Acórdão nº 060/19.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1. A……………………. - Magistrada do Ministério Público, com a categoria de Procuradora-Adjunta, e devidamente identificada nos autos - intentou neste Supremo Tribunal contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [CSMP] a presente acção administrativa, pedindo a declaração de nulidade, ou a anulação, do acórdão do respectivo Plenário de 30.04.2019 que, confirmando o acórdão da Secção Disciplinar de 07.03.2019, lhe aplicou a sanção disciplinar de 120 dias de suspensão do exercício de funções.

    1. O demandado - CSMP - apresentou contestação na qual impugna, fundamentalmente, as ilegalidades imputadas pela autora ao acórdão do seu Plenário e, além disso, arguiu a excepção da caducidade do direito de acção.

    2. A autora replicou defendendo a tempestividade do exercício do seu direito de acção.

    3. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção arguida pelo CSMP, foram dados como verificados todos os indispensáveis pressupostos processuais, e foi decidido ainda que os autos já continham «todos os elementos necessários ao conhecimento do objecto da acção».

    4. Convidada a fazê-lo, a autora apresentou alegações que culminou assim: 1) Por questões de economia processual, a autora dá por integralmente reproduzida a petição inicial, e os vícios nela invocados, os quais conduzem à nulidade ou declaração de nulidade do acto punitivo; 2) Deverá, porém, salientar-se que dos artigos 67º e 68º da contestação do réu sai claramente reforçado e comprovado que o procedimento disciplinar enferma de «nulidade insuprível» por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade e violação do direito de defesa constitucional e legalmente assegurado à arguida [ver artigos 269º da CRP, 204º do EMP, e doutrina e jurisprudência citada na petição inicial]; 3) Com efeito, naqueles artigos a entidade demandada «reconhece» que para a punição basta a existência de atrasos processuais, uma vez que a arguida não tinha um volume excessivo de trabalho; 4) Contudo, em sede de defesa, a arguida solicitou justamente a realização de diligência probatórias que permitiriam «comprovar» se os atrasos processuais eram fruto da sua negligência ou de uma distribuição excessiva de trabalho, pelo que é inacreditável que num Estado de Direito um órgão como o CSMP recuse a produção de tal prova e depois puna a arguida com o argumento de que o volume de trabalho não era excessivo e que ela fora negligente - que era o que justamente a prova requerida procurava infirmar; 5) Para além de o procedimento disciplinar enfermar de nulidade insuprível, também resulta claramente, do acto punitivo, que foi violado o princípio constitucional do presunção da inocência, pois que a simples constatação da existência de atrasos processuais não significa, necessariamente, que os mesmos sejam devidos à culpa ou negligência do magistrado, sendo perfeitamente admissível e plausível que decorram do volume excessivo de trabalho que lhe foi distribuído [e no nosso País até é um facto público e notório que há poucos magistrados e que os que existem estão sobrecarregados em trabalho], pelo que apenas se poderia punir a arguida se e na medida em que estivesse afastada toda a dúvida razoável sobre a real causa dos atrasos processuais verificados - e só a prova requerida poderia desfazer essa dúvida; 6) Acresce que, a violação do princípio do presunção da inocência é ainda bem evidente no segmento do acto punitivo em que se afirma que «...não ficou demonstrado que a magistrada reclamante teria conseguido despachar todo o serviço que tinha a seu cargo, caso não se tivessem verificado as circunstâncias que ocorreram no final de Julho e em Agosto de 2018»; 7) Com efeito, enquanto a «presunção da inocência» só permitiria punir se se tivesse demonstrado que a magistrada não teria conseguido despachar todo o serviço mesmo que não se tivessem verificado as circunstâncias ocorridas no final de Julho e Agosto [estado de saúde e problemas pessoais], o acto impugnado optou por puni-la por ela não ter logrado demonstrar que o teria conseguido fazer, o que é o mesmo que dizer que é a arguida que tem de provar a impossibilidade de despachar tudo, em tempo, e já não quem pune a demonstrar a possibilidade de o ter feito - o que é o mesmo que dizer que se partiu de uma presunção de culpabilidade e não de inocência.

      Termina pedindo que seja julgada procedente a presente acção, declarando-se nulo ou anulado o acto impugnado, com as legais consequências.

