Acórdão nº 413/12.5TBBBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra as rés ALPIVILAS – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA e ASSOCIAÇÃO THE HAVEN PORTUGAL.

Pediu a condenação das rés a reconhecerem que: a) O registo do cancelamento das hipotecas averbado mediante as apresentações nº …. e ……, de ...2011 b) c) 2011, respeitantes ao prédio descrito na CRP do…………… sob a ficha genérica nº ……, ………, e as apresentações nº …. e …. ambas de …2011, respeitantes ao prédio descrito na mesma CRP, sob a ficha genérica nº …., é nulo, declarando consequentemente o tribunal a respectiva nulidade destes registos de cancelamento; e que b) Em consequência desta declaração, se mantém em pleno vigor, relativamente aos prédios descritos sob as fichas genéricas nº …. e …. da CRP do ………….. o registo das hipotecas a favor dela A., efectuado mediante a apresentação nº .. de ... 2005 e a apresentação nº .. de …2005, de que é titular a ora A. nos precisos termos em que o mesmo se encontrava antes de serem averbados os cancelamentos aludidos em a), decretando o tribunal a reposição do registo das hipotecas em favor da A. nesses precisos termos em que se encontravam antes do seu ilegal cancelamento.

Como fundamento, alegou ser credora hipotecária da 1.ª R., a qual vendeu à 2.ª R., livre de ónus e encargos, os prédios hipotecados, tendo sido cancelada no registo predial a inscrição hipotecária com base em títulos falsos.

Citadas, a 1ª R não contestou.

A 2.ª R. contestou, impugnando o valor da causa, e invocando em seu favor a verificação dos requisitos da aquisição tabular previstos no artigo 17º/2 do Código do Registo Predial, atenta a sua qualidade de terceiro de boa-fé e a sua aquisição do bem a título oneroso.

A A. respondeu, nada tendo a opor à alteração do valor da causa conforme sugerido pela 2.ª R. na contestação, mas negando os factos invocados por esta para demonstração da sua qualidade de terceiro de boa-fé.

Entretanto, foi ordenada a apensação a estes autos do processo com o n.º 434/12.., acção declarativa com processo ordinário que a A. intentara (também) contra a ALPIVILAS – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA e contra C.M.M. MAIA UNIPESSOAL, LDA, pedindo a condenação das mesmas a reconhecerem que: a) O registo do cancelamento das hipotecas averbado mediante as apresentações nº …. e …, de…../11/2011, respeitantes ao prédio descrito na CRP do ………. sob a ficha genérica nº ………, é nulo, declarando consequentemente o tribunal a respectiva nulidade destes registos de cancelamento; e que b) Em consequência desta declaração, se mantém em pleno vigor, relativamente ao prédio urbano descrito sob a ficha genérica nº …… da CRP do .......... o registo das duas hipotecas voluntárias em favor dela A., efectuado mediante a apresentação nº .. de …2005 e a apresentação nº .. de ….2005, de que é titular a ora A. nos precisos termos em que o mesmo se encontrava antes de serem averbados os cancelamentos aludidos em a), decretando o tribunal a reposição do registo das hipotecas em favor da A. nesses precisos termos em que se encontravam antes do seu ilegal cancelamento.

Alegou, semelhantemente ao que fez na acção 413/2012, ser credora hipotecária da 1.ª R., a qual vendeu à 2.ª, livre de ónus e encargos, os prédios hipotecados, tendo sido cancelada no registo predial a inscrição hipotecária com base em títulos falsos.

Também nessa acção a 1ª R. não contestou, apesar de regularmente citada.

A R. “C.M.M. Maia Unipessoal, Lda.” (que se passará a designar por 3.ª R.) contestou, impugnando o valor da causa e invocando igualmente que é terceiro de boa-fé, alheia aos factos referidos pela A., que desconhece.

Também aqui a A. replicou, desta feita opondo-se à alteração do valor da acção e negando os factos invocados pela 3.ª R. para demonstração da sua qualidade de terceiro de boa-fé.

Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor das acções, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova, tendo-se realizado audiência prévia, a pedido da A.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou as acções improcedentes, e, em consequência, absolveu a R. “Alpivilas – Investimentos Imobiliários, Lda.”, a R. “Associação The Haven Portugal” e a R. “C.M.M. Maia Unipessoal, Lda.” dos pedidos formulados.

