Acórdão nº 2925/13.4TBLLE-I.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2925/13.4TBLLE-I.E1.S1 Revista Excepcional: Tribunal recorrido – Relação ……, 2.ª Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. AA, BB, casados, como primeiros Autores, CC, como segunda Autora, e DD, como terceiro Autor, vieram, por apenso aos autos de insolvência de AA e BB, intentar acção de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente (arts. 120º e ss do CIRE), sob a forma de processo comum, contra Massa Insolvente de AA e BB, representada pela Administradora de Insolvência (AI), visando a resolução pela AI de contratos de doação de diversos bens e a manutenção do direito de propriedade da segunda e do terceiro Autores.

A Massa insolvente apresentou Contestação, alegando factos que excluíam o direito a que os Autores se arrogavam e pugnando pela improcedência da acção, declarando-se a resolução dos actos válida e eficaz.

Os Autores responderam à Contestação, reiterando a revogação da resolução das doações efectuadas e o exposto na petição inicial.

  1. Foi realizada audiência prévia em …… 2019, proferindo-se despacho saneador (fls. 141 e ss). Tramitadas as demais diligências constantes dos autos, veio a ser realizada audiência final de discussão e julgamento em ……2019 (fls. 435 e ss).

  2. Foi proferida sentença nesse mesmo dia …….2019 pelo Tribunal Judicial da Comarca ......., Juízo de Comércio…… – J0 (fls. 439 e ss), pela qual se julgou (i) “improcedente por não provada a exceção de nulidade da citação”, uma vez julgada a tempestividade da resolução em benefício da massa insolvente, e em consequência, se declarou “a improcedência da presente acção de impugnação da resolução do negócio em benefício da massa insolvente”, e se julgou (ii) “procedente a resolução do negócio em benefício da massa insolvente operada pela Administradora da Insolvência”, mantendo-se os actos de resolução efetuados pela AI.

  3. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ……. (TR…), pedindo, por via de impugnação da decisão da matéria de facto e por via da rejeição da interpretação e aplicação da lei feita pela sentença de 1.ª instância, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra decisão que “declare que os Recorrentes não foram citados” e que “declare precludido [o] direito da Administradora (…) pôr termo às doações, devido ao Tribunal a quo não ter fundamentado a douta sentença considerando-se nula e ter incorrido em erro de julgamento”.

    O TR…. proferiu acórdão em ……2019 (fls. 502 e ss), no qual julgou improcedente a apelação na impugnação da matéria de facto por “erro de julgamento”, mantendo-se tal como foi decidido pela 1.ª instância, e na questão da notificação relativa ao acto de resolução, confirmando-se a sentença recorrida, daí decorrendo a validade da resolução.

  4. Os Autores, novamente inconformados, interpuseram recurso de revista contra o acórdão do TR…, que qualificaram exclusivamente como sendo de Revista Excepcional, nos termos do art. 672º, 1, a), do CPC, visando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que “declare caducado o direito da Administradora de Insolvência e (…) válidos os negócios realizados pelos recorrentes e (…) a invalidade da citação realizada ao Recorrente AA”.

    A finalizarem as suas alegações, apresentaram as seguintes Conclusões: “

    1. O recurso que coloca em crise a decisão do Tribunal a quo incide sobre a decisão do Tribunal a quo por ter considerado que a Administradora de Insolvência teria cumprido o prazo de 6 meses para resolução dos negócios prejudiciais à massa insolvente.

    2. O aludido prazo de caducidade e encontra-se exposto no art. 123.º do CIRE e baliza a atuação da Administradora de Insolvência a dois prazos, designadamente os aludidos 6 meses após o seu conhecimento dos atos prejudiciais à massa e esta resolução nunca pode acontecer após 2 anos da declaração de insolvência.

    3. Este normativo dispõe um prazo de caducidade de 6 meses para resolução pela Administradora de Insolvência, contando-se a partir do conhecimento do ato.

    4. A Administradora apesar da revogação da sentença de …. 2016 manteve-se nomeada no processo de insolvência.

    5. A Administradora da Insolvência já tinha nesta data conhecimento de todos os atos prejudiciais à massa insolvente.

    6. Apesar da revogação da sentença, foi-lhe incumbido que diligenciasse pelo desbloqueio das contas bancárias dos recorrentes.

    7. Esta incumbência comprova que a Administradora de Insolvência manteve as suas atribuições e, que por via disso, tinha competência para praticar atos no âmbito do processo de insolvência em questão.

    8. Os recorrentes consideram que a interpretação do art. 123.º do CIRE, subjaz apenas o conhecimento da Administradora de Insolvência e no caso em apreço tem como referência a revogação dos atos de resolução notificados em …. 2016.

