Acórdão nº 00374/20.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução18 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A.

, Cabo de Infantaria da GNR, no âmbito de Providência Cautelar apresentada contra o Ministério da Administração Interna em 15/06/2020, tendente, em síntese, à suspensão de eficácia “do despacho do Ministro da Administração Interna, datado de 12 de Maio de 2020, no qual se aplicou ao Requerente a pena disciplinar de separação de serviço”, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Aveiro em 21 de setembro de 2020, através da qual foi julgada improcedente o presente Processo Cautelar, veio em 14 de outubro de 2020 interpor recurso jurisdicional da referida decisão, no qual concluiu: “1. Salvo melhor opinião, entendemos que a sentença do Tribunal a quo padece de erro na subsunção dos factos ao direito, ao que acresce que, a interpretação das normas jurídicas apreciadas na douta sentença recorrida, se traduz numa aplicação errada do direito que prejudica, manifestamente, os direitos, liberdades e garantias fundamentais, com salvaguarda na Constituição da República Portuguesa.

  1. Além disso, considera-se que, a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, tudo nos termos em que melhor concluiremos.

  2. Pela sua relevância, designadamente na parte atinente à subsunção da matéria de facto ao direito aplicável, remete-se para os factos indiciariamente provados na douta sentença, supra transcritos na motivação.

  3. Quanto à caducidade e à nulidade do procedimento disciplinar remetemos, antes do mais, para o decidido pelo Tribunal a quo, que se encontra supra transcrito na motivação.

  4. Do artigo 92º n.ºs 1 e 2 do RDGNR resulta prazo para ultimar a instrução do processo disciplinar e a possibilidade de esse prazo ser prorrogado, designadamente nos casos de excecional complexidade.

  5. O legislador ao introduzir na lei normas com este teor e conteúdo, teve em vista regular o procedimento disciplinar e acautelar que o mesmo não pode ficar pendente ad eternum, sendo, pois, evidente que o pensamento e o espírito do legislador foi salvaguardar os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores que possam estar sujeitos à pendência de um procedimento disciplinar, já que não é possível deixar de considerar que estamos perante normas relativas ao direito sancionatório, cuja salvaguarda, como se sabe é reforçada.

  6. O instituto da caducidade, vigente no nosso ordenamento jurídico, é autónomo e independente do instituto da prescrição, sendo igualmente independentes e distintas as normas que os regulam e os seus efeitos, embora o seu efeito prático possa ser semelhante.

  7. Dito isto, quando na douta sentença se identificam e elencam as causas de extinção da responsabilidade disciplinar no sentido dar sustentação à não ocorrência da caducidade invocada, com o merecido respeito, se confundem dois institutos e os respetivos efeitos, não sendo, pois, este um argumento de que se possa lançar mão para tentar afastar a aludida caducidade.

  8. Acresce que, quando na douta sentença se identifica, também na tentativa de afastar a aludida caducidade, outras eventuais consequências do incumprimento daqueles prazos, mais uma vez, se pretende justificar a (in) operância da entidade competente para o exercício da ação disciplinar, sem que, no entanto, tal constitua argumento que invalide a argumentação do ora Recorrente e, consequentemente a ocorrência da caducidade, tal qual se verificou nestes autos.

  9. A este propósito, cumpre relembrar que o prazo foi largamente ultrapassado, sem que a entidade que promoveu a instrução do processo disciplinar tivesse, sequer, diligenciado pela adequada prorrogação do mesmo prazo, sendo que, à violação de normas equivale e tem de equivaler sempre uma consequência, que neste caso, é a caducidade.

  10. Com efeito, não se ignora o entendimento dos tribunais quando se debruçam sobre a análise da natureza do prazo, porém, por um lado não concorda com o mesmo e, por outro, no caso concreto, temos um conjunto de factos invocados no requerimento inicial que inquinam a possibilidade de se adotar e sustentar tal entendimento, designadamente as circunstâncias concretas em que se deu o desrespeito pelo prazo, o facto de o mesmo ter sido largamente ultrapassado e de se ter tentado prorrogar um prazo que se encontrava já ultrapassado com efeitos retroativos.

  11. Assim, o Tribunal a quo, contrariamente ao decidido, deveria ter considerado, pelo menos, indiciariamente que foi violado o disposto no artigo 92º n.ºs 1 e 2 do RDGNR e, assim não tendo feito, incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito ao caso sub iudice.

  12. Por outro lado, a sentença do Tribunal a quo, padece de nulidade por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua decisão, tal qual se encontra prevista no artigo 615º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, porquanto, o ora Recorrente, invocou a ocorrência de nulidade insanável, por violação do disposto no artigo 92º n.ºs 1 e 2 do RDGNR, cominada no n.º 2 do artigo 81º do mesmo diploma legal.

