Acórdão nº 01240/08.0BEPRT 0908/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A……………………….., S.A.

”, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgando improcedente a Impugnação Judicial por si instaurada contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativa ao exercício de 2005, emitida na sequência de correcções ao lucro tributável, absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de anulação formulado.

1.2.

Nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: «Operação de realização de prestações acessórias 1. Quando as prestações acessórias têm natureza pecuniária e remetem, por vontade das partes, para o regime das prestações suplementares — é ilegal e arbitrário assumir que se lhes aplica o regime do contrato de mútuo, pois, perante a realidade dos factos e vontade das partes, remetem para o regime das prestações suplementares. A Sentença viola o art. 287.°, n.° 1 e 210.° a 213.° do CSC e art. 58.° do CIRC.

  1. As prestações acessórias /suplementares são muito diversas do mútuo; são um instituto autónomo, com um regime exclusivo, sem necessidade de remissão para outros regimes jurídicos.

  2. Aliás, assemelham-se mais ao capital social do que ao mútuo, pois com elas visa-se proteger os credores da Sociedade, em duplo sentido (na mesma linha de preocupação do que sucede com o capital): (i) maior dificuldade de restituição (e dificuldade de descapitalização da Sociedade) e (ii), em caso de insolvência, os créditos normais (de terceiros) prevalecem sobre o capital e prestações suplementares (e já não sobre mútuos dos sócios).

  3. Não existe qualquer argumento legal (literal, sistemático ou teleológico) para, no plano fiscal, tratar as prestações efetuadas como um mútuo e não uma prestação suplementar, simplesmente com o argumento de que a sociedade beneficiária não se encontrava em subcapitalização.

  4. A Sentença recorrida é ilegal, ao advogar que as prestações suplementares/acessórias destinam-se apenas a fazer face a situações de subcapitalização (numa operação de quase capital), por violação do art. 210.° a 213.° e 287.° do CSC.

  5. A lei interna (art. 58.° do CIRC e portaria 1446-C/2001), internacional (ponto 1.36 e 1.37 dos Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais) e a jurisprudência (processo arbitral 230/2013-T) proíbem que a AT (e o poder judicial, em contencioso de mera anulação), em correções de preços de transferência, requalifiquem os contratos e acordos estabelecidos, desconsiderando o negócio jurídico efetuado entre as partes e estabelecendo um outro.

  6. A AT (e o juiz a quo) só poderia requalificar o negócio em causa, ou invocando a simulação (art. 39.º da LGT), ou um qualquer abuso, com uma artificiosa operação ou conjunto de operações, para com isso se reduzir o imposto a pagar, mediante os expedientes do art. 23.° do CIRC ou do art. 38.°, n.° 2 da LGT.

  7. A Sentença é ilegal, porque convocou o art. 58.° do CIRC para requalificar a operação em causa (requalifica-se o negócio efetuado pelas partes) — algo que está expressamente vedado ao instituto dos preços de transferência.

  8. A Sentença interpretou erradamente o art. 36.°, n.° 4, da LGT: a AT não está vinculada ao negócio declarado pelas partes (pode requalificá-lo - e tributá-lo - de acordo com a sua real substância económica); mas, para tal, não se pode socorrer das regras dos preços de transferência (que só corrige a matéria quantitativa dos negócios não requalificados), mas teria de lançar mão de outros institutos tributários, para alcançar esse desiderato — a requalificação com base no art. 38.°, 39.º da LGT, ou com base no art. 23.° do CIRC.

  9. Há uma contradição entre os fundamentos e a decisão da Sentença e/ou entre os próprios fundamentos da Sentença, ao advogar que o art. 58.° do CIRC permite e proíbe a requalificação das operações praticadas — situação de nulidade e/ou ilegalidade da Sentença, passível de conhecimento recurso (art. 615.°, n.° 1, al. c) e n.° 4, do CPC).

  10. A Sentença procede à requalificação da operação: transforma, para efeitos fiscais, a prestação suplementar sem juros num mútuo com juros, através do instituto dos preços de transferência — algo que está vedado a esse instituto (em violação do art. 8.° do CIRC).

  11. Ao advogar que não procedeu a qualquer requalificação da operação (mas associação ao seu contrato típico que seria o mútuo), a Sentença é ilegal: (i) existe manifesta requalificação; (ii) a associação, a fazer-se, seria com a prestação suplementar e não ao mútuo, pois a substância da operação aproxima-a muito mais daquela figura (cfr. conclusões 1 a 3).

  12. A Sentença é ilegal pois introduz fundamentação a posteriori: um dos argumentos por si invocados — hipotética desadequação da operação empreendida face ao escopo e fim lucrativo da Sociedade — nunca foi carreado pela AT para sustentar a liquidação impugnada.

  13. As operações realizadas (venda de ações, distribuição de dividendos, prestação suplementar acessória) não extravasam o objeto social e escopo lucrativo.

