Acórdão nº 23/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 23/2021

Processo n.º 489/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A., e recorrido o Instituto do Turismo de Portugal, I.P., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal de 13 de março de 2019 que, remetendo para a fundamentação dos acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal em 5 de dezembro de 2018 (Processo n. º 01457/15) e em 23 de janeiro de 2019 (Processo n.º 0891/17), confirmou a decisão que julgara improcedente a impugnação do ato de liquidação da contrapartida anual e do imposto especial de jogo nela integrado, referentes ao ano de 2016.

2. Dessa decisão foi interposto o presente recurso, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., S.A., devidamente identificada nos autos, notificada do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo à margem identificado, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos.

1º) Estabelece o nº 1 do artº 75º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, que o recurso se interpõe “por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo do qual o recurso é interposto” - o presente recurso é interposto nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º.

2º) Estatui o nº 2 do mesmo artº 75º-A, que “sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considere violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”.

3º) A ora recorrente deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto uma impugnação judicial, nos termos do artº 97º, nº 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contra uma liquidação da “contrapartida anual relativa ao ano de 2016”, liquidação essa emitida pelo Turismo de Portugal, I.P., ao abrigo do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10.

4º) Nessa impugnação, a recorrente invocou a ilegalidade da liquidação impugnada:

a) Por o Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10, com base no qual foi emitida a impugnada liquidação, ser organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e o referido diploma ter sido aprovado pelo Governo, sem haver qualquer autorização legislativa;

b) Por a Lei do Jogo (Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12), com base no qual, também foi emitida a impugnada liquidação, ser organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não estabelecer os critérios mínimos constitucionalmente exigidos para as leis de autorização legislativa;

c) Por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;

(cf. Petição Inicial da Impugnação, alegação de recurso para o STA e Acórdão recorrido.

5º) Na medida em que o Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10, estabelece a incidência e o valor de contrapartida anual e na medida em que esta contrapartida anual é um imposto, e porque o referido decreto-lei foi emitido sem autorização legislativa, foi violado o princípio da legalidade estabelecido nos artigos 103º, n.º 2 e 165º, nsº 1, i) e 2, da Constituição da República.

6º) Na medida em que uma parte da contrapartida anual é efetuada através de pagamentos de Imposto do Jogo e na medida que a incidência e as taxas de tal imposto estão estatuídas na Lei do Jogo (Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12) e as matérias da incidência e das taxas foram estatuídas em termos não previstos na lei de autorização legislativa, foi violado o princípio da legalidade estabelecido nos artºs 103º, n.º 2, 165º, nsº 1, i) e 2, da Constituição da República Portuguesa.

7.º) Na medida em que a “contrapartida anual” incide sobre receitas brutas e o valor de tal contrapartida nunca pode ser inferior a um mínimo estabelecido na lei, foram violados os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real que decorrem dos artigos 103º, nº 2, e 104º, da Constituição da República Portuguesa.

8.º) Na medida em que uma parte da contrapartida anual é efetuada através de pagamentos do Imposto do Jogo e na medida em que esse Imposto do Jogo incide, nos chamados “jogos bancados”, sobre receitas brutas e na medida em que incide, nas “máquinas automáticas”, sobre um “capital” fixado administrativamente, são também violados os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real que decorrem dos artigos 103º, nº 2, e 104º, da Constituição da República Portuguesa.

9º) Tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgado improcedente a impugnação judicial, foi deduzido recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo nesse recurso também sido suscitadas as referidas questões de constitucionalidade.

10º) Concluindo:

a) O presente recurso é feito ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional;

b) São objeto do presente recurso as normas contidas no artigo 2º, nº 1, e) e nº 4 do Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10, por violação do princípio constitucional da legalidade, na sua vertente da matéria ser da competência exclusiva da Assembleia da República, como determinam os artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, nº 1, i) da Constituição da República Portuguesa;

c) São objeto do presente recurso as normas contidas nos artigos 84º, 85º, 86º e 87º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (“Lei do Jogo”), alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, pela Lei n.º 28/2004, de 16/7, pelo Decreto-Lei nº 40/2005, de 17/2, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30/11, pelo Decreto-Lei nº 64/2015, de 29/4, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, pela Lei n.º 114/2017, de 29/12, pela Lei n.º 49/2018, de 14/8 e pelo Decreto-Lei n.º 98/2018, de 27/11, por violação do princípio constitucional da legalidade, na sua vertente da matéria ser da competência exclusiva da Assembleia da República, como determina os artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, nº 1, i) da Constituição da República Portuguesa, bem como a violação do artº 165º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

d) São objeto do presente recurso as normas contidas no artigo 2º, nº 1, e) e nº 4 do Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10 por violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, emanação do princípio da igualdade (artigos 13º e 103º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e da tributação das empresas pelo lucro real (artigo 104º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa),

f) As questões de inconstitucionalidade foram suscitadas pelo recorrente na petição inicial da impugnação judicial deduzida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e no recurso que deu origem ao Acórdão do STA ora recorrido.

Termos em que se requer a admissão do presente recurso, com a consequente notificação para a apresentação de alegações.»

3. A recorrente foi convidada, nos termos previstos nos n.os 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, uma vez que se verificou «que o mesmo não respeita integralmente os requisitos previstos no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, na medida em que não enuncia a(s) norma(s) cuja constitucionalidade pretende ver sindicada(s).»

4. Em resposta, veio a recorrente acrescentar o seguinte:

«A., S.A., recorrente no processo referido em epígrafe, notificado do douto despacho para aperfeiçoamento do recurso, indicando “a(s) norma(s) cuja constitucionalidade pretende ver sindicada(s)”, vem, em cumprimento desse despacho, dizer o seguinte:

a) É objeto do presente recurso as normas contidas no artigo 2º, nº 4 do Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10, norma essa que criou um imposto, denominado “contrapartida”, e regulou a incidência, a taxa e a matéria coletável dessa “contrapartida”, sendo que essas matérias (incidência, taxa e matéria coletável) são da competência exclusiva da Assembleia da República (artigos 103.º, n.º 2 e 168.º, nº 1, i) da Constituição da República Portuguesa), pelo que, tendo sido o Governo, através do nº 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10, a regular tais matérias, o indicado n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei nº 275/2001 violou os artigos 103.º, n.º 2 e 168.º, nº 1, i) da Constituição da República Portuguesa;

b) São objeto do presente recurso as normas contidas nos artigos 84º, 85º, 86º e 87º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (“Lei do Jogo”), alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, pela Lei n.º 28/2004, de 16/7, pelo Decreto-Lei nº 40/2005, de 17/2, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30/11, pelo Decreto-Lei nº 64/2015, de 29/4, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, pela Lei n.º 114/2017, de 29/12, pela Lei n.º 49/2018, de 14/8 e pelo Decreto-Lei n.º 98/2018, de 27/11, normas essas que regulam a incidência, a taxa e a matéria coletável do Imposto do Jogo, sendo que essas matérias (incidência, taxa e matéria coletável) são da competência exclusiva da Assembleia da República (artigos 103.º, n.º 2...

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