  13. O legislador ordinário consagrou o dever de fundamentação da decisão, que deve permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo. Em certo sentido, uma decisão vale o que valerem os seus fundamentos; a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão, mas, como diria Alberto dos Reis, mal vai à força quando se não apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer que a decisão é justa.

  14. Compulsada a sentença, a este propósito, na página 42, apenas se refere o seguinte, cita-se: «(…) Em suma não assiste razão ao Requerente que imputa a eventual violação do prazo como causa geradora da caducidade do exercício do poder disciplinar e, por maioria de razão, não constitui causa de nulidade do procedimento disciplinar, na medida em que, para lá das eventuais consequências que se possam associar, a norma não tem por fim cominar com qualquer invalidade imputável à decisão final ou ao próprio procedimento disciplinar. (…) 16. Ora, não pode senão considerar-se que a fundamentação de direito da sentença proferida não cumpre os requisitos previstos na lei, dada a alusão, por parte do Julgador, a expressões genéricas e diríamos telegráficas para fundamentar a sua decisão, incorrendo a decisão em crise em violação do disposto no art.º 607º do Código de Processo Civil, tornando-se a mesma nula, bem como violou os artigos 92º n.ºs 1 e 2 e 81º n.º 2 do RDGNR.

  15. Temos ainda que a sentença é nula por omissão de pronúncia, na medida em que, o ora Recorrente invocou duas inconstitucionalidades no requerimento inicial, para cujo teor se remete e se encontra transcrito na motivação, remetendo-se igualmente para o teor da sentença supra citado.

  16. O Tribunal a quo, não apreciou as aludidas inconstitucionalidades invocadas, na medida em que, considerou que as mesmas não estavam concretamente sustentadas por referência às razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentado.

  17. Porém, não foi assim, pois o Recorrente alegou e invocou as referidas inconstitucionalidades tendo em consideração e por referência o discurso fundamentador, quer de facto quer de direito, que em termos lógicos e de raciocínio, antes de individualizar cada uma delas amplamente identificou, e precisamente por isso, quanto à primeira, e após a exposição dos factos e do direito subjacente, a sua alegação refere «Face ao que vem de dizer-se, (…)» e quanto à segunda, depois da exposição do direito subjacente aos factos antes alegados, iniciou referindo «Nesse sentido, (…).» 20. Tanto no primeiro como no segundo caso, foram alegadas razões de facto e de direito em termos suficientes e lógicos, para concluir-se invocando as respectivas inconstitucionalidades.

  18. Acresce que, quando o Tribunal a quo faz referência a que o ora Recorrente, genericamente e de uma só assentada diz que é inconstitucional o disposto no artigo 92.º n.ºs 1 e 2, em conjugação com o artigo 81.º n.º 2, do RDGNR, funde as duas inconstitucionalidades invocadas numa só, sem analisar ou apreciar em concreto cada uma delas de forma individualizada e por referência ao sentido invocado também em cada uma delas.

  19. Nesta parte, a decisão violou o disposto no art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil, tornando-se a mesma nula, bem como violou o previsto no artigo 92º n.ºs 1 e 2 e 81º n.º 2, ambos do RDGNR, nos artigos 3º, 7º e 8º do CPA e ainda nos artigos 20.º n.ºs 4 e 5, 18.º n.º 2 e 12.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, incorrendo do mesmo modo em violação dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva em prazo razoável, da legalidade, da justiça e da razoabilidade, da proporcionalidade e universalidade, e da confiança e segurança jurídicas.

  20. Por sua vez, na parte relativa à factualidade provada e à natureza da infração o Recorrente invocou que, fazendo-se a análise do relatório final do processo disciplinar, o núcleo de factos considerados como provados se reconduziam aos da acusação, mas que, em face da defesa apresentada teriam de ser considerados outros como provados, sempre por referência à prova testemunhal e documental produzida.

  21. Trata-se, desde logo, dos factos invocados relativos ao seu percurso profissional, à sua conduta anterior e posterior aos factos, ou seja, às circunstâncias que militam a favor ou contra o arguido, tal como resulta até do artigo 102º n.º 1, alínea b) do RDGNR, norma essa a que o tribunal atendeu exclusivamente para a análise da questão aqui em crise.

  22. Sem prejuízo de se entender serem aplicáveis as regras relativas ao processo penal, certo é que, ainda que se considerasse que as mesmas seriam de afastar, o que não se concede, a douta sentença padece sempre de erro na interpretação e aplicação do direito, quando afirma que o relatório final cumpre exemplarmente os requisitos previstos no artigo 102.º n.º 1...

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