Acórdão nº 214/19.0JDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução02 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº214/19.0JDLSB, da Comarca de Lisboa (Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 15), foi julgada P. , pronunciada pela prática de 7 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada (arts.131, 132, nº2 alíneas a), c), e), i) e j), 22 e 23 do Código Penal), 7 crimes de ofensa à integridade física grave qualificadas (arts. 144, nº 1 alínea d, 145, nº1 alínea c, e nº2 com referência ao 132.º n.º 2 alíneas a), c), e) i) e j) todos do Código Penal) e um crime de violência doméstica (art.152, nº1 alínea d, e nº2 do Código Penal).

O tribunal, após julgamento, por acórdão de 20Julho20, decidiu: "...

A – Condenar a arguida P. pela prática, em autoria material e em concurso real de infracções, das seguintes penas parcelares: - 7 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (1.º episódio), p. e p., nos artigos nos artigos 132.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), c), e j), por referência ao 131.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal; - 7 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (2.º episódio), p. e p., nos artigos nos artigos 132.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), c), e j), por referência ao 131.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal; - 7 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (3.º episódio), p. e p., nos artigos nos artigos 132.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), c), i) e j), por referência ao 131.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal; - 7 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (4.º episódio), p. e p., nos artigos nos artigos 132.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), c), i) e j), por referência ao 131.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal; - 8 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (5.º episódio), p. e p., nos artigos nos artigos 132.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), c), i) e j), por referência ao 131.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal; - 8 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (6.º episódio), p. e p., nos artigos nos artigos 132.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), c), i) e j), por referência ao 131.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal; e - 8 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (7.º episódio), p. e p., nos artigos nos artigos 132.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), c), i) e j), por referência ao 131.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal.

B – Condenar a arguido P. em cúmulo jurídico de penas, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão.

C – Absolver a arguida P. da prática de 7 (sete) crimes de ofensa à integridade física grave qualificadas, p. e p., nos artigos 144.º n.º 1 alínea d), 145.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 com referência ao 132.º n.º 2 alíneas a), c), e) i) e j) todos do Código Penal.

D – Absolver a arguida P. da prática de um crime de violência doméstica, p. e p., no artigo 152.º n.º 1 alínea d) e n.º 2 do Código Penal.

Condeno a arguida no pagamento de 5 UC de taxa de justiça e nas demais custas.

E – Condenar a demandada P. a pagar ao demandante MM , representado pelo seu pai LT , a quantia de € 300.000,00 (trezentos mil euros), a título de danos não patrimoniais.

Custas da parte cível a cargo da demandada.

F – Condenar a demandada P. a pagar ao demandante LT a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais.

Custas da parte cível a cargo do demandante.

G – Condenar a demandada P. a pagar à demandante "Centro Hospitalar do Oeste, E.P.E." a quantia de € 2.477,85 (dois mil quatrocentos e setenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% e devidos desde a data de notificação do pedido de indemnização cível até integral pagamento.

Custas da parte cível a cargo da demandada.

H – Condenar a demandada P. a pagar à demandante "Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, E.P.E." a quantia de € 20.137,52 (vinte mil cento e trinta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% e devidos desde a data de notificação do pedido de indemnização cível até integral pagamento.

Custas da parte cível a cargo da demandada.

* I – Não condenar a arguida P. na pena acessória da proibição de contacto com a vítima MM .

J – Declarar a incompetência material do tribunal criminal para apreciar e decidir da inibição do exercício do poder paternal da arguida P. em relação ao menor MM .

....”.

  1. Desta decisão recorre a arguida P. , tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes conclusões: 2.1 Quanto ao episódio ocorrido em 17 de Abril de 2019 os factos considerados provados em 12 e 13 resultam de uma “interpretação extensiva” não fundamentada dos depoimentos analisados; ora, se o MM se encontrava sozinho com a arguida nas instalações da escola de mergulho e se, considerando a queda do menor no tanque e a sua incapacidade de nadar, a conclusão que se impõe é que só poderá ter sido a arguida a retirá-lo da água e a impedir o resultado morte.

    2.2 O douto acórdão refere que “a morte do menor só não aconteceu por motivos alheios á vontade da arguida”, porém, conforme supra se demonstrou, a morte do menor não aconteceu apenas pela intervenção da arguida.

