Acórdão nº 710/16.0BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | SOFIA DAVID |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A S............, Lda, interpôs recurso da sentença do TAF de Beja que julgou verificada a excepção dilatória de intempestividade de apresentação da PI em juízo e, em consequência, absolveu o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) da instância.
Na PI vinha impugnada a decisão do IFAP que determinou a reposição da quantia de €225 372,07, invocando-se a invalidade de tal acto, alegando-se que o mesmo padecia das seguintes ilegalidades: a) que os fundamentos de facto adoptados pelo acto não correspondiam às circunstâncias do caso; b) que os fundamentos de Direito adoptados não acolhiam e enquadravam a situação de facto – que se invocava ser inexistente; c) que tal acto violava a legislação aplicável às ajudas concedidas; d) e que tal acto violava a legislação europeia aplicável, a saber, o Reg. (CE) n.º 1310/2013, de 17/12. A final da PI pedia-se a anulação do acto impugnado e a condenação do IFAP no pagamento das ajudas agro-silvo-ambientais, respeitantes ao ano de 2014, nos termos da Portaria 19/2014 de 29/01.
Suscitada pelo IFAP a excepção de caducidade do direito de acção, o A. apresentou réplica, assim como, apresentou uma alteração e ampliação da causa de pedir e dos pedidos. Veio, então, o A. peticionar a ampliação e alteração da causa de pedir e dos pedidos, passando a requerer que o acto impugnado fosse declarado nulo por ser um acto de objecto impossível, por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental e, por criar uma obrigação pecuniária não prevista na lei. Subsidiariamente, o A. passa a pedir para que o acto impugnado seja anulado, por invocar fundamentos de facto que não correspondem às circunstâncias reais, por invocar fundamentos de Direito que não acolhem nem enquadram a situação de facto – que se diz inexistente - e por violar a legislação aplicável a estas ajudas, nacional e comunitária. Para o efeito, o A. passou a arguir que não havia qualquer disposição legal que permitisse ao R., com base na irregularidade verificada num quadro de compromissos posterior, afectar o direito à percepção das ajudas no quadro de compromissos anterior, uma vez que este direito estava consolidado na sua esfera patrimonial e a correspondente ablação pelo acto impugnado ofendia os direito patrimoniais da A., consistindo, portanto, num acto que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, como o direito de propriedade.
Por despacho de 14/03/2017, foi admitida a requerida alteração e ampliação.
Proferida sentença a julgar verificada a excepção dilatória de intempestividade da apresentação da PI, veio o A. apresentar recurso.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”I. O que está em causa no presente Recurso é apenas a questão de excepção de saber se o acto impugnado está ferido de nulidade pelas várias causas apontadas pela Recorrente, ou se como pretende o Tribunal a quo essas causas constituem meras violações de direito «erros sobre os pressupostos de facto e de direito cuja forma de invalidade que lhes corresponde é a anulabilidade e não a nulidade.» II. A sentença recorrida, em obediência a este entendimento, limitou-se a dar como provados os factos correspondentes ao itinere conducente à impugnação do acto, sem qualquer análise dos factos carreados para o processo pela Recorrente, que são a causa de pedir da declaração de nulidade, nem da legislação em causa que é o direito que sustenta a alegação de nulidade.
III. A Recorrente não pode aceitar a fundamentação constante da sentença porque entende que os vícios de que padece o referido acto são de molde a determinar a sua nulidade, designadamente face à nova redacção do artigo 161° do CPA e designadamente a alínea k) do n° 2 desse artigo - actos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei.
A recorrente não tem dúvidas de que o acto impugnado lhe cria uma obrigação pecuniária sem qualquer previsão legal que a acolha, razão pela qual entende que o acto é nulo.
IV. Parece à Recorrente evidente a doutrina exposta de que «a regra da ofensa ao ordenamento jurídico (actos anuláveis) para a qual não se preveja outra sanção, é a anulabilidade, mas é de molde a afastar a regras da anulabilidade a previsão legal de uma determinada ofensa jurídica constituir caso de nulidade (ergo, a questão da criação de obrigações pecuniárias não previstas na lei).» (vidé M. Esteves de Oliveira, CPA Anotado, 2a edição, página 659).
