Acórdão nº 1225/19.0T8FNC.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | TERESA PRAZERES PAIS |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A [ Maria ….. ] , casada, portadora do Número de Identificação Fiscal 135 283 957, residente no Caminho Ernesto Alves Pinto Correia, Entrada n.° , Casa n…, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, instaurou contra B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ] , com Número de Identificação de Pessoa Colectiva 000 000 000 e sede em …, Santo António, Funchal, a presente acção declarativa de condenação, alegando, em resumo: -no dia 03 de Dezembro de 2014, por volta das 17:00 horas, a Autora, A, dirigiu-se ao supermercado "Pingo Doce" e quando estava dentro deste estabelecimento que é explorado pela sociedade B , sito no Centro Comercial Anadia, no Funchal, (Docs. n°s. 1 e 2), 2.° ao passar pelo corredor dos detergentes e produtos de limpeza, cujo piso se encontrava impregnado de detergente, escorregou e caiu ao chão, não conseguindo levantar-se do chão.
Praticou a R um ilícito criminal, ofensa corporal por negligência.
Da queda resultou, para a Autora, vários ferimentos com sequelas, bem como incómodos, dores, perdas de rendimento.
Conclui pedindo a condenação da R ao pagamento da quantia total de 23.685,13€ (vinte e três mil seiscentos e oitenta e cinco euros e treze cêntimos), (285,13€ + 18.000,00€ + 5.400,00€ = 23.685,13€), acrescida de juros contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, sendo: - 285,13€ a titulo de danos patrimoniais; - 18.000,00€ a título de danos não patrimoniais, e - 5.400,00€ pela perda do trabalho desempenhado como costureira.
A R contestou invocando a prescrição, para além da impugnação factual. Requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros Fidelidade, que também contestou.
Foi então, proferida esta decisão: ".... Em virtude do exposto, julgo procedente a exceção de prescrição invocada e absolvo os Réus (primitivo e a chamada) de todos os pedidos formulados, à luz do artigo 576.°, n.° 3, do CPC.
Valor da causa: 23.685, 13€.
As custas ficam a cargo da Autora (artigo 527.° do CPC)." É esta decisão que a A impugna, formulando estas conclusões: 1- Com o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com a sobredita sentença proferida em 30 de Março de 2020, de fls. 311 a 313 verso, pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", que é nula quanto ao prazo de prescrição, que é de cinco anos e não de três anos, conforme o artigo 498° n°. 3 do C. C., 148° n°. 1 e 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal bem como do artigo 615° n°. 1 alíneas b), c), d) e e) do C.P.C.
2- Também é nula quanto ao reconhecimento do direito, efectuada pela Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], conforme os artigos 323° e 325° do C. C., bem como do artigo 615° n°. 1 alíneas b), c), d) e e) do C.P.C.
3- Sendo também nula pela não realização da audiência prévia, conforme os artigos 3°, 591°, 592° e 593° do C. P. C., e 195° n°. 1 do C. P.C., bem como do artigo 615° n°. 1 alíneas b), c), d) e e) do C.P.C.
4- A Autora, ora Recorrente deduziu a presente acção, pedindo a condenação da Ré "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]", e posteriormente sendo chamada a "Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.", ora Recorridas, no pagamento de uma indemnização em resultado do acidente que sofreu dentro do estabelecimento comercial, supermercado "Pingo Doce", no dia 3 de Dezembro de 2014.
5- A ora Recorrente devido ao acidente sofreu lesões corporais das quais ainda padece actualmente, alegando na petição inicial nos artigos 1°, 2°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 25°, 26°, 27°, 28°, 29°, 30°, 31° e 32° que: 6- O Tribunal "a quo" entendeu que o prazo de prescrição em causa é de 3 anos e não de 5 anos, efectuando, salvo o devido respeito, uma leitura errada do previsto no artigo 498° n°.3 do Código Civil.