    5. O CSMP também apresentou alegações, mas sem formular conclusões. Nelas reitera, no entanto, a tese que defendeu na contestação, e termina pedindo a sua «absolvição do pedido» decorrente do julgamento de improcedência da acção.

    6. Colhidos que foram os «vistos legais», importa apreciar e decidir a acção.

  2. De Facto Resulta provado nos autos o seguinte quadro factual: 1) A autora é Magistrada do Ministério Público - com a categoria de Procuradora-Adjunta - tendo tido o percurso profissional, na Magistratura do Ministério Público, enunciado na respectiva «Nota Biográfica» - «Nota Biográfica», a folhas 31 a 34 do processo administrativo [PA] apenso à Providência Cautelar nº49/19.0BALSB, e composto por 3 volumes - Processo Disciplinar nº…………. -, aqui dada por reproduzida; 2) Em 31.10.2018, perfez 12 anos, 5 meses e 16 dias, de tempo de serviço na Magistratura do Ministério Público - ver «Nota Biográfica», reportada a 31.10.2018, a folhas 31 a 34 do PA; 3) Entre 06.01.2018 e 05.09.2018 esteve colocada na ………… Secção do DIAP de …………… - acordo [artigo 2º da petição inicial e aceite pelo réu no artigo 11º da contestação]; ver «Ordem de Serviço» nº1/2018, de 06.01.2018, da Coordenação da Comarca de …………., a folhas 9 a 16 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido; ver «Ordem de Serviço» nº16/2018, de 04.09.2018, da Coordenação da Comarca de ………., a folhas 17 a 19, do PA, cujo teor aqui se dá, igualmente, por reproduzido; 4) Datado de 12.03.2018, a autora enviou ao Magistrado Coordenador da Comarca de ………., através do «Sistema de Informação do Ministério Público» [SIMP], o ofício nº34657, informando sobre os processos conclusos para despacho final e dando conta do encerramento dos respectivos inquéritos a 01.03.2018, juntando, em anexo, os respectivos despachos de acusação, e justificando a demora na sua prolação - ver ofício nº34657, de 12.03.2018, a folhas 85 do PA, cujo teor se dá por reproduzido, e documento nº4 junto à petição inicial, aqui dado, igualmente, por reproduzido; 5) Em 23.05.2018, a autora enviou [através do SIMP], o ofício nº64059, dirigido à técnica de justiça adjunta da Comarca de ………… - Unidade de Apoio à Coordenação, com mapas dos processos findos relativos aos meses de Abril e Maio de 2018, mais informando sobre os processos a aguardar despacho há mais de 50 dias, e ainda ter «já dado início aos despachos de tais processos», comprometendo-se «a neles dar o despacho útil o mais breve possível» - ver ofício nº64059, de 23.05.2018, a folhas 98 do PA, cujo teor se dá por reproduzido; 6) Em 04.09.2018, pela «Ordem de Serviço» nº16/2018, publicitada no SIMP, o Magistrado do Ministério Público Coordenador, determinou que ela enviasse à «Coordenação da Procuradoria-Geral da República [PGR] da Comarca de ……….», uma listagem dos inquéritos a si distribuídos em que não tenha proferido despacho final - ver «Ordem de Serviço» nº16/2018, de 04.09.2018, a folhas 17 a 20 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 7) Em 24.09.2018, o Magistrado Coordenador da Comarca de ………….

    informou a «Procuradora-Geral Distrital do Porto» da situação em que se encontrava o serviço distribuído à autora aquando da sua cessação de funções no DIAP de ………. em …………., remetendo a listagem dos inquéritos por despachar, reportada a esta data - acordo [artigo 3º da petição inicial e aceite pelo réu no artigo 11º da contestação]; ver ofício nº103313, de 24.09.2018 - SIMP -, a folha 3 do PA, 3º volume, que aqui se dá por reproduzido, e listagem anexa, a folhas 4 a 8 do PA, cujo teor aqui se dá, igualmente, por reproduzido; 8) Em 10.10.2018, a «Procuradora-Geral Distrital do Porto» remeteu à Procuradoria-Geral da República, certidão relativa a atrasos processuais em processos atribuídos à autora, com vista a eventual instauração de procedimento disciplinar - acordo [artigo 4º da petição inicial e aceite pelo réu no artigo 11º da contestação]; artigo 15º da contestação e, ainda, ofício nº249/2018-PGD/PA, de 10.10.2018, a folha 1 do PA, 3º volume, cujo teor aqui se dá...

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