Acórdão nº 07/17.9BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | ADRIANO CUNHA |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recursos de revista de acórdãos dos TCA [Desp. 11-2016] Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A ora Exequente “A........ –………, S.A.” veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista do Acórdão proferido em 22/9/2016 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, “TCAS” (cfr. fls. 30 e segs. SITAF/TCAS), o qual confirmou a sentença, de 8/5/2013, do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, “TAC/Lx” (cfr. fls. 90 e segs. processo físico), que julgara improcedente a pretensão executiva por si formulada contra o “Ministério da Economia e do Emprego – Direção Geral de Energia e Geologia (MEE)”, hoje, “Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC)”.
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Nas suas alegações, a Exequente/Recorrente “A........” apresentou, a final, as seguintes conclusões (cfr. fls. 126 e segs. SITAF/TCAS): «1.ª A questão de direito que ora se submete à apreciação deste Supremo Tribunal consiste em saber se, no cumprimento do dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, a regra segundo a qual a Administração deve actuar por referência à situação jurídica e de facto que existia no momento em que praticou o acto anulado, se aplica também aos actos e operações subsequentes no âmbito de um procedimento administrativo faseado, encadeado.
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Noutro prisma, trata-se de saber se a prática de acto substitutivo, mas que não coloca o interessado na posição em que se encontraria se não tivesse sido (ilegalmente) indeferida a sua pretensão, constitui suficiente e integral cumprimento do dever de executar.
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Esta questão, nas suas duas formulações, preenche ambos os requisitos alternativos de admissibilidade previstos no artigo 150.°, n.° 1, do CPTA, uma vez que reveste importância fundamental, em virtude da sua relevância jurídica, e justifica a intervenção deste Tribunal de revista atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito.
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Primeiramente, deve considerar-se que no caso dos autos está em causa uma questão de importância fundamental, nas suas duas formulações, pela sua relevância jurídica. Na verdade, tem-se entendido que relevância jurídica «afere-se em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular» (cfr. Acórdãos desse Supremo Tribunal de 26.06.2008 e 02.07.2008, proferidos nos Procs. n.ºs 0515/08 e 0173/2008, respectivamente).
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A esta luz, é evidente a relevância jurídica da questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal. Basta pensar-se na frequência com que é feito uso dos meios executivos previstos na lei processual, para se concluir que esta questão possui elevada aptidão para repetir-se em futuros processos. Na verdade, a questão colocar-se-á sempre que se requeira a execução de uma decisão judicial que anule um acto administrativo inserido num procedimento administrativo faseado, encadeado e, no fundo, se questione a reconstituição da situação actual hipotética.
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Esta capacidade de expansão até se detecta se considerarmos a multiplicidade de procedimentos administrativos desta natureza, desde os procedimentos administrativos de licenciamento urbanístico, industrial, ambiental e por aí fora. Em suma: é inegável que a questão ora suscitada possui elevadíssima capacidade de expansão, o que lhe confere a “importância fundamental”, a que se refere o n.° 1 do artigo 150.° do CPTA.
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Mas a admissão da revista mostra-se também necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que o aresto recorrido comete, salvo o devido respeito, um erro manifesto e grosseiro. Na verdade, e conforme demonstrado, ao aterem-se à substituição do acto impugnado por outro, as instâncias violam o regime instituído pelo artigo 173.° do CPTA que, diga-se, foi instituído precisamente para evitar e erradicar as decisões jurisdicionais desprovidas de alcance útil.
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Aqui reside o cerne da questão. É que o mero deferimento do Pedido de Informação Prévia (“PIP”) de nada serve aos interesses da Recorrente.
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O carácter evidente, grosseiro e grave do erro, alcança-se também considerando que essa interpretação dos poderes e deveres cognitivos do juiz executivo conduz à negação da tutela executiva.
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Finalmente, a referida caracterização do erro cometido é confirmada pela circunstância de esta interpretação dos poderes e deveres cognitivos do juiz executivo ser inconstitucional, inconstitucionalidade que se arguiu na presente sede para todos os efeitos legais.
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A execução duma decisão judicial anulatória de acto ilegal consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos actos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e a reconstituir a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.
