Acórdão nº 11/21 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução06 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 11/2021

Processo n.º 1188/19

2.ª Secção

Relator: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A. SAD, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade obrigatório ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

A decisão recorrida foi proferida no âmbito de um recurso interposto junto do tribunal a quo pela recorrida, de um acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 7 de novembro de 2018, em que é demandante a recorrida, e demandada a Federação Portuguesa de Futebol – Secção Profissional (FPF), que confirmou a decisão de condenação da recorrida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), ao abrigo do artigo 187.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Professional (RDLPFP), adotado ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Federações Desportivas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, pela prática de uma infração disciplinar no dia 26 de setembro de 2017, por comportamentos dos adeptos da recorrida e a responsabilização desta pela violação de deveres a que está adstrita de modo a evitar a ocorrência de tais comportamentos, resultando na aplicação de uma multa no valor de € 2.870,00 (dois mil oitocentos e setenta euros), acrescido do valor total de custas de € 6,125,40 (seis mil cento e vinte e cinco euros e quarenta cêntimos).

2. Na parte que ora releva, afirmou-se na decisão recorrida:

«Todavia, como já referido, a responsabilidade objectiva mostra-se afastada pela circunstância de ambos os normativos em causa (182º/187°) do RD-LPFP/2017) exigirem para efeito de imputação aos clubes e punição destes por factos ocorridos nos recintos desportivos, que as faltas sejam praticadas por espectadores sócios ou simpatizantes do clube.

Por esta razão, porque as normas exigem a imputação da qualidade pessoal de sócio ou simpatizante ao clube especificamente objecto da punição, do ponto de vista jurídico não é admissível, presumir a qualidade de sócio ou simpatizante relativamente a pessoa que nem se sabe quem é por não estar identificada no processo disciplinar, para efeitos de operatividade da ligação funcional do (desconhecido) sócio ou simpatizante ao clube desportivo nos termos consignados nos art°s. 182º/187° do RD-LPFP/2016.

Efectivamente, a interpretação dos art°s. 182º/187° do RD-LPFP/2016 no sentido

(i) da imputação de autoria ao clube por efeito automático da concretização dos ilícitos disciplinares comissivos descritos nos citados artigos (182º/187°), cometidos por pessoa física cuja identidade é desconhecida,

(ii) presumindo a qualidade funcional de "sócio ou simpatizante" (ligação ao clube) exigida pela norma (182º/187°) relativamente a essa pessoa física de identidade desconhecida,

(iii) associando à concretização dos ilícitos (182º/187°) o efeito automático de imputação ao clube do delito omissivo impróprio de violação do dever jurídico de garante (artº 35° do Regulamento das Competições da LPFP/2016),

confígura-se inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência em sede de processo disciplinar, à luz do regime constante do art° 32° n°s. 2 e 10 CRP.

No mesmo sentido o acórdão deste TCAS tirado em 09.MAI.2019 no rec. n° 42/19.2BCLSB no segmento do discurso jurídico fundamentador que se transcreve:

"(..)Na verdade, também perfilhamos o entendimento expresso pela recorrente e já supra afirmado, de que nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos "demais elementos das infracções" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 186° 2 e 187° 1 a) e h) do RD.

Daí, pois, se concorde que é inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2° da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32° 2 e 10 da CRP), a interpretação dos art°s 13° f) e 186° 2 e 187° 1 a) e h) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube, o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais: e inconstitucional, porque...

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