    9. Pelo que a Administradora teria a partir desse momento o prazo de 6 meses para providenciar à resolução dos atos prejudicais à massa insolvente, o que não o fez, j) Verifica-se ser necessária a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para que interprete a aplicação desta norma no caso sui generis, e que não se adequaà normalidadeprocessual nemencontramos uma resposta nos normativos ou mesmo na jurisprudência assente.

    10. Apenas uma decisão com este teor respeitará o princípio da interpretação exposto no art. 9.º do Código Civil, que o Venerando Tribunal a quo desconsiderou e que terá, inclusivamente, violado.

    11. Pelo que deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que declare caducado o direito de resolução dos atos em benefício da massa insolvente realizados pela Administradora e em consequência, revogue os atos de resolução realizados.

    12. Coloca-se em evidência a interpretação do art 224.º do Código Civil relativamente às teorias da receção, conhecimento e expedição que o Tribunal a quo mencionou.

    13. O Tribunal a quo considerou que a declaração é receptícia e que basta que a missiva seja enviada e que se encontre ao alcance dos recorrentes.

    14. A citação não pode ser eficaz nos termos do art. 224.º n.º 3, pois o Recorrente AA não se encontrava em Portugal, p) Incumbia à Recorrida, na qualidade de declarante, o ónus de provar que a declaração foi colocada ao alcance dos Recorrentes, o que não o fez.

    15. A interpretação do Venerando Tribunal a quo é merecedora da atenção de V. Ex.as, pois verifica-se que a eficácia da citação depende da validade da mesma, designadamente dos sujeitos notificados residirem no local citado.

    16. No caso em apreço nunca se poderia considerar como eficaz uma citação para um local em que vários Recorrentes não residem, designadamente o recorrente AA e a sua filha.

    17. Pelo que colocamos à consideração de V. Ex.as a interpretação e aplicação do art. 224.º do Código Civil ao caso sub judice, sob pena de nos colocarmos perante uma situação de injustiça processual e até mesmo social.” Não houve contra-alegações.

  5. Atenta a dupla conformidade decisória (art. 671º, 3, CPC) no segmento decisório relativo à questão da “caducidade do direito potestativo de resolução de acordo com o art. 123º do CIRE”, foi ordenada pelo aqui Relator a remessa dos autos à Formação prevista no art. 672º, 3, do CPC, para análise e verificação dos requisitos específicos de admissibilidade da revista excepcional (despacho a fls. 561 e ss).

    Em acórdão proferido em 4/5/2020 (fls. 569 e ss), a referida Formação do STJ admitiu a revista excepcional, para apreciação e tomada de posição sobre “o início do prazo do artigo 123.º, n.º 1, do CIRE, discutindo-se o alcance da expressão «conhecimento do ato»”.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    1. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Objecto do recurso Tendo sido admitida a revista excepcional à luz do art. 672º, 1, a), do CPC, o objeto recursivo é limitado exclusivamente pelo âmbito concreto dessa admissibilidade.

    Ou seja, saber a que se refere o «conhecimento do ato» referido no art. 123º, 1, do CIRE para efeitos de contagem do prazo de seis meses como prazo-limite da resolução de actos em benefício da massa insolvente pelo administrador da insolvência. E, consequentemente, decidir se ocorreu a caducidade do direito de resolução operada pela AI relativamente aos (i) contratos de doação de diversos bens, celebrados pelos insolventes em benefício dos autores, formalizados por escritura pública outorgada em …… 2012, à (ii) cessão gratuita, celebrado pela insolvente também em benefício dos autores, do quinhão hereditário da sua titularidade na herança ilíquida e indivisa do seu pai, e às (iii) transmissões gratuitas de dois automóveis, celebradas pela insolvente em benefício da autora CC, registadas em ……2014.

  6. Factualidade relevante Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos: 1.

    Por sentença datada de ……2017, foi declarada a insolvência de AA e BB, transitada em julgado, tendo sido nomeada como Administradora da Insolvência – EE.

  7. A Administradora da Insolvência pôs termos aos acordos denominados, respetivamente, “Contrato de Doação” celebrados pelos insolventes AA e BB, em ……2012, a favor dos seus filhos CC e DD.

  8. Os acordos referidos em 2. dizem respeito aos seguintes bens: - Prédio rústico, composto por terra de cultura, denominado de ………, sito em …………, freguesia de ………, concelho de ......., descrito na Conservatória de Registo Predial de ....... sob o n.º ……………, inscrito na matriz rústica sob o n.º…; - Fração autónoma designada pela letra D, correspondente à habitação no …………, com logradouro, do prédio urbano sito no “lote ………, na Rua ......... à Rua ............., na cidade e freguesia de ............, ……-.... ............, concelho de ......., descrita na Conservatória de Registo Predial de ....... sob o n.º …………… e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …; - Fração autónoma designada pela letra F, correspondente ao lugar de estacionamento designado pelo n.º.., na subcave destinada a parqueamento automóvel, do...

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