Acórdão nº 26542/16.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 26542/16.8T8LSB.L1.S1 6ª SECÇÃO (CÍVEL) REG. 150 * AA propôs acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB, que foi julgada procedente nos seguintes termos:

  1. Decreta-se a dissolução, por divórcio, do casamento, celebrado entre AA e BB, em .. de Janeiro de 1959 (por referência ao assento de casamento n.º .., de 1959, da 5.ª Conservatória do Registo Civil de …., a fls. 11-13); b) Atribui-se a utilização da casa de morada de família, sita na Rua ......., n.º .., 3…., em …., à ré BB.

    Não se tendo conformado com o assim decidido, recorreu a ré BB.

    No entanto, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão da 1ª instância, constando da parte dispositiva do acórdão o seguinte: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença na parte[1] em que decretou a dissolução do casamento por divórcio”.

    Mantendo-se inconformada, apresentou a ré recurso de revista normal para o STJ, requerendo ainda revista excepcional, para o caso de aquela não ser admissível.

    Finalizou as alegações de recurso da seguinte forma: 1. O acórdão recorrido alterou a matéria de facto com muita relevância para a decisão da causa e, porque as consequências jurídicas de tal matéria não foram apreciadas em primeira instância, carecem de ser reapreciadas neste Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de haver julgamento numa questão de especial relevância e complexidade, num único grau de jurisdição.

    1. Com efeito, o acórdão recorrido acrescentou o ponto 35) à matéria provada e que é do seguinte teor: "O autor intentou a presente ação por não querer que a ré fique com parte do prédio sito em ..... e dos seus rendimentos." 3. A primeira questão a verificar é se, com esta nova matéria, está preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 1782.º do Código Civil, no que respeita aos requisitos do que se entende por separação de facto para obter o divórcio com esse fundamento.

    2. Durante os últimos 35 anos a situação de facto entre o Autor e a Ré não se alterou e se o Autor só pretende alterá-la agora é para impedir que, por morte dele, a ré possa receber a sua quota-parte no prédio de ....., que já estava na titularidade dele quando casaram.

    3. Nos termos do n.º 1 do artigo 1782.º do Código Civil, para que haja separação de facto que fundamente o divórcio, é necessário que a vontade de um ou de ambos os cônjuges seja a de não continuar casado.

    4. Ora, com o divórcio, o autor não pretende deixar de estar casado com a ré, mas impedir que a ré compartilhe a propriedade e o rendimento do prédio de ....., por isso, não está preenchido o requisito legal para que a separação de facto seja fundamento de divórcio.

    5. Esta questão não foi apreciada em primeira instância, por isso, quanto a ela não há "dupla conforme", pelo que, se justifica a revista ordinária.

    6. Além disso, o acórdão recorrido, na sequência da alteração à matéria de facto, apreciou as "questões da fraude à lei e da caducidade do direito ao divórcio", suscitadas pela primeira vez pela recorrente nas alegações de recurso de apelação, "uma vez que são de conhecimento oficioso", concluindo que não impõem decisão diversa daquela que tinha sido proferida em primeira instância.

    7. Estas questões só foram apreciadas na Relação, pelo que a sua decisão é susceptível de revista ordinária, sob pena de limitar a um único grau de jurisdição a apreciação de tais questões, sensíveis e socialmente relevantes e, quanto a elas, também não houve "dupla conforme." 10. Ainda que assim se não entenda, pela sua relevância jurídica e social, impõe-se a admissibilidade de revista excepcional, para uma melhor aplicação do direito e salvaguarda de interesses de relevância social, quanto às seguintes questões: a) Saber se, estando os cônjuges separados de facto mais de oito anos consecutivos, antes da entrada em vigor da Lei 61/2008, o direito do cônjuge ao divórcio com esse fundamento caducou.

  2. Saber se constitui fraude à lei, um dos cônjuges pedir o divórcio para impedir que o outro cônjuge fique com parte do património, que por força do regime da comunhão geral é comum do casal.

  3. Saber se estando os cônjuges separados de facto, durante mais de 35 anos, mas em coabitação ininterrupta, intentar a acção de divórcio "por não querer que a ré fique com parte do prédio sito em ..... e dos seus rendimentos", preenche a previsão do n.º 1 do artigo 1782.º do Código Civil.

    1. Resulta do ponto 35) da matéria de facto provada que o Autor intentou a presente acção de divórcio por não querer que a Ré fique com parte do prédio sito em ..... e dos seus rendimentos.

