Acórdão nº 75/18.6T9ALR de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo de Competência Genérica de Almeirim - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual o assistente (...) deduziu acusação particular contra: (...), imputando-lhe a prática, na forma continuada, de um crime de difamação p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, 180.º, n.º 1, do Código Penal.

O Ministério Público acompanhou a acusação particular.

O assistente deduziu também pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a sua condenação no pagamento, no montante global de € 750, 00, a título de reparação dos danos não patrimoniais que lhe foram causados.

* A final - por sentença lavrada a 03 de Fevereiro de 2020 - veio o Tribunal recorrido a decidir: - Julgar procedente a acusação e, em consequência, decidiu condenar o arguido (...) pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 5, 50; - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, e condenar o arguido (...) a pagar ao assistente, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 500, 00, acrescido de juros contados desde o trânsito em julgado da presente decisão e até integral pagamento; - Condenar o arguido no mais que é de lei.

* O arguido, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1. O arguido não apelidou o assistente de embuste apenas disse nas suas declarações (prestadas no dia 5-12-2019), o seguinte: Ficheiro: 20191205145855_2847046_2871741 Tempo: 10.01(min.s)-10.04(min.s) Arguido “… quando eu digo que foi um embuste que eu sofri …” Ficheiro: 20191205145855_2847046_2871741 Tempo: 10.05(min.s)-10.09(min.s) Arguido “… disse que me fizeram um embuste …” 2. Por outro lado, documento de fls. 37 onde é utilizada a palavra embuste, dispõe literalmente o seguinte: “… agradecia que informasse a sua advogada, que quando me quiser dirigir correspondência o faça com um envelope devidamente identificado, tipo comercial, como usam todos os advogados, como todos fazem. Não é como fez, agindo a meu ver de má fé, à “socapa”, utilizando um envelope de cartão de boas festas. Não sei com que tipo de pessoas lidam no vosso dia a dia, mas eu recebo toda a correspondência, e além disso, apesar do “embuste”, há uma coisa chamada internet: quando levantei a correspondência já sabia quem a enviara…” 3. Por contrariar os meios de prova, sem qualquer justificação lógica, deverá o facto 4 dos factos provados, na medida em que considera que o arguido apelidou o assistente de embuste, passar, a constar como facto não provado.

  1. O facto 5 foi considerado provado, segundo a motivação da decisão de facto, por: “… por referência ao texto de fls. 8, apesar de não confessado pelo arguido, o Tribunal não teve dúvidas em considerar que o mesmo se referia à pessoa do assistente, por ser sequencial ao texto de fls. 7” 5. O texto de fls. 7 foi publicado a 14/09 às 22:01 h enquanto o texto de fls. 8 foi publicado a 19/9 às 11:30 h, são 5 dias de diferença entre ambas as publicações e a segunda publicação não identifica o visado.

  2. Como refere o ora recorrente nas suas declarações (prestadas no dia 5/12/2019), o documento de fls. 8 diz respeito a uma republicação de outra página do Facebook e não foi dirigida ao Assistente: Ficheiro: 20191205145855_2847046_2871741 Tempo: 4.00(min.s)-4.15(min.s) Arguido “… foi uma republicação da página dos Anonimous que eu fiz na minha página pessoal, não tem nada a ver com ele …” 7. Por contrariar os meios de prova, sem justificação lógica e contra as regras da experiência comum, deverá também o facto 5 dos factos provados, passar, a constar como facto não provado.

  3. A sentença recorrida merece reparo e padece de erro notório na apreciação da prova conforme disposto no artigo 410.º, n.º 2 alínea c) do CPP.

  4. O direito de queixa foi exercido em 9 de março de 2018.

  5. O Assistente desde junho de 2017 tinha conhecimento dos factos provados 1, 2 e 3.

  6. Desde o conhecimento destes factos ao exercício do direito de queixa decorreram mais de 6 meses.

  7. O direito de queixa havia-se extinguido aquando do seu exercício relativamente aos factos 1, 2 e 3 dados como provados.

  8. O tribunal ao considerar provados os referidos factos 1, 2 e 3 violou o artigo 115.º do CP.

  9. A douta sentença em recurso está, por isso, enfermada de nulidade insanável vícios previstos nos artigos 48.º, 49.º e 50.º do Código de Processo Penal e artigos 115.º do CP.

  10. O artigo 115.º do CP, impõe que a averiguação dos requisitos necessários ao exercício do direito de queixa tem de reportar-se ao momento da sua apresentação, sendo este um prazo de caducidade para o efeito do respetivo cálculo, subordinado à regra de contagem do artigo 279.º do Código Civil.

