Acórdão nº 446/09.9TMFAR-A.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I- Relatório.

Nos presentes autos de inventário para partilha dos bens comuns subsequente ao divórcio de J… e M…, estes requereram a anulação da venda judicial por meio de negociação particular, realizada nos autos em 16.10.2019, por omissão das formalidades legais, designadamente falta de comunicação da proposta e da data e local da venda.

Por despacho proferido em 17 de junho de 2020 foi indeferido o pedido de anulação da venda judicial.

Deste despacho veio a interessada M… interpor o presente recurso, formulando, com relevância, as seguintes conclusões: 1. Como reconhece o próprio tribunal, à venda no âmbito do processo de inventário são aplicáveis as disposições previstas para execução, sem prejuízo dos princípios gerais do direito e das regras previstas para o processo declarativo com as devidas adaptações. Ou seja, compete ao EV respeitar tais normas e por via delas, notificar as partes de todos os atos praticados e a praticar, em especial os obrigatórios por lei.

2. Acontece que, o EV, como o próprio aceita e o tribunal a quo assume, nunca notificou as partes da manutenção desta proposta, nem nunca notificou as partes da adjudicação/aceitação da mesma, e muito menos da data e local da realização da escritura, prejudicando não só exercício do contraditório e eventuais reclamações por eventuais irregularidades, como também, vedou às partes a possibilidade de transigirem até à venda de forma a por termo ao processo como é sua pretensão. Atropelando, assim, todas as regras que lhe estavam impostas pelas normas aplicáveis à venda executiva e pelo respeito do princípio do contraditório.

3. Com efeito, atento ao disposto no artigo 3º n.º 3 do C.P.C, 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

4. Assim, o incumprimento pelo tribunal do disposto no art.º 3.º n.º 3 e 4 do C.P.C é suscetível de integrar a prática da nulidade processual prevista no art.º 195.º n.º 1 do mesmo diploma legal, pois foi omitido um ato que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidades partes de exercer o contraditório, sendo que a intensidade desta violação é tal, uma vez que se trata de um princípio estruturante do direito processual civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada.

Omissão essa que é suscetível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que demonstra uma gritante violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, expressamente consagrados nos arts. 3º, nº 3 e 4º do C.P.C. e também no art. 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

5. Pois dispõe o artigo 195º, nº 1, do CPC, que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

6. A notificação às partes da proposta de compra, adjudicação e local e data da realização da venda, constituem notoriamente imposições legais cujo não cumprimento prejudica gravemente a partes e obviamente influi na decisão e desfecho da causa, para efeitos do artigo 195.º n.º 1 do C.P.C, pois nem permitiu, que algum remidor se manifestasse, e também não permitiu que as partes chegassem acordo até à concretização da venda, o que é um direito constitucional que lhes assiste.

7. O que gritantemente, desrespeita as normas impostas para a execução, em particular no âmbito deste processo de jurisdição voluntária, em que se privilegia que o bem se mantenha no património familiar quando possível, inquinando o ato de nulidade e de todo o processado subsequente ao seu cometimento, o que se invoca. Pois as partes tinham o direito de chegar acordo antes da realização da venda e tal direito foi-lhes negado por via da violação das regras impostas, designadamente da notificação às partes.

8. Pelo que, e diferentemente do entendimento sufragado pelo tribunal a quo, as omissões cometidas e desrespeito pelo princípio do contraditório, não constitui uma mera irregularidade e não tem por pressuposto apenas o direito de um eventual remidor, já que as partes podem a todo tempo transacionar no processo até à efetivação da venda. O que lhes foi negado. Por isso, é a venda nula, devendo assim ser declarada pelo Tribunal da Relação.

9. Como reconhece o tribunal a quo, o EV apenas informou a 20/09/2019 o tribunal da manutenção da proposta apresentada, mas não notificou as partes da sua aceitação, e nem o tribunal o fez, sendo que, não colhe a argumentação da aceitação tácita, já que não se pode aceitar o que nunca que lhes foi notificado.

