Acórdão nº 748/08.1BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório C.....

e M....., interpuseram recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 29.11.2013, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si deduzida contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., através da qual peticionavam a declaração de nulidade do contrato de fiança que haviam assinado em novembro de 2004 e do despacho da Diretora do Centro de Emprego do Montijo de 02.06.2008, na parte em que, em execução daquele contrato, determinou a devolução pelos AA., ora Recorrentes, da quantia de € 44.623,50.

Na referida ação foram identificados como contrainteressados, A..... e B....., Lda Nas alegações de recurso que apresentaram, culminaram com as seguintes conclusões – cfr. fls. 254 e ss., ref. SITAF: «(…) A. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal Administrativo de Circulo de Almada Que veio a julgar improcedente os pedidos dos Recorrentes deduzidos contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional de, IP, para que fosse declarado nulo um contrato de fiança que outorgado pelos Recorrentes em 19 de Novembro de 2004 e do Despacho da Directora do Centro de Emprego do Montijo de 2-06-2008, na parte em que executando aquele contrato nulo determina a devolução pelos ora Recorrentes de € 44.623,50; B. Para tanto alegaram os aí autores na sua PI, os factos de onde extraíram tais conclusões, e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

C. Entendem os Recorrentes que o DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO PADECE DE ERRO DE JULGAMENTO E OMISSÃO DE PRONÚNCIA, O QUE O INQUINA DE NULIDADE, NOS TERMOS DO 195 DO CPC; D. A douta decisão recorrida, muito embora aparentemente, pelo menos, tenha considerado a decisão simples, não fez um correcto julgamento dos factos provados, e do direito aplicável. Tendo, na realidade, feito uma análise algo simplista das questões colocadas nos autos e de todos os factos que para os mesmos foram carreados, o que, salvo o devido respeito, terá levado a um menor acerto da decisão.

E. Foi julgada dispensada pelo Tribunal a quo a inquirição das testemunhas arroladas pelos AA. , sob justificação de que a prova documental constante dos autos foi "suficiente para a decisão", face ao alegado pelas partes, e foi nesta que o douto tribunal a quo fundou a sua decisão.

F. A realização dessa prova testemunhal mostra-se fundamental para comprovar todo o enquadramento dos factos trazido aos presentes autos e que os documentos não espelham. Pelo que, entendem os recorrentes violados os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material aplicável aos autos.

G. Na mesma esteira, com maior importância que a dispensa da inquirição das testemunhas, e sem qualquer fundamento foi ignorado o pedido feito pelos recorrentes, para que aos autos fosse junto o processo Administrativo da D....., Lda, este de extrema importância para aferir da actuação do recorrido no processo de concessão dos incentivos em apreço, o que foi alegado pelos AA. nos artigos 15.° e ss da sua pi, e que aqui se dão por reproduzidos.

H. Da Prova documental junta aos autos com a PI, e como doc n.° 7, resulta claramente que já em 2002 havia sido celebrado pelo recorrido com o mesmo A.....

promotor a que respeita o contrato dos autos, um contrato de incentivos entre o recorrido e o promotor do contrato de incentivos a que respeitam os autos em epígrafe, em tudo idêntico ao contrato em crise decorrendo também dos autos que, quando os recorrentes vêm a outorgar e a constituir-se fiadores no pretenso contrato de fiança, em crise, e que foi 19 de novembro de 2004 - data da sua assinatura-, já aquele outro contrato, da D..... se encontrava incumprido, disso tendo conhecimento o recorrido, que nem poderia ignorar dado que também foi o centro de emprego do Montijo que o instruiu e, presume-se, fiscalizou, mas não os recorrentes.

I. Não obstante aquele incumprimento anterior, o Recorrido, ao arrepio do que se lhe impunha, VEM A CONCEDER NOVO INCENTIVO ÀQUELE PROMOTOR FALTOSO, que se concretizou no contrato da B....., Lda que os Recorrentes vieram a afiançar, desconhecendo tal incumprimento anterior. Isto decorre dos autos, foi alegado pelos Recorrentes, e da análise conjunta de todos os documentos juntos também decorre.

J. O Tribunal a quo vem a considerar e a atender ao contrato da D..... unicamente para apenas daí extrair que os Recorrentes também aí tinham sido fiadores, daí concluindo, embora sem que expressamente resulte do acórdão em crise, que se foram fiadores num sabiam exactamente quais as responsabilidades decorrentes do outro (fls 224 do Acórdão Recorrido). Facto que, e salvo o devido respeito não se presume.

K. Olvidando porém que à data em que se constituem garantes no documento titulado de "CONTRATO DE FIANÇA" - 19 DE NOVEMBRO DE 2004 - a favor da B....., Lda, sem consciência porém da extensão das responsabilidades que daí decorriam, ainda o Instituto Recorrido não os havia notificado do incumprimento verificado relativamente ao primeiro contrato. O que até hoje não fez, diga-se. Pelo que também não podiam saber o que era a tal "renúncia ao benefício de excussão prévia".

L. Repare-se que nos documentos juntos aos autos, designadamente as inúmeras comunicações dirigidas ao instituto réu, nunca os recorrentes pediram ao Instituto RÉU o contrato que haviam garantido quanto à D....., pois a este tiveram acesso antes de outorgarem a fiança, embora também aí desconhecessem os seus integrais efeitos no que tocava à "excussão prévia", porém como o Instituto RÉU na data da constituição da segunda fiança, à B....., de nada os havia notificado do incumprimento do primeiro nem nada os havia chamado a pagar o que quer que fosse, o que, diga-se, até hoje não se verificou.

M. Por tudo isto e para uma correcta tomada de integral conhecimento da realidade a que o douto tribunal a quo foi chamado a intervir, impunha-se pois a junção pelo Recorrido de tal processo de Concessão dos Incentivos à D....., Lda, onde aquele A.....

havia também obtido incentivo, como promotor.

N. Na realidade, e como decorre do douto Acórdão em crise, se inquestionável é que o IEFP, IP, entidade Recorrida, integrada na Administração Pública, e por isso obrigado a uma estrita e rigorosa obediência ao Principio da Legalidade e da Prossecução do Interesse Público, e assim vinculado à produção de decisões e actos administrativos assentes apensas e só na Lei Vigente, esta verdade não poderá valer apenas para defender o acto administrativo em crise, e que levou à total improcedência dos pedidos dos recorrentes.

O. Cremos que, num estado de direito, como ainda julgamos ser o nosso, tais princípios terão de ser rigorosamente analisados, e o seu cumprimento verificado até às últimas consequências, pois que as "regras" não podem apenas ser invocadas para o que é conveniente e olvidadas ou desvalorizadas, para o que não convém ao IEFP recorrido, o que salvo o devido respeito, ocorreu no acórdão em crise.

P. E a verdade é que, se o instituto recorrido está vinculado a exercer a sua actividade de acordo com o princípio da legalidade e de Prossecução do Interesse Público, para adoptar a decisão de reposição das verbas concedidas, mais verdade será que aquele centro de emprego do Montijo antes de conceder tais incentivos também está vinculado àqueles