  11. Por conseguinte é apreciado oficiosamente pelo juiz ou pelo Ministério Público, em qualquer fase do processo, devendo ser declarado extinto tal direito e, por conseguinte, deve ser declarado caducado o elemento essencial de procedibilidade da queixa.

  12. A falta do elemento essencial de procedibilidade da queixa implica a nulidade do processo (Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, página 34). Nulidade esta insanável e consequentemente invocável por qualquer interessado e do conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final - cfr. artigo 119.º alínea b) do Código de Processo Penal.

  13. Não tendo sido apresentada queixa pelo crime tempestivamente, (artigo 115.º do CP) não podia o tribunal conhecer da sua existência.

  14. Pelo que, nesta parte deverá, pois, declarar-se a sentença nula e de nenhum efeito por violação dos artigos 115.º do Código Penal, 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e ainda artigos 48.º, 49.º, 50.º e alínea b) do artigo119.º do Código Processo Penal.

    Em suma, não ficou cabalmente provado nos presentes autos, que os factos 1, 2 e 3 de que vem acusado o recorrente hajam sido denunciados atempadamente, que o facto 4 tenha, no contexto em que foi redigido, conteúdo difamatório e que o facto 5 fosse dirigido ao Assistente.

    Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, tudo com as legais consequências.

    * O Digno Procurador respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, sem conclusões.

    * De igual forma respondeu o assistente, assim concluindo: 1ª A invocada nulidade e erro, no nosso entendimento, não devem proceder, mantendo-se a decisão recorrida, porquanto, contrariamente ao sustentado pelo Arguido, aqui Recorrente, da leitura da douta sentença recorrida ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, não existindo a mais pequena obscuridade ou contradição, daí que o texto da decisão se mostre integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado, sendo que o mesmo não enferma de qualquer vício, nomeadamente, dos previstos no nº 2 do artigo 410º do CPP.

    2ª A sentença recorrida fundamentou devidamente os factos que deu como assentes, nada resultando que tenha apreciado a prova produzida em julgamento de forma discriminatória e subjetiva., sendo que da leitura da sentença recorrida constata-se que no exame crítico levado a efeito se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova e que esta foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.

    3ª Acresce que segundo dispõe o nº4 do artigo 339º do mesmo Código, a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa, e os que resultarem da prova produzida em audiência, pelo que, e no que a este particular concerne, pensamos que a matéria factual em apreço nos autos foi devidamente ponderada e avaliada, de acordo com os elementos constantes dos autos e certamente de harmonia com a prova produzida em audiência, pelo que não nos merece reparo.

    4ª A sentença recorrida de forma alguma pode ser tida como uma decisão arbitrária e contrária às regras da experiência, sendo que a prova, quanto a nós, foi corretamente apreciada e não ocorreu qualquer erro de julgamento, ccarecendo, assim de razão, o Recorrente, nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta motivação.

    5ª A decisão recorrida fez uma criteriosa apreciação e valoração da matéria de facto e uma judiciosa aplicação do direito e encontra-se mais do que suficientemente fundamentada, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 374º do CPP, mormente, fez correta aplicação dos normativos dimanados do Código Penal, que não resultaram violados, a par dos princípios fundamentais da livre apreciação da prova, do in dubio pro reo, da presunção da inocência e da descoberta da verdade material.

    6ª Perante todo o exposto, cremos não ter havido erro na apreciação da prova, ou sequer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ao contrário do sustentado pelo recorrente, defluindo do acabado de expressar não assistir razão ao Recorrente na parte de impugnação da matéria de facto, tal como vem desenhada na sua motivação.

    7ª Cremos que os erros apontados pelo Recorrente à sábia decisão, ora em crise, mais não são do que a expressão de uma discordância, que se reconduz afinal a uma divergência quanto à matéria dada como provada, entendendo que outro deveria ter sido o entendimento do Tribunal a quo, em face, quer dos depoimentos produzidos, quer de todo o acervo documental junto aos autos.

    8ª Das alegações de recurso interposto pelo Arguido resulta, salvo melhor opinião, que pretenda fundamentar a estratégia jurídica de tentar demonstrar que os factos dados como provados 4 e 5 posteriores a Ago/2017 da douta Sentença, o teriam sido incorretamente, a fim de se possibilitar arguir a intempestividade do Direito de Queixa do...

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