes (…) e ré (…) em que os réus (…) e (…) intervieram como gestores de facto; D) Condenar os réus, solidariamente, a tolerar que o autor execute os bens ali descritos e exerça os direitos de credor, na medida necessária ao pagamento do seu crédito, como também praticar os atos de conservação de garantia patrimonial que a lei autorize, nos termos do artigo 616.º do mesmo Código.” 3.

    Os recursos.

    A ré (…) – Transportes Unipessoal, Lda., recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: “I. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida.

    1. Não decorre da douta sentença proferida, qualquer fundamentação pelo tribunal “a quo”, para condenar os Réus solidariamente.

    2. Não consta da decisão ora posta em crise, as consequências da procedência do instituto da impugnação pauliana, bem como fundamentação das normas aplicáveis.

    3. Não se vislumbra das consequências da impugnação pauliana, a interpretação que o tribunal “a quo” fez ao artigo 616.º do Código Civil.

    4. Fundou o tribunal “a quo” que: “Uma vez procedente a impugnação pauliana o credor impugnante terá o direito a ser indemnizado à custa dos bens ou valores atingidos, na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo por si sofrido. Daí, aliás, o seu carácter pessoal e indemnizatório”.

    5. Tal fundamentação, não se coaduna com a condenação solidária dos Réus e Recorrente, que o tribunal “a quo” fez constar na decisão.

    6. Violou assim, o tribunal “a quo” o disposto no artigo 616.º do Código Civil.

    7. O tribunal “a quo” poderia e deveria ter interpretado e aplicado o mencionado preceito legal, no sentido de os Réus e Recorrente serem condenados a tolerar que o Recorrido exercesse os seus direitos de credor na medida dos bens por si adquiridos ou para si transferidos.

    8. O tribunal “a quo” ao condenar, solidariamente como condenou a Recorrente, tolerando que o Recorrido execute os bens descritos na decisão, conduzirá a que aquela veja o seu património executado em medida superior aos bens/valores por si adquiridos.

    9. Não pode a Recorrente ser condenada a ver o seu património executado, no âmbito do regime de solidariedade, respeitante a valores mencionados nos factos provados 60 e 61, quando os mesmos ocorreram em data anterior à sua constituição, factos provados 13 e 14.

    10. O Tribunal “a quo” aplica o instituto da solidariedade sem fundamentação devida.

    11. Decorre do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, disponível em:http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/aea1c0a5c403f54c802577a60051a68a?OpenDocument, que: “(…) Em tais casos, foi consagrado o dever dos adquirentes de má fé pagarem diretamente ao credor impugnante o valor desses bens (art. 616º, nº 2, do C.C.) (…) o adquirente de má fé responde pelo valor do bem dissipado até ao montante necessário para a satisfação do crédito do impugnante, havendo que calcular-se o valor do bem por referência ao momento da transmissão impugnada (aí deve ser situado o momento do enriquecimento, face à então presente má fá do adquirente). (…)”.

    12. Conforme refere Luís Menezes Leitão, em Direito de Obrigações, II, 2ª ed., página 300: “ (…) A impugnação pauliana consiste assim numa ação pessoal, que visa restituir ao credor, na medida do seu interesse, os bens com que ele contava para garantia do seu crédito. Nesse âmbito, a procedência da impugnação pauliana constitui um direito de crédito à restituição, que em relação ao adquirente tem por objeto os bens em espécie ou o seu valor, se estiver de má-fé, ou o seu enriquecimento se estiver de boa-fé. (…).” XIV. Como escreveu Vaz Serra (RLJ, 111/154): “a ação pauliana é dada aos credores somente para obterem, contra o terceiro que procedeu de má-fé ou se locupletou, a eliminação dos prejuízos que sofreram com o ato impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na ação exerce contra o réu um direito de crédito, o crédito da eliminação daquele prejuízo”. E continua, “entendidas assim as coisas, pode afirmar-se que a ação se destina a fazer valer o direito de eliminação do prejuízo causado pelo ato ou do restabelecimento da possibilidade de satisfação sobre os bens objeto desse ato”.

    13. (…) “o terceiro, se tiver procedido de má fé, responde pelo valor da coisa, se não puder restituí-la em espécie” (art. 616º, nº 2”), pelo que “se a coisa alienada não puder ser restituída, porque foi alienada, deve o terceiro entregar o valor dela ...” Vaz Serra na obra referida, fls. 157.

    14. Tendo em conta a decisão ora posta em crise, o tribunal “a quo” considerou que a Recorrente é um adquirente de má fé a quem foi transmitido os bens (veículos).

    15. Ao Recorrido só lhe é conferido o direito de exigir da Recorrente, uma “indemnização” até ao limite do valor dos bens alienados, nos termos ao artigo 616º, nº 2, do CC, já que, em princípio, a sua responsabilidade não deve ir além do valor do património do devedor diminuído pelo ato impugnado, pois só nessa parte foi lesada a garantia patrimonial, devendo ser neste sentido que o tribunal “a quo” deveria ter interpretado e aplicado a referida norma. XVIII. O Recorrido poderá executar os veículos transferidos para a titularidade da Recorrente, de forma a recuperar na medida necessário o seu crédito, tendo sempre por base a existência de um limite.

    16. A Recorrente não é devedora perante o Recorrido, para que possa responder solidariamente pelo crédito existente e consequentemente, não poderia ser condenada pelo tribunal “a quo”, a tolerar a execução de bens que não foram integrados na sua esfera patrimonial.

    17. Violou assim o tribunal “a quo” o artigo 616.º n.º 1 e 2, do Código Processo Civil.

    18. Pelo que, deverá o tribunal “ad quem”, proferir decisão que condene a ora Recorrente, a tolerar que o Recorrido execute os veículos constante no facto provado 79, à exceção do constante em B) da decisão ora posta em crise.

    Termos em que, DEVE ser julgado procedente o presente Recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, na parte em que condena a Recorrente, solidariamente, a tolerar que o autor execute os bens ali descritos e exerça os direitos de credor, na medida necessária ao pagamento do seu crédito, como também praticar os atos de conservação de garantia patrimonial que a lei autorize, nos termos do artigo 616.º, do mesmo Código...

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