Acórdão nº 0659/18.2BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO: 1. A……….. – SUCURSAL EM PORTUGAL vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, do acórdão do TCA Sul que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do TAC de Lisboa que, em antecipação da decisão final, - no âmbito da providência cautelar de suspensão de eficácia de normas constantes da Portaria n.º 355/2017, de 16 de Novembro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 211, de 16.11.2017, contra o MINISTÉRIO DO TRABALHO, SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL - julgou improcedente a ação administrativa para impugnação de normas e, em consequência, absolveu o então requerido do pedido de declaração de ilegalidade de normas da Portaria de extensão do contrato coletivo de trabalho celebrado entre a RENA e o SITAVA e o SQAC (Portaria nº355/2017, de 16.11), e indeferiu o pedido de reenvio ao TJUE.

  1. Para tanto, alegou em conclusão: “i) Da admissibilidade do recurso de revista (...) ii) Da questão de fundo S. O Tribunal a quo errou manifestamente ao proferir a decisão recorrida, pois que as questões acima identificadas e que justificam a presente revista, se devidamente ponderadas, deveriam ter imposto uma solução oposta àquela que foi seguida.

    Da (alegada) preclusão do direito de impugnação e da (alegada) discricionariedade técnica T. Andou mal o Tribunal a quo ao sufragar o entendimento de que a não apresentação de oposição fundamentada por parte da Recorrente em sede procedimental, ao abrigo do artigo 516.º, n.º 3 do Código do Trabalho teria precludido o direito de impugnação judicial dessa mesma portaria.

    1. Entendeu o Tribunal a quo que a não apresentação de oposição fundamentada em sede de procedimento regulamentar determinava a impossibilidade de análise da violação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, pelo facto de, no seu entendimento (i) estarem em causa argumentos de natureza económica; (ii) não ter sido apresentada oposição fundamentada por parte da Recorrente e (iii) não poder o Tribunal apreciar a alegada violação sob pena de estar a substituir-se à Administração.

      V. A violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, ainda que possa acarretar impactes económicos não consubstanciam motivos económicos stricto sensu conforme aventado pelo Tribunal a quo.

    2. Por outro lado, e mesmo num caso em que estava em causa a imputação de vícios a uma portaria de extensão, vícios esses de natureza estritamente económica, entendeu o Tribunal a quo no seu Acórdão de 01.06.2017, proferido no Processo n.º 103/093.6BEFUN 90 (90 Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01.06.2017, proferido no Processo n.º 103/093.6BEFUN), proceder à análise das alegações da Recorrente, ressalvando-se que, nesse caso concreto, a Autora também não tinha apresentado oposição fundamentada em sede procedimental.

      X. Conforme unanimemente reconhecido pela Doutrina e pela Jurisprudência, o direito de participação procedimental, constitucional e legalmente consagrado, constitui efetivamente um direito e não um ónus de pronúncia.

    3. A não apresentação de pronúncia por parte de uma pessoa singular ou coletiva no âmbito de um procedimento administrativo que a afeta não preclude o direito de posterior impugnação judicial desse ato, regulamento ou contrato.

    4. Exigir a prévia apresentação de oposição fundamentada antes de se proceder à impugnação judicial de uma portaria de extensão, sob pena de preclusão do direito de impugnação judicial, redundaria em consagrar uma exigência adicional semelhante a uma impugnação graciosa necessária que a lei não consente.

      AA. É unanimemente reconhecida pela Doutrina e pela Jurisprudência a possibilidade de sindicância jurisdicional mesmo nos casos em que esteja em causa uma decisão proferida ao abrigo da discricionariedade técnica da Administração, designadamente quando esteja em causa a violação de princípios jurídicos, como é o caso dos autos.

      Da violação do artigo 514º do Código do Trabalho e de Resolução do Conselho de Ministros BB. A decisão de estender uma convenção coletiva convoca duas áreas do Direito – administrativa e laboral, sendo assim limitada pelo princípio da legalidade.

      1. Assim, a emissão de Portaria de Extensão tem obrigatoriamente de obedecer ao disposto no artigo 514.º n.º 2 do CT: “A extensão é possível mediante a ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.” DD. Densificando a ponderação exigida por lei, foi aprovada a RCM 82/2017 onde se estabelece que a emissão de portaria de extensão deve ser precedida da análise dos seguintes indicadores:

      1. Impacto sobre a massa salarial dos trabalhadores abrangidos e a abranger, tendo em vista a aferição dos possíveis impactos económicos da extensão; b) Aumento salarial dos trabalhadores a abranger; c) Impacto no leque salarial e na redução das desigualdades no âmbito do instrumento de regulamentação coletiva a estender; d) Percentagem de trabalhadores a abranger (no total e por género); e) Proporção de mulheres a abranger”.

