Acórdão nº 451/18.4T8BRR- G.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.–RELATÓRIO: Ação Insolvência.

Insolventes/apelantes AS e MM.

Credor/requerente/apelado O credor CS, CRL.

Pedido Em 03/06/2020 a credora CS, CRL, na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão proferida em 13-09-2019 pelo tribunal de primeira instância – que julgou improcedente o pedido de diferimento da desocupação do imóvel apreendido formulado pelos insolventes –, veio requerer seja determinada a entrega efetiva do imóvel que adquiriu, livre de pessoas e bens.

Oposição Os insolventes opuseram-se ao requerido, invocando, por um lado, não estar esgotado o prazo concedido na decisão para entrega do imóvel e, por outro, ter aplicação no caso o disposto no art. 6.º-A, n.º 6, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio.

Administrador da insolvência O administrador da insolvência opôs-se à pretensão dos insolventes, defendendo a inaplicabilidade do regime excecional ao caso dos autos, em virtude de aqueles ocuparem ilegalmente o imóvel.

Decisão Em 25-06-2020 foi proferida decisão que concluiu como segue: “Face ao exposto, por se mostrar esgotado o prazo estabelecido na decisão de 13/09/2019 e por se entender inaplicável ao caso em apreço o regime excepcional e transitório previsto no art. 6.º-A, n.º 6, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, determina-se a entrega imediata do imóvel ao sr. administrador da insolvência, livre e devoluto de pessoas e bens, com recurso à força pública, se necessário, sem prejuízo de procedimento criminal.

Notifique”.

Recurso Não se conformando os insolventes apelaram, formulando as seguintes conclusões: “(21) De todo o exposto, CONCLUI-SE ser insofismável a violação aos seguintes dispositivos legais: a)- Art. 1º da Constituição de República Portuguesa; b)- Art. 64º da Constituição de República Portuguesa; c)- Art. 13º Constituição de República Portuguesa; d)-Art. 6º-A da Lei 16/2020; e)- Art.7º, no 5 da Lei 1-A/2020; f)- Art. 647, nº 4 do Códex Processual Civil; (22) Nestes termos e nos mais de direito que esta Egrégia Corte Revisora suprirá, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e fundamentado, e em consequência: a.- Seja Deferido e Atribuído ao Recurso o EFEITO SUSPENSIVO; b.- Que face ao art. 269° do CPC, ex-vi art. 17° CIRE requer-se que seja decretada a suspensão deste Processo face à letra da Lei, nomeadamente o art. 6°-A da Lei 16/2020 e art.7°, no 5 da Lei 1-A/2020.

c.- Neste contexto solicita-se que o Processo seja declarado suspenso nos termos do art. 272, n°1 do CPC, ex-vi art. 17° CIRE, sob a égide no art. 7°, n° 5, da Lei 1 -A/2020.

Pede e Espera Deferimento”.

O credor aludido apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões: “A)- Só estamos perante uma decisão-surpresa, quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito.

B)- Os aqui Insolventes, sabiam ou não podiam deixar de saber que, declarada a sua insolvência em 15.02.2018, teriam que diligenciar pela obtenção de outra habitação.

C)- No entanto, demonstraram sempre uma atitude de passividade extrema, quer junto do Sr. Administrador da Insolvência, quer junto do adquirente do imóvel, atitude que infelizmente mantêm.

D)- Posto isto, não estarmos perante uma desocupação a que se possa atribuir um efeito surpresa, donde a mesma não atentar in concreto contra a dignidade da pessoa humana, nem contra a protecção da saúde e da vida, ao invés do que os Insolventes pretendem fazer crer.

E)- Em bom rigor a adjudicação do imóvel ao credor reclamante com garantia real, ocorreu há mais de um ano, pelo que, os Insolventes já tiveram um prazo bastante razoável para encontrar outra habitação.

F)- Concluindo-se que é inviável protelar no tempo a entrega do imóvel.

G)- Agindo assim com manifesta má-fé, atendendo a que repetem pretensão completamente infundada, socorrendo-se de argumentos totalmente desprovidos de razoabilidade e já apresentados tanto na 1ª instância, como na Relação, sem sucesso.

H)- Sendo que, também não provaram os Insolventes carência de meios para obter nova habitação, pois contam com o apoio dos filhos, ambos maiores e demais familiares, podendo assim minorar os constrangimentos inerentes à situação em apreço.

I)- Nem provaram ser portadores de incapacidade permanente superior a 60 %, dado que lhe foi atribuída em 2014, incapacidade permanente global de 60%.

J)- Questões apreciadas pelo Tribunal Relação de Lisboa em Acórdão datado de 28.04.2020, com trânsito em julgado aos 19.05.2020, decidindo que não se verificaram qualquer das situações a que alude o art. 864.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

K)- Por outro lado, tendo ocultado património, viram já cessado antecipadamente o procedimento de exoneração do passivo restante.

L)- E depois de desocupado o imóvel pelo Sr. Administrador da Insolvência com recurso à força policial e após mudança de fechaduras, voltaram a ocupá-lo.

M)- Em nosso entender a douta Decisão não merece qualquer reparo, não violou pois quaisquer Princípios Constitucionais.

N)- Na verdade, a norma em análise tenciona, enquanto perdurar a actual conjuntura pandémica, acautelar as situações em que ocorre incumprimento do mutuário no pagamento de um crédito (crédito à habitação), para o qual aquele tenha constituído como garantia, hipoteca sobre um imóvel que para além de ser sua propriedade, é o seu local de residência habitual.

O)- Circunstâncias excepcionais exigem medidas excepcionais, e deste preceito, resulta a intenção de proteger as famílias que contraíram um crédito à habitação para adquirir o seu domicílio permanente, por forma a não ficarem sujeitas a não ter onde residir no meio de uma pandemia, ou à dificuldade de, por exemplo, arrendar um imóvel nestas circunstâncias inauditas.

P)- In concreto, os Insolventes já não são proprietários do imóvel há bastante tempo, cuja entrega se requer há mais de um ano.

Q)- Data muito anterior ao início da actual situação de pandemia.

R)- Pelo que, defendemos a inaplicabilidade do regime excepcional ao caso dos autos, em virtude de os Insolventes ocuparem ilegalmente o imóvel.

S)- Enfim, a decisão do Tribunal “a quo” que determinou a entrega imediata do imóvel, é uma decisão ponderada e repleta de bom senso, atendendo ao supra exposto e a que a declaração de insolvência remonta a 2018.

T)- Na verdade, os Insolventes vêm fazendo uso manifestamente abusivo do processo, alegando factos que sabem não poderem proceder, com o intuito manifesto de entorpecer a JUSTIÇA.

U)- E a instância do processo de insolvência não é passível de suspensão - artigo 8º do CIRE.

V)- Pelo que, deverá proceder-se à desocupação do imóvel, sendo este entregue ao seu proprietário, através do Sr. Administrador da Insolvência livre e devoluto de pessoas e bens, sob pena de recurso à força pública, como determina o douto Despacho.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER MANTIDA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, FAZENDO-SE A COSTUMADA JUSTIÇA” Cumpre apreciar.

II.–FUNDAMENTOS DE FACTO O tribunal de primeira instância deu por provada a seguinte factualidade: AS e MM foram declarados insolventes por sentença de 15/02/2018, transitada em julgado; Em 21/05/2018, o sr. administrador...

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