  14. São perfeitamente legais, permitidas na lei comercial e fiscal; o contribuinte limita-se a seguir as consequências que a lei lhes confere; o cumprimento da lei não pode ter como consequência que se esteja a extravasar o objeto social e escopo lucrativo.

  15. A solução alternativa aventada na Sentença sofreria dos mesmos defeitos da opção eleita: um mútuo (com juros) contraído apenas para pagar dividendos — visaria apenas gerar liquidez e não o reforço dos capitais da Sociedade e um propósito expansionista do grupo (e, portanto, extravasaria o objeto social e escopo lucrativo.

  16. A Sentença parece que visa desconsiderar a sucessão organizada e encadeada de operações sem tributação (mais valia isenta sem gerar liquidez; distribuição de dividendos isento; prestações suplementares sem imposto), para se conseguir um efeito económico desejado (movimentação de fluxos financeiros), sem pagamento de imposto, alegadamente frustrando o fim e razão de ser destes institutos.

  17. Mas esta correção ter-se-ia de sustentar na cláusula geral Anti Abuso (art. 38.°, n.° 2, da LGT) e nunca numa correção de preços de transferência, em que se corrige apenas o preço de uma operação em concreto — e daí a ilegalidade da Sentença.

  18. O facto das prestações suplementares terem sido depois alienadas a um terceiro (não sócio) — não implica a sua qualificação como um crédito. As vicissitudes posteriores são irrelevantes para a qualificação, que tem de ser efetuada no momento da constituição da prestação.

    Cessão onerosa de prestações acessórias, com diferimento de pagamento 20.

    A Sentença é ilegal, por violação do art. 58.° do CIRC e art. 77-°, n.° 3, da LGT, ao advogar que o instituto dos preços de transferência permite a requalificação fiscal da operação efetuada: tratar a venda de um ativo (operação comercial de alienação de prestações suplementares), como um mútuo (operação financeira da B…………… a favor da C……………….).

  19. O instituto dos preços de transferência só permite mexer nos aspetos quantitativos da operação (reconstituição de preços) — e nunca na sua natureza qualitativa (requalificação, como a assunção de que a venda de um bem com diferimento de preço é afinal um mútuo, com imputação de uma qualquer taxa de juro).

  20. É isso o que diz a lei interna (art. 58.° do CIRC e portaria 1446-C/200l), internacional (ponto 1.36 e 1.37 dos Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais) e a jurisprudência (processo arbitral 230/2013-T).

  21. A AT (e o juiz a quo) só poderia requalificar o negócio em causa, ou invocando a simulação (art. 39.º da LGT), ou um qualquer abuso, com uma artificiosa operação ou conjunto de operações, para com isso se reduzir o imposto a pagar, mediante os expedientes do art. 23.° do CIRC ou do art. 38.°, n.° 2 da LGT.

  22. A Sentença viola o art. 36.°, n.° 4, da LGT: a AT não está vinculada ao negócio declarado pelas partes. Pode requalificá-lo — e tributá-lo — de acordo com a sua real substância económica. Mas para o fazer, não se pode socorrer do instituto dos preços de transferência (que só corrige a matéria quantitativa dos negócios não requalificados); mas teria de lançar mão de outros institutos tributários, para alcançar esse desiderato — a requalificação com base no art. 38.°, 39.º da LGT, ou com base no art. 23.° do CIRC.

  23. A sentença viola o art. 58.° do CIRC e art. 77.°, n.° 3, al. b) e c) da LGT: não é possível afirmar, de forma abstrata, que a venda de um ativo com diferimento do preço corresponde, automática e inelutavelmente, à concessão de crédito do concedente (B……………..) ao cessionário (C…………), pelo facto desta, sem desembolso imediato de dinheiro, ter passado a deter um ativo.

  24. A sentença viola o art. 58.° do CIRC e art. 77.°, n.° 3, al. b) e c) da LGT: a análise das características concretas da operação mostra a inexistência de qualquer concessão de crédito.

  25. A B…………… não concedeu qualquer crédito à C…………… : fez a operação para resolver o problema da autonomia financeira que a prejudicava; e obteve uma cobertura do seu risco, assegurando que a solvabilidade do seu crédito não ficava numa pior situação: antes tinha prestações suplementares (sem garantias, sem juro e sem prazo de vencimento); depois ficou com um crédito (sem garantias, sem juro e com um prazo de vencimento em finais de 2009).

  26. A C…………… não obteve qualquer crédito (nem no momento inicial, nem depois): assumiu um risco negocial, como comerciante, num acordo similar a um contrato de futuros.

  27. Na data da celebração do contrato (em 2005), aceitou ter de pagar +-70 milhões de euros passados +- 4 anos (pela compra das prestações suplementares), sem saber, em 2005, se o devedor (B………….. SGPS) estaria, até lá (2009), em condições económicas, financeiras e jurídicas de reembolsar as prestações suplementares.

  28. Se a B…….. SGPS reembolsasse (em 2009 ou antes), a C……………. faria um bom negócio — recebendo o dinheiro (e...

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