Acórdão nº 109/17.1T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LAN
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.

Relatório J… e M… propuseram a presente acção contra Jo… e Ma…, pedindo que o testamento outorgado por Jos…, pai dos AA., em benefício dos Réus, seja anulado, em virtude de o testador padecer, no momento em que foi outorgado, de demência.

Alegaram, para tanto, em suma que: - São irmãos e ambos filhos de Jos… e de Mar….

- No dia 8 de setembro de 2016 faleceu Jos…, no estado de divorciado da mãe dos AA, Mar…; - Tendo os seus filhos, no dia 20 de outubro de 2016, procedido a escritura de habilitação de herdeiros, pela qual se consideravam os únicos herdeiros de seu pai.

- Alguns dias após a outorga da referida escritura de habilitação de herdeiros, foi-lhes comunicado pela Ré Ma…, com quem o pai dos AA tinha uma relação amorosa, que este lhe deixara a si e a um sobrinho da sua ex-mulher, o Réu Jo…, a cada um, um sexto indiviso do prédio rústico sito na União de Freguesias de Beja (Salvador e Santa Maria da Feira), inscrito na matriz predial sob o artigo ….

- Tal facto deixou os AA completamente estupefactos, atento o estado de saúde física e mental do seu pai, anterior ao seu falecimento, uma vez que, acometido de grave doença oncológica e padecendo de demência, o falecido não poderia em vida, de sua livre e espontânea vontade, ter feito tal testamento.

Com efeito, - No dia 5 de agosto de 2016, o pai dos AA., deslocou-se ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE– Hospital de Santa Marta, a fim de ser submetido a um exame médico, - Sem que tal estivesse previsto, aí ficou internado, por não se encontrar em condições de saúde para ser submetido ao dito exame.

- Teve alta no dia 11 de agosto de 2016, pois ali foi-lhe diagnosticada lesão neoplásica pulmonar, com atingimento de praticamente de todos os lobos pulmonares e eventual antigo carcinoma brônquio-alveolar, tendo saído medicado com morfina e administração de oxigénio 24 sobre 24 horas; - No dia 12 de agosto de 2016, já em casa, foi acometido de febres muito elevadas.

- No dia 13 de agosto de 2016 tornou a dar entrada no Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, confuso e sem conhecer o que se passava à sua volta; - Entre outras situações clínicas que o consideravam doente em estado terminal, foi-lhe diagnosticada síndrome demencial (doença irreversível, cujos sintomas manteve até ao momento da morte); - Sempre a ser-lhe administrado oxigénio e morfina, saiu do referido estabelecimento hospitalar no dia 14 de agosto de 2016; - Mas tornou ao mesmo hospital de Beja no dia 18 de agosto de 2016, com relatório agravado, com necessidade permanente de administração de oxigénio, sem conhecer ninguém, nem a filha nem as pessoas amigas que ali o visitavam; - Donde veio a sair no dia 20 de agosto de 2016, por mais nada, medicamente, haver a fazer; - No dia 23 de agosto de 2016 o pai dos AA outorgou o testamento e na madrugada do dia seguinte, por volta das 5 horas da manhã, tornou ao Hospital Distrital de Beja, hipotenso, com dispneia severa e taquicardia, tendo saído no dia 1 de setembro de 2016; - Tornaria ao Hospital Distrital de Beja no dia 7 de setembro de 2016 e aí veio a falecer no dia seguinte, 8 de setembro.

- Em todas as deslocações de e para os estabelecimentos hospitalares, o pai dos AA utilizou sempre os serviços de ambulância e nunca recuperou do estado demencial diagnosticado em 14 de agosto de 2016, mas que desde há muito se vinha verificando.

- Nunca mais, pelo menos desde o dia 14 de agosto de 2016 e até ao momento da sua morte, o pai dos AA soube quem era, onde estava, quem eram os seus familiares e amigos, qual era o seu estado de saúde nem o que se passava em seu redor.

- O testamento é um acto público em que o testador tem forçosamente de gozar, no momento em que revela a sua vontade, de um mínimo de capacidade anímica para querer e entender o que afirma ser a sua vontade, - O que não poderia ter acontecido no caso do pai dos AA, que padecia de demência e se encontrava em estado terminal e apenas algumas horas depois de ter outorgado o testamento, no dia 23 de agosto de 2016, voltou a dar entrada no Hospital Distrital de Beja, com febres altas, incapacidade respiratória e demência.

Os RR. contestaram, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.

Foi realizada tentativa de conciliação, não tendo as partes alcançado a solução consensual do litígio.

Proferido despacho de aperfeiçoamento quanto ao “enquadramento jurídico da pretensão” formulada pelos AA. já que não fora “invocada qualquer norma jurídica, bem como não foi devidamente identificado o regime jurídico ao qual entende que se subsume a factualidade alegada e porquê”, foi apresentada petição inicial aperfeiçoada.

Dispensada a realização de audiência prévia, foram proferidos despachos saneador, de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, e de admissão dos requerimentos probatórios.