10. O contraditório nunca foi assegurado. Só que, estando em causa a aplicação de um princípio fundamental em matéria processual (o direito ao contraditório), exige-se a utilização de um procedimento que garanta segurança de tudo oque se passa no procedimento. Assim sendo, há que concluir que não foi respeitado o contraditório em relação às partes, pois deveriam ter sido notificadas da aceitação da proposta e do dia, hora e local de realização da escritura.

11. A omissão de tais normas legais e consequentemente a falta de contraditório tem como consequência uma nulidade processual, pois a omissão do dever de consulta tem influência determinante na decisão subsequente que o agente de execução/EV vier a tomar, com vista a satisfazer simultaneamente os interesses do Requerente e Requerida.

12. Esta nulidade processual fica sujeita ao regime das nulidades secundárias, de acordo com o regime previsto nos art.ºs 195.º, 196.º, 197.º, 199.º, 200.º, n.º 3, 201.º e 202.º, do CPC. Regra geral, quando julgada procedente, essa nulidade implica a anulação de todos os atos do processo de execução posteriores à omissão do contraditório, mesmo que a nulidade seja invocada depois da venda, da adjudicação ou da remição.

13. No caso dos autos, O EV não formalizou uma decisão de escolha do proponente, tendo antes requerido ao juiz a autorização para venda naquelas condições, sendo que posteriormente realizou a venda sem notificação às partes, com preterição de todas as formalidades legais e violação do contraditório. Pelo exposto, deve ser declarada a nulidade da venda e anulados todos os atos praticados após se ter verificado a preterição do contraditório.

14. Também não colhe o argumento do tribunal a quo, que as partes não tinham de estar presentes no ato de venda, já que é um direito constitucional que lhes assiste e não pode ser preterido pelo tribunal ou pelo EV.

15. Sem prejuízo, refira-se ainda que a Recorrente por diversos requerimentos suscitou várias questões que até à data nunca mereceram despacho, nomeadamente: d) que o Senhor EV fosse notificado para vir demonstrar aos autos quais as diligências de venda encetadas, a forma de publicitação, as eventuais propostas apresentadas.

  1. que fosse ordenando que a venda fosse tramitada por leilão eletrónico.

  2. que fosse indeferido o pedido de remuneração efetuado pelo Senhor EV, nos termos fundamentados, tal como a respetiva emissão de recibo requerida.

16. O que constitui uma omissão de pronuncia e fere de nulidade a decisão ora proferida que continua a ser omissa quanto ao submetido à apreciação do tribunal. Pois os requerimentos apresentados a 08/04/2019 e 17/06/2019, continuam sem pronúncia relativamente aos assuntos acima elencados.

17. As partes nem sequer souberam quais as diligências realizadas para a publicitação da venda, ou seja, que anúncios é que foram eventualmente publicados e que meios é que foram usados para o efeito.

18. No entanto, não obstante o requerido pela Recorrente (“deve o Senhor EV ser notificado para vir demonstrar aos autos quais as diligências de venda encetadas, a forma de publicitação, as eventuais propostas apresentadas, ordenando-se ainda que a venda seja tramitada por leilão eletrónico conforme supra exposto, declarando-se para os devidos e legais efeitos que não se aceita a proposta apresentada pela Proponente, pelos motivos invocados.

Mais, deve ser indeferido o pedido de remuneração efetuado pelo Senhor EV, nos termos fundamentados, tal como a respetiva emissão de recibo requerida.”) o tribunal a quo nunca se pronunciou e objetivamente violou o dever de pronúncia e o cumprimento do pelo princípio do contraditório, o que fere de nulidade todo o processado.

19. Ao abrigo do artigo 283º n.º 2 do C.P.C, é lícito também às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa. A violação das normas supracitadas pelo EV e pelo tribunal a quo, consubstanciadas na não notificação às partes da aceitação da proposta, realização da escritura com indicação do local, hora e data, tal como o não respeito pelo contraditório, vedou às mesmas o possibilidade e direito que esta norma lhes confere. O que constitui uma nulidade insanável que prejudica gravemente a partes e obviamente...

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