V. O pedido da Recorrente deduzido na PI é de que o acto impugnado sej a considerado nulo, nos termos do artigo 161° do Código de Procedimento Administrativo por incorrer nos vícios referidos nas alíneas c) acto de objecto impossível; d) acto que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental; e, k) acto que crie obrigação pecuniária não prevista na lei.
VI. A recorrente entende que o acto impugnado tem um objecto impossível ao exigir-lhe a restituição de montantes que nunca lhe foram pagos – ver alegações nºs 45 a 47 supra.
VII. A Recorrente não tem dúvida de que o acto impugnado ofende um seu direito fundamental à propriedade dos montantes em causa na «devolução» dos montantes das ajudas recebidas entre 2008/2009 e 2012/2013, que integrou de forma totalmente regular e legítima no seu património e de que o acto impugnado, a ser convalidado, implicaria a ablação patrimonial sem causa nem lei habilitante.
VIII. Desde logo, os montantes recebidos pela Recorrente entre 2008/2009 e 2012/2013 ao abrigo do regime de ajudas agro-ambientais regulado pela Portaria 229-B/2008, foram recebidos de forma completamente regular (”legal” para usar a terminologia do Tribunal a quo) e nenhum vicio lhes foi imputado, matéria sobre a qual a sentença recorrida não se pronuncia para além de classificar o modo de percepção de «ilegal» sem qualquer espécie de fundamentação; IX. Para além disso, em conformidade com o que alegou em 12 a 20 supra, a Recorrente demonstrou e é o que resulta da lei aplicável, que os seus compromissos agro-ambientais ficaram terminados em 30 de Setembro de 2013, pelo que um suposto incumprimento em Julho de 2014 não poderia já afectar o quadro de compromissos terminados, Razão pela qual o acto impugnado ao proceder a uma ablação dos seus direitos patrimoniais afecta de forma ilegal o conteúdo essencial do seu direito de propriedade e não o seu direito teórico «à» propriedade, como a sentença recorrida pretende, entendimento que, passe o pleonasmo, não se entende e conduziria a considerar conforme com a Constituição da República o confisco, que a CRP expressamente afasta como possível, proibindo-o.
X. Não podendo deixar de ser dado como provado que o ciclo de compromissos da requerente terminou a 30 de Setembro de 2013 e que os actos legislativos que lhe permitiram pedir em 2013/2014 o pagamento de mais um ano de medidas ASA, são posteriores, não pode deixar de se concluir que os montantes das ajudas recebidas sem qualquer vício intrínseco entre 2008 e 30 de Setembro de 2013, ficaram definitivamente integradas na esfera patrimonial da Requerente, não podendo ser postas em crise por facto superveniente respeitante a outros anos e que, portanto, a ordem de restituição de montantes respeitantes a este ciclo encerrado ofende o conteúdo essencial de direito fundamental: o direito de propriedade ou equiparado e nos termos do artigo 161º do CPA são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
XI. A questão que se coloca é a de saber se o acto impugnado pode violar de forma ilegal – na verdade, sem qualquer suporte legal válido - os direitos adquiridos da Recorrente aos montantes recebidos, que integrou legítima e legalmente no seu património por constituir um direito que lhe é atribuído pela legislação que regula a política agrícola comum, e se tal violação constitui uma violação do conteúdo essencial dos seus direitos fundamentais – alínea d) do nº 2 do artigo 161º do CPA.
A resposta a esta questão, se for positiva, determina a nulidade – insanável - do acto. XII. Tal como alegou em 29 a 44 das alegações supra, não se vê como se possa sustentar que a imposição à Recorrente de “restituição” ao Recorrido de montantes recebidos entre 2008 e 2013 possa ser excluído do conceito de «obrigação pecuniária» (não pode haver dúvidas de que o Recorrido procedeu através do acto impugnado à criação à Recorrente de uma obrigação pecuniária antes inexistente); e Nos termos do art.º 161º, 2, k) do CPA, ou essa obrigação tem uma base legal, ou é nulo o acto que a determina.
Ora, o Tribunal a quo não fez qualquer exame de qual pudesse ser a base legal do acto impugnado, tendo-se limitado a considerar que se porventura tivesse havido erro nos pressupostos de direito, este erro seria conducente à mera anulabilidade do acto (cfr. artigo 163º nº 1 do novo CPA) e não à sua nulidade, entendimento sobre a qual as presentes alegações de recurso já se pronunciaram e que se considera em absoluto de rejeitar.
XIII. O Tribunal a quo omitiu aliás e...
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