Discordando desta decisão, a autora interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou parcialmente procedente, declarando-se a nulidade dos registos de cancelamento das inscrições hipotecárias em causa nos autos, mantendo-se, no demais, o decidido na 1ª instância Ainda inconformada, a autora veio pedir revista, admitida como revista excepcional, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. (…) 2. A CGD defende nesta ação que os registos de aquisição da propriedade pelas aqui recorridas The Haven e CMM MAIA Lda. respeitantes aos prédios que adquiriram são válidos, apenas pretendendo que lhe seja reconhecido o direito de ver as suas hipotecas repostas no registo predial tal como se encontravam antes do ilegal cancelamento das mesmas, como efeito útil e normal da decisão agora tomada pelo Tribunal da Relação; 3. Nem por um lado a CGD pretende pôr em causa a validade substancial dos negócios jurídicos realizados entre a Alpivilas e as outras duas RR. nem, todavia, por outro lado, as RR. adquirentes dos prédios podem ser consideradas como “terceiros” para efeitos de aplicação do regime jurídico previsto nesta norma; isto é, as sobreditas RR. não adquiriram da R. Alpivilas nenhum direito incompatível com o direito da CGD, não se aplicando in casu o regime do art. 17º do CRP; 4. No entendimento do douto aresto ora impugnado, se esses dois direitos (hipoteca e propriedade) vierem a ser sucessivamente constituídos a favor de diferentes sujeitos pelo mesmo autor, proprietário inicial do imóvel, verifica-se a aquisição pelos mesmos de direitos incompatíveis de autor comum, correspondendo a medida dessa incompatibilidade à da restrição que a hipoteca implica no direito de propriedade, constituindo-se assim os titulares desses direitos como terceiros em relação a este, considerando assim que tal viola o preceituado no art. 17º nº 2 do CRP; 5. Todavia, na perspetiva aqui defendida pela CGD “restrição ao direito” e incompatibilidade entre direitos” são conceitos juridicamente distintos e que não podem nem devem ser confundidos um com o outro; 6. Desde logo nem sequer se aceita que a hipoteca corresponda a uma “restrição” do direito de propriedade plena; com efeito, a hipoteca não passa de uma mera garantia de pagamento de uma dívida e em caso algum restringe o direito de propriedade que o proprietário tem sobre o imóvel onerado, podendo este à mesma livremente vendê-lo, usá-lo, arrendá-lo, constituir sobre o mesmo outros ónus, etc.; 7. Mas, ainda que se entendesse que a hipoteca, enquanto direito real de garantia, restringe o direito de propriedade, mesmo assim essa restrição de um direito não se pode confundir com o conceito jurídico da incompatibilidade de direitos provenientes de um autor comum, previsto no art. 5º nº 4 do CRP; 8. Efetivamente, o conceito jurídico de incompatibilidade exige que os direitos se excluam entre si: Ou bem que existe um ou bem que existe o outro, não podendo ambos coexisitir; não podem, p. ex., existir dois proprietários plenos do mesmo prédio por ambos adquirido à mesma pessoa; mas esse mesmo primitivo proprietário pode, sem problema, onerar um prédio em favor de uma entidade e aliená-lo seguidamente a uma outra entidade; aliás nada existe de ilegal nisso, bastando recordar o regime jurídico previsto nos artigos 818.º e 610.º do CC, e 54º do CPC, normas estas que preveem que o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito; 9. A respeito do que deve ser entendido por “direitos incompatíveis entre si” milita o douto Acórdão do STJ de 16-10-2008, processo nº 07B4396, douto aresto este que decidiu em tese contrária àquela que o presente Acórdão decidiu, ou seja não admitindo que relativamente a direitos reais de garantia possa valer se possa estender o conceito jurídico de incompatibilidade de direitos; 10. Do cotejo das normas constantes dos art. 5º nº 4 e art. 17º nº 2 do CRP, bem como da doutrina do AUJ n.º 3/99 (embora este AUJ se pronuncie sobre caso diverso) conclui-se que o direito real de garantia (hipoteca voluntária) de que é titular a CGD sobre os prédios não é incompatível com o direito de propriedade sobre os mesmos prédios, ambos os direitos tendo como origem a Alpivilas, sendo este pressuposto (incompatibilidade) o pressuposto da definição do conceito de “terceiros” para efeitos da aplicação do regime jurídico do art. 17º nº 2 do CRP; 11. Acresce ainda que sempre o douto aresto recorrido deveria ser revogado porquanto ao contrário do que decidiu o regime jurídico previsto no artigo 17º, n.º 2 do CRP não protege terceiros perante a inexistência ou invalidade substantiva, situação esta que é a destes autos; com efeito, o vício subjacente à nulidade do cancelamento dos registos hipotecários é de natureza substantiva na justa medida em que o cancelamento das hipotecas é um negócio jurídico de natureza substantiva, verificando-se quando o titular da hipoteca recebe o devido pagamento das quantias devidas/garantidas, pagamento este que in casu não existiu; 12. Subsidiariamente, para o caso de não ser entendido o que supra se defende, então deverá o Tribunal ponderar a aplicação in casu do regime jurídico previsto na norma do art. 732º do C.C. ou seja retomando as hipotecas ilicitamente canceladas os seus efeitos nos termos aí previstos, ou seja produzindo as mesmas os seus efeitos relativamente às RR. adquirentes apenas a partir da data das novas inscrições; 13. Não vislumbra a CGD razões para que o douto Acórdão recorrido privilegie a boa fé das adquirentes em prejuízo e detrimento da boa fé da aqui impugnante, sendo que também a CGD acreditou piamente na...

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