Acórdão nº 00237/20.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*1. RELATÓRIO A Recorrente, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a reclamação interposta por S., S.A., melhor identificada nos autos, nos termos do art.º 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do ato do órgão da execução fiscal, que a removeu do cargo de fiel depositário, no processo de execução fiscal n. º 3050201801116541 e apensos para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 2014 e 2016.

O presente recurso foi interposto para o STA, o qual por acórdão de 28.10.2020 considerou incompetente em razão da hierarquia e competente este TCAN.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as conclusões que se reproduzem: “(…) 1 - A presente reclamação dos actos do órgão de Execução Fiscal foi apresentada do acto proferido despacho de 29/01/2020, proferido pelo Director de Finanças de Coimbra que ordenou a remoção da reclamante do cargo de fiel depositária do veículo matrícula XX-XX-XX, penhorado no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 3050201801116541 e apensos, contra si instaurados.

2- A Mma. Juíza do Tribunal a quo, considerou improcedente a excepção peremptória de ilegitimidade da reclamante, invocada por esta Representação da Fazenda Pública, que consiste na inexistência de prejuízo na esfera da executada, causado pela sua remoção do cargo de fiel depositária do veículo penhorado, na esteira de jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.

3- Com efeito decidiu a Mma Juíza, quanto à questão da legitimidade da reclamante em discordância com essa jurisprudência, conforme reproduzido no ponto 3.º das presentes alegações, que existe um interesse específico do executado na guarda e conservação do bem penhorado decorrente do próprio conteúdo funcional do cargo de fiel depositário que vai para além das obrigações legais que impendem ao executado que tenha sido nomeado como mero fiel depositário: em primeiro lugar, porque o executado é proprietário do bem e, portanto, o cuidado naquela guarda e conservação será sempre acrescido face a um normal depositário; em segundo lugar, porque o proprietário do bem detém normalmente a sua posse e o direito de posse fica desde logo comprometido se o bem ficar na posse (precária) outrem, nomeado depositário; e, em último lugar, porque só o executado (e o exequente, mas nunca o depositário), tem o interesse em que o bem seja vendido pelo maior valor possível, pois só assim verá a divida tributária ser reduzida ou completamente paga, e tal valor depende, e muito, do estado em que o bem se encontrar no momento da venda.

Pelo que a partir do momento em que tenha sido nomeado fiel depositário de um seu veículo automóvel, penhorado no âmbito de um processo de execução fiscal, sendo posteriormente destituído de tal cargo, terá sempre legitimidade para reclamar de tal decisão do órgão de execução fiscal, pois tal remoção poderá lesar o seu direito de posse, bem como o interesse legítimo na guarda e conservação do bem, com repercussão na sua valorização.

4- Com todo o respeito pelo entendimento plasmado da douta sentença e reconhecendo a profunda análise levada a cabo, não pode, no entanto, esta Representação da Fazenda conformar-se com ela, por entender existir erro de direito, na subsunção da situação concreta à norma do art.º 276.º do CPPT, quando esta dispõe que as "decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância" (sublinhado nosso).

5- Pois, no nosso entendimento, o segundo requisito, exigido pela norma, para que o meio processual aí consagrado possa ser utilizado, que as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal (e outras autoridades da administração tributária) afectem os direitos e interesses legítimos do executado (ou de terceiro), não se verifica na situação concreta.

6- Com efeito, reitera-se o entendimento defendido em sede da contestação apresentada nos autos, que inexistem direitos e interesses legítimos do executado que seja colocados em causa, não lhe causando a remoção do cargo de fiel depositário qualquer prejuízo, nomeadamente um interesse específico do executado na guarda e conservação do bem penhorado decorrente do próprio conteúdo funcional do cargo de fiel depositário, como doutamente foi entendido na sentença recorrida.

7- Tal como foi decidido em jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, nomeadamente o acórdão do STA, de 14/08/2013, proferido no processo n.º 01279/13, cuja fundamentação subscrevemos na íntegra: “Apesar de, como já referimos, a escolha do fiel depositário pelo funcionário poder recair sobre o executado, este não tem direito a ser nomeado quando o bem penhorado seja um veículo automóvel (Tanto quanto nos recordamos, o direito de escolha do depositário só não existe nos casos previstos no art. 839.º, n.º 1, do CPC. Consequentemente, a sua remoção do cargo também não afecta qualquer direito que lhe advenha da sua qualidade de executado.

É certo que o Recorrente argumenta com o seu «interesse na preservação do automóvel», uma vez que entende que este seria «mais bem conservado nas suas mãos do que nas de um qualquer estranho». Mas essa argumentação não procede.

Desde logo, a lei entendeu não tutelar esse “interesse”; caso contrário, teria estabelecido uma preferência pela nomeação do executado como fiel depositário do veículo que lhe seja penhorado, solução que não foi a adoptada.

Depois, porque o alegado interesse do Executado só estaria melhor assegurado pela sua nomeação como fiel depositário se estivesse demonstrado que reúne condições para o exercício do cargo e que o fiel depositário que o substituiu no exercício do cargo não as reúne, demonstração que nem sequer foi ensaiada.

Finalmente, o interesse do executado na guarda e conservação do bem penhorado está garantido pelo conteúdo funcional do cargo de fiel depositário, do qual destacamos o dever de guarda (cfr. art. 1187.º do Código Civil), e pela responsabilidade que a lei lhe assaca pelo incumprimento dos seus deveres. Note-se que se o fiel depositário incumprir com os seus deveres, designadamente os de guarda ou conservação, não só ele, como também o Estado, podem ser responsabilizados. Na verdade, o Estado pode ser responsabilizado pelos actos do depositário, que deve ser considerado como um seu agente ad hoc (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 7 ao art. 233.º, págs. 645/646.), como decidiu já este Supremo Tribunal Administrativo (Vide o acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 491/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Maio de 2008 (…)”..

8- Pelo que se verifica, na situação concreta, a excepção peremptória da ilegitimidade da reclamante, conducente à absolvição do pedido da Representação da Fazenda Pública e impeditiva do conhecimento, pelo Tribunal, dos restantes fundamentos da Reclamação.

Nestes termos e nos melhores de direito e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a douta sentença ser revogada e proferido douto acórdão que conclua pela existência da excepção peremptória da ilegitimidade da reclamante, absolvendo a Representação da Fazenda Pública do pedido, assim se fazendo, JUSTIÇA (…)” A Recorrida contra alegou tendo...

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