7- A verdade é que as normas referidas prevêem que a aplicação do prazo de prescrição mais longo do que o de 3 anos, fica subordinada apenas a uma condição, a que o facto ilícito constitua crime.
8- Cremos que não há dúvidas que os factos ilícitos descritos na petição inicial, e nas respostas às excepções, constituem crime de ofensa a integridade simples por negligência, nos termos do artigo 148° do Código Penal.
9- Também cremos que não há dúvidas que o prazo prescrição penal para apreciação deste facto é de 5 anos, nos termos do artigo 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal.
10- O entendimento da douta sentença recorrida do Tribunal "a quo" é de que por estar em causa a responsabilidade de uma pessoa natureza colectiva, Sociedade Anónima, e não podendo esta praticar o crime que a ora Recorrente lhe imputa, estamos perante de uma situação de inexistência de ilícito.
11- A ora Recorrente, A [ Maria ….. ], não se conforma com este entendimento e acredita que a jurisprudência já claramente o afastou, e pensávamos nós de forma definitiva.
12- Com este entendimento, pode ver-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/04/2005, do processo 0211/05, que de forma clara esclarece a questão, tratando-se de responsabilidade por factos ilícitos que fossem imputadas a pessoas físicas determinadas, como os agentes da pessoa colectiva que omitiram os deveres que sobre esta recaiam, podiam integrar o ilícito penal do artigo 148° n°. 1 do Código Penal, cujo procedimento criminal está sujeito a prescrição no prazo de 5 anos, de acordo com o artigo 118° n°. 1 alínea c) do mesmo Código.
13- Na realidade, é um único o requisito constante no artigo 498° n°. 3 do C.C., para que o facto ilícito constitua crime, sem se preocupar com o possível Autor ou pessoa responsabilizável, sem se preocupar com quaisquer condições de punibilidade, e ainda sem se preocupar com a instauração de qualquer processo crime.
14- A leitura que entendemos se tem de fazer do disposto no artigo 498° n°. 3 do C.C., quando está em causa, como é o presente caso, a responsabilidade civil das pessoas colectivas é a de que, o que releva e importa para efeitos de prescrição é o facto ilícito em si, a sua natureza criminal, e não a entidade que a pratica, assentando no pressuposto de que a pessoa colectiva, demandada está a sê-lo, enquanto entidade responsável pelos actos praticados pelos seus subordinados.
15- Atenta a simplicidade da redacção do n°. 3 do artigo 498° do C.C., não entendemos, como pode o Tribunal "a quo" defender outra interpretação.
16- A douta sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 498° n°. 1 e 3 do C.C., 148° n°. 1 do Código Penal, 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal, e artigo 615° n°. 1 alíneas b), c) d) e e) do C. P.C.
17- Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, que entende que o prazo de prescrição do direito a indemnização por parte da Autora, ora Recorrente é de 3 anos, conforme o artigo 498° n°. 1 do Código Civil, a verdade é que, tal prazo é de 5 anos, conforme dispõe o n°. 3 do artigo 498° do Código Civil.
18- Conforme dispõe o n°. 3 do artigo 498° do C. Civil, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
19- Conforme o artigo 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal, é de cinco anos o prazo de prescrição, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos, 20- O prazo de prescrição no presente caso, constitui ilícito criminal, pois a Autora, ora Recorrente, foi vítima de um crime de ofensa à integridade física por negligência, conforme o artigo 148° do Código Penal, punido com uma pena de prisão até um ano, assim o prazo de prescrição deste ilícito penal é de cinco anos.
21- Ora, na realidade, o previsto no n°. 3 do artigo 498° do C. Civil, pode ser aplicado mesmo quando a pessoa colectiva em causa, neste caso, o B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], não possa ser responsabilizada penalmente e quando na acção proposta não foram individualizadas as pessoas físicas sobre as quais deve recair a censura pela omissão causadora do acidente e dos danos, 22- Neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 27804/15.7T8PRT.P1 de 09-11-2017...
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