    2.3 Assim, torna-se imprescindível concluir que a conduta da arguida foi adequada, suficiente e determinante para impedir a verificação do resultado morte.

    2.4 Em consequência e considerando o disposto no art. 24° n°1 do Código Penal “A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime”, uma vez que a intervenção da arguida foi determinante no sentido de impedir o resultado.

    Pelo exposto, nunca a arguida deveria ter sido condenada pela prática de um homicídio qualificado na forma tentada.

    2.5 Ainda, sem conceder, caso se entenda que a não produção do resultado morte não resultou única e exclusivamente da conduta da arguida, pelo que sempre seria atendível o disposto no n°2 do mesmo art.24°: “ Quando a consumação ou verificação do resultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra”, tendo em conta que foi a arguida a retirar a criança do tanque, a prestar-lhe os primeiros socorros, a chamar o INEM, para além de ter alertado o pai. Recorde-se quando o SIV de Peniche chegou ao local, já o MM se encontrava a salvo, fora do tanque e consciente, conforme testemunho de ED em audiência.

    Pelo exposto, também verificando-se esta situação nunca a arguida deveria ter sido condenada pela prática de um homicídio qualificado na forma tentada.

    2.6 O douto acórdão recorrido, dá como provado no ponto 13 supra referido que “ A morte do menor só não aconteceu por motivos alheios à vontade da arguida”. Salvo melhor opinião esta consideração não pode proceder uma vez que se trata de um juízo conclusivo, sem qualquer suporte factual e totalmente desfasado da realidade.

    Sintetizando, no dia e local da prática dos factos imputados à arguida apenas estavam presentes a própria e o filho MM , que não sabe nadar; em circunstâncias não apuradas o menor caiu à água, sendo retirado do tanque pela única pessoa presente para além do menor- a mãe! 2.7 Assim, face ao supra referido considera a arguida a existência de um erro notório na apreciação da sua conduta, que efectivamente foi determinante – e ÚNICA- para impedir a produção do resultado morte, termos em que sempre seria de considerar o disposto no n.° 1 do artigo 24.° do Código Penal.

    2.8 Quanto ao episódio ocorrido em 11/12 Junho de 2019, e após análise dos depoimentos supra transcritos, respeitantes às declarações da arguida, do menor MM e da testemunha BG , e que traduzem a única prova produzida em audiência não é possível atribuir à arguida a prática de um crime de homicídio na forma tentada, pelo que estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410° n°2 al.a) do CPP.

    2.9 O Ministério Público acusa e o tribunal a quo condena a arguida, quanto a este episódio, pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, sem fazer qualquer referência ao elemento subjectivo do tipo de crime.

    Como é sabido, o facto típico é composto por elementos objectivos e subjectivos, sendo que o primeiro corresponde à conduta e o segundo traduz a relação existente entre a atitude do agente e o facto material.

    2.10 In casu, importa-nos analisar o dolo, cuja verificação é essencial nos crimes na forma tentada (cfr. Art.° 22.° n.° 1 e art.° 14.°, ambos do Código Penal).

    2.11 a. Nos termos do art.° 14.° n.° 1, só existe dolo quando o agente, “representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar”.

    Daqui se conclui que, num primeiro momento, terá que existir uma representação do facto que preenche o tipo de crime, desde logo porque “nada pode querer-se que não tenha sido primeiramente previsto ou conhecido” (in Direito Penal, Apontamentos das Lições do Professor Cavaleiro de Ferreira ao 5.° ano jurídico de 1956-1957, compilados por Eduardo Silva Casca, p. 52).

    1. Num segundo momento terá que existir uma resolução criminosa seguida de um esforço dirigido à representação do facto representado. Portanto, para haver dolo não basta que o agente preveja mentalmente a realização do facto, sempre terá que haver, adicionalmente, uma intenção de praticar o acto que representa e uma actuação nesse sentido.

    2. O dolo é, assim, um facto jurídico relevante (cfr. Art.° 124.° CPP) e é, também, um elemento subjectivo do facto. Na falta do mesmo não há crime, conforme decorre do art.° 13.° do Código Penal. Como facto...

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