    2. A separação de facto ocorreu, pelo menos, em 1981 (2016-35) - ponto 5) dos factos provados -, altura em que o artigo 1781, al. a) da versão então em vigor do Código Civil, já previa a separação de facto como causa de divórcio, desde que durasse seis anos consecutivos.

    3. Quando tal prazo de seis anos se completou em 1987, a versão então em vigor do artigo 1786.º do CC, previa a caducidade do direito ao divórcio no prazo de dois anos, a contar da data em que o cônjuge ofendido ou o seu representante legal teve conhecimento do facto susceptível de fundamentar o pedido.

    4. O prazo da separação de facto só se completou uma única vez, ao fim de seis anos (1987), é um facto único, indivisível e instantâneo e não um facto continuado 15. Não tendo o autor exercido o direito ao divórcio nos dois anos seguintes aos seis anos de separação de facto, o direito ao divórcio com fundamento na separação de facto caducou.

    5. Caso assim se não entenda, o mesmo direito prescreveu passados que foram vinte anos sobre os seis anos que a lei exigia para que a separação fosse fundamento de divórcio.

    6. Ainda que assim se não entenda, sempre o divórcio deve ser negado, porquanto "o autor intentou a presente acção por não querer que a ré fique com parte do prédio sito em ..... e dos seus rendimentos" (ponto 35 dos factos provados), ou seja, com o único objectivo de alterar o regime de bens do casamento e não o de obter o divórcio.

    7. Com o divórcio, o autor pretende contornar a proibição da alteração de regime de bens do casamento.

    8. O divórcio serve para pôr fim ao casamento e não para pôr fim à comunhão de bens.

    9. Em qualquer dos casos, a pretensão do autor configura fraude à lei 21. Se, ainda, assim se não considerar, com o divórcio, o autor pretende apoderar-se de um bem que é comum dos cônjuges, com o objectivo de favorecer uma filha sua em detrimento da filha de ambos os cônjuges, o que constitui abuso de direito.

    10. Caso se não conclua pela admissibilidade de revista ordinária, as questões constantes do ponto 3 destas conclusões, pela sua relevância social e jurídica, impõem revista excepcional, para melhor aplicação do direito e salvaguarda de interesses de particular relevância social.

    11. O direito a pedir o divórcio com fundamento em separações de facto ocorrida antes da revogação do artigo 1786.º pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, está sujeito a prazo de caducidade, por razões de segurança jurídica e de salvaguarda das legítimas expectativas no que concerne ao regime do casamento e da sua dissolução.

    12. Os fundamentos do divórcio e a eventual caducidade para o seu exercício têm de ser aferidos à data da sua verificação e à luz da legislação vigente nessa data.

    13. Uma vez que, no caso dos autos, se deu como provado que autor e ré estão separados de facto desde havia cerca de 35 anos, a contar da entrada em juízo da acção, isto é, desde 1981, o direito do autor pedir o divórcio há muito que caducou.

    14. Ainda que assim se não entenda, nenhum dos cônjuges pode pedir o divórcio, não para deixar de ser casado com o outro, mas apenas para, na sequência do divórcio e da alteração da lei que regula os seus efeitos, impedir que o outro fique com a meação no património comum, a que por força do regime da comunhão geral teria direito, ou dito de outra forma, apenas com o único propósito de adquirir a meação que pertence ao outro. Isso constitui fraude à lei 27. O autor só pediu o divórcio, porque tendo conhecimento da actual redacção do artigo 1790.º do CC, pretende declaradamente contornar a proibição da alteração de regime de bens do casamento e, dessa forma obter a propriedade exclusiva do prédio de ....., o que configura clara fraude à lei.

    15. As instâncias deram como provado que a separação de facto dura há 35 anos, pelo que, se o divórcio for decretado convém fixar a data de 1981 como a data à qual retroagem os efeitos patrimoniais do divórcio.

    16. O tribunal a quo fez incorrecta interpretação dos factos e da lei, tendo violado o disposto nos artigos 306.º, 309.º, 334.º, 1688.º, 1689.º, n.º 1, 1714.º e 1781.º, n.º 1 al. a), 1782.º do Código Civil, e o artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

      Pede, enfim, que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que julgue a acção de divórcio improcedente, com as legais consequências, ou se assim se não entender, que se declare que os efeitos do divórcio retroagem à data da separação de facto, fixando-se essa data no ano de 1981 (cerca de 35 anos antes da apresentação da presente acção em juízo).

      Na...

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