        EE. Apesar da referida imposição, a portaria de extensão aqui em crise ignorou essa obrigação, tendo a 1.ª instância sancionado uma posição que, referindo: “Ora, tal como se entende, e ao contrário do que defende a Requerente, o facto de não ter sido efectuado o estudo de avaliação dos indicadores previstos nas al. a) a e) do nº 1 da RCM nº 82/2017, não impedia que a portaria de extensão fosse emitida, conquanto a ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem se mostre feita.” FF. Por sua vez, o acórdão da segunda instância de que agora se recorre, não vai tão longe e afirma que é a inexistência desses elementos que não deve coibir a Administração de decidir: “quando não disponha de elementos referentes a todos os indicadores previstos na dita Resolução do Conselho de Ministros”.

        GG. Mas esta conclusão assenta no pressuposto errado de que a análise dos indicadores referidos na RCM 82/2017, deve ou tem que ser realizada com base nos Relatórios Únicos/Quadros de Pessoal disponibilizados pelas empresas ao Ministério do Trabalho.

        HH. Mas na verdade, insista-se, é que não se dispõe, por forma alguma, em qualquer instrumento legal, que a referida análise dos indicadores previstos na RCM 82/2017 tenha de ser, ou sequer que deva ser, feita com recurso aos relatórios anuais referidos na portaria. Na verdade, a análise dos indicadores definidos pela RCM 82/2017 dá corpo, precisamente, à execução da ponderação prevista no artigo 514.º n.º 2 do CT.

        II. Mais, não se compreende porque motivo o Tribunal aceita acriticamente que a Administração não dispõe de tais elementos, quando os mesmos são enviados por todas as empresas anualmente, até 15 de abril, pelo que, em novembro de 2017 (quando foi emitida a portaria em crise) os elementos relativos a 2016 já deveriam existir.

        JJ. Incumbe à Administração analisar toda a informação disponível sobre o setor para verificar o preenchimento dos pressupostos legais, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao sufragar a tese de que, não obstante o disposto no artigo 514.º n.º 2 do CT e na RCM 82/2017, poderia ser emitida portaria de extensão que não avaliasse os indicadores sociais e económicos legalmente exigíveis.

        KK. Acresce que a Administração refere, no texto da portaria, não proceder à avaliação dos indicadores acima elencados por não possuir os elementos relativos aos Relatórios Únicos/ Quadros de Pessoal, uma vez que se trataria da primeira convenção colectiva celebrada entre as partes, o que deixa implícito que qualquer convenção coletiva seria insuscetível de avaliação à luz dos indicadores previstos na RCM 82/2017. Mas esta isenção não resulta da lei, nem de qualquer outro instrumento legal, sendo que as cautelas sugerem que a extensão de um primeiro contrato coletivo mereceria até maior ponderação e cuidado.

        LL. Por fim, neste âmbito, o acórdão entendeu como boa a interpretação da 1.ª instância no sentido de que a materialidade do espírito da RCM 82/2017 foi respeitada pela portaria em crise, visto que existiria uma identidade e semelhança económica e social entre a convenção e o âmbito da portaria.

        MM. Essa identidade resultaria, supostamente, da portaria estender a convenção coletiva a situações laborais entre outras empresas que se dedicam à mesma atividade e a trabalhadores com categorias idênticas às da convenção, nos seguintes termos: “No entanto, considerando que é o primeiro contrato colectivo para o sector do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector.” NN. Mas obviamente a ponderação da similitude das condições sociais e económicas não se pode bastar com tal apreciação, pois não existe aqui qualquer juízo de ponderação, sendo que essa apreciação nem corresponde à verdade quando, por exemplo, na atividade de handling, como bem sabem administração pública e os Tribunais das instâncias inferiores, existia o CCT AESH que determina salários bem inferiores para as mesmas categorias profissionais.

        OO. Quando a lei impõe uma análise social e económica pretende exatamente prevenir que, sob uma capa de aparente uniformização, se realizem resultados injustos económica e socialmente, como é aqui o caso porque, como se disse e não foi impugnado (sendo mesmo admitido pela decisão da primeira instância), a Recorrente é a única companhia aérea que seria afetada no âmbito da aplicação desta portaria à atividade de auto-assistência.

        PP. Não se pode considerar, por tudo o exposto, que tenha sido demonstrado na decisão de extensão nem no seu prévio procedimento administrativo, o mínimo resquício de qualquer análise económica ou social, nem sequer a essencial...

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