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Com efeito, em termos de princípio geral, temos como dado adquirido que no âmbito da execução de decisões judiciais anulatórias a Administração deve procurar reconstituir a situação actual hipotética, ou seja, deve procurar repor a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado de molde a que a ordem jurídica seja reintegrada, actividade que passa pela realização, agora, do que se deveria ter realizado se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento, isto é, passa pela prática dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à mencionada reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem. O que se trata aqui é de aferir se foi dado cumprimento ao dever de executar a sentença, tal como o mesmo vem consagrado no citado artigo 173.° do CPTA.
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As instâncias, já o dissemos, entenderam que com a prolação do novo acto de deferimento do PIP, a Administração cumpriu o julgado anulatório, deixando intocado o acto de indeferimento do PARP, cuja declaração de nulidade se peticionou, não obstante na apreciação do mesmo a Administração se haja pautado pelo quadro normativo posterior, entenda-se não vigente à data da apresentação do PIP.
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E tal sucedeu porque o Pedido de Atribuição de Ponto de Recepção (“PAPR”), insiste-se, foi proferido por referência a uma situação jurídica e de facto distinta da existente no momento da apresentação inicial da pretensão.
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Chegamos, assim, à primeira questão de direito atrás enunciada: saber se, no cumprimento do dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, a regra segundo a qual a Administração deve actuar por referência à situação jurídica e de facto que existia no momento em que praticou o acto anulado se aplica também aos actos e operações subsequentes no âmbito de um procedimento administrativo faseado, encadeado.
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Ora, a nosso ver, a resposta só pode ser uma: à luz da letra e do espírito do artigo 173.° do CPTA, a Administração deve, efectivamente, actuar por referência à situação jurídica e de facto que existia no momento em que praticou o acto anulado nos actos e operações subsequentes.
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Caso contrário, não é possível reconstituir a situação actual hipotética, o que é evidente no caso sub judice. Chegar-se-ia a uma qualquer outra situação - possivelmente, à presente... - mas não àquela que existiria se o acto anulado não tivesse sido anulado. Tão simples quanto isto.
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É que, bem vistas as coisas, se o PIP tivesse sido deferido, como o deveria ter sido, na altura própria, a Direcção-Geral da Energia não tinha margem para impedir a atribuição do ponto de recepção e subsequente licença de estabelecimento.
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Resulta demonstrado dos autos que, à data relevante, não se verificava nenhum dos motivos pelos quais seria legalmente possível à Direcção-Geral da Energia indeferir o pedido de atribuição do ponto de recepção. Sendo certo que, neste campo, a Direcção-Geral da Energia actua ao abrigo de poderes vinculados, pelo que apenas e tão-só nos casos previstos na lei poderia a Direcção-Geral da Energia ter indeferido o pedido. Ora, não existindo fundamento legal para o indeferimento, como não existia, tem que se admitir como premissa que o ponto de recepção teria sido atribuído.
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Nem se diga que os fundamentos para o indeferimento do pedido de atribuição do ponto de recepção, nos termos do artigo 12.°, n.° 4 do citado Decreto-Lei, comportam conceitos indeterminados. Com efeito, ainda que sejam indeterminados, o que se admite sem todavia conceder, o certo é que eles estão necessariamente voltados para atingir um entendimento comum que a própria norma há-de fornecer em larga medida, ainda que para tal seja necessário interpretá-la em conformidade com o ordenamento jurídico e com a mens legislatoris, ou seja, com a intenção mobilizadora do criador da norma que incorpora esses conceitos. Por conseguinte, no preenchimento e concretização de conceitos indeterminados, a administração está obrigada a desenvolver uma actividade vinculada de interpretação da norma e há-de chegar, em princípio, a uma única solução para o caso concreto, não lhe sendo possível guiar-se por uma liberdade subjectiva ou por critérios de oportunidade.
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Podemos, assim, concluir, sem medo de errar, que caso o PIP tivesse sido deferido ab initio, o PAPR teria igualmente sido deferido, com as ulteriores consequências.
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Conforme vimos, porém, a questão de direito aqui não é tanto a de saber da “obrigatoriedade” do deferimento dos requerimentos conexos, como é o caso do PAPR, mas curar de saber qual a situação jurídica e de facto que deverá pautar a decisão administrativa na actuação procedimental subsequente: a existente no momento da prática do acto anulado ou uma qualquer outra posterior? 23.ª Isto porque aquilo que aconteceu, na verdade, foi que a Direcção-Geral da Energia, numa suposta execução do julgado anulatório, deferiu o PIP para depois indeferir o PARP, fundando o indeferimento numa situação jurídica e de facto que nada tem a...
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