Realizada audiência final foi proferida sentença, que julgando a acção procedente, decidiu “Declarar anulado o testamento outorgado, no dia 23 de Agosto de 2016, por Jos…, numa casa sita na …, em Beja, perante o notário Joaquim Manuel Vital Ruivo, com cartório na Rua 5 de Outubro, número 22, rés-do chão, em Beja, e que aí se acha exarado de fls. 21 a 22, do livro de Testamentos n.º 2-T.”..

Os RR., não se conformando com a sentença prolatada, dela interpuseram recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “A- Os Recorrentes vêm recorrer da douta sentença, nos termos da qual julgou a acção totalmente procedente e em consequência declarou anulado o testamento outorgado no dia 23 de Agosto de 2016, por Jos…, perante o notário Joaquim Manuel Vital Ruivo, com cartório na Rua 5 de Outubro, número 22, rés-do-chão, em Beja, e que aí se acha exarado a fls. 21 a 22, do livro de Testamentos nº 2-T.

B- O presente recurso incide sobra a matéria de facto e de direito.

C- No que respeita á matéria de facto, incide na parte em que deu como provados os factos que constam dos Artigos 10 e 12.

D- E omitiu factos essências à matéria de facto, cujo aditamento se mostra essencial; E- Na sentença recorrida, considerou o tribunal a quo, ter ficado provado, entre outros os seguintes factos, que são objecto de disputa neste recurso: …/… 10 - No dia 13 de Agosto de 2016 voltou de novo ao Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, confuso e sem conhecer o que se passava à sua volta.

11 - Foi-lhe administrado oxigénio e morfina, tendo saído do referido estabelecimento hospitalar no dia 14 de Agosto de 2016.

12 Voltou ao mesmo hospitalar de Beja no dia 18 de Agosto de 2016, com necessidade permanente de administração de oxigénio, sem conhecer a filha, o neto e algumas pessoas amigas que ali o visitavam.

…/… F- Os Recorrentes consideram terem sido incorrectamente julgados provados tais factos.

G- No que reporta à fundamentação destes pontos concretos da matéria de facto, a mesma resultou do seguinte: …/… O Tribunal valorou o depoimento da testemunha dos AA, Mari…, amiga da Autora.

Esclareceu que visitou o pai dos Autores no hospital de Beja, onde a sua mãe também se encontrava internada, ressaltando o seu aspecto físico normal, porém não conseguiu reconhecer a própria e os seus irmãos, nem interagir na conversação. … A testemunha dos Autores, C…, sua prima, residente em Lisboa, que … O pai da testemunha foi visitar o pai da Autora a esse hospital tendo-lhe transmitido que o encontrou com muito boa aparência física, mas um pouco confuso.

A testemunha associou esse estado á sedação para o exame médico, mas viria a saber que não tinha sido sedado porque já se sabia o diagnóstico de neoplasia do pulmão em grau muito avançado.

Aludiu à visita que fez ao pai dos Autores, no fim-de-semana seguinte, no hospital de Beja, onde se deslocou acompanhada da Autora. O pai dos Autores tratou-a pelo nome da mãe, Elsa. Mas referiu que o pai dos Aurores não tinha aparência de um doente oncológico.

O Tribunal valorou o depoimento de N…, marido da Autora.

…/… Na fase da doença, a Autora prestou ao pai o apoio necessário, falando com os médios assistentes e visitando-o no hospital e em casa, sendo que apesar da vontade da Autora de o acolher em sua casa, não houve acordo com a companheira do pai nesse sentido.

O pai da Autora começou a manifestar estado de confusão mental porquanto não conhecia as pessoas, nomeadamente a testemunha, a filha ou o neto.

Esse estado de confusão agravou-se após o regresso do hospital, em Lisboa no dia 11 de Agosto. Apesar do bom aspecto físico, de dia para dia, notava-se ama quebra no seu estado de consciência.

I-Explicite-se que só através de um exame pericial seria possível avaliar de forma liminar a capacidade ou não do pai dos Autores para outorgar o testamento.

J- Os depoimentos acima identificados revelaram-se parcialmente vagos para corroborar e compreender de forma clara e transparente o estado de sanidade mental do pai dos Autores.

K- Reconduzindo aos depoimento daquelas testemunhas importa destacar que uma delas – Mari…o - é amiga da Autora e as outras duas são respectivamente prima e marido da Autora., cujos depoimentos não podem ser genuínos e sinceros.

L- E o facto dessas testemunhas se terem deslocado ao hospital de forma esporádica não resulta uma avaliação objectiva e clara do estado de saúde do testador.

M- De resto tais testemunhas são contraditadas face às declarações de parte do Réu Jo…, prestadas na sessão de julgamento do dia 17 de Outubro de 2019, gravadas no ficheiro 20191017095956_977610_2870366, com início pelas 15:25:56 e termo pelas 15:55:14.

N- É um depoimento claro e objectivo e deverá ser ouvido na íntegra a partir do minuto 09,00. O declarante é beneficiário do testamento e agente da PSP, declarou em suma que acompanhou o tio até ao último dia e sempre esteve lúcido e clarividente em relação aos seus actos.

O- Muito importante foi o depoimento do Notário Dr. Joaquim Manuel Vital Ruivo, depoimento prestado no mesmo dia, com inicio pelas 11:16:35 e termo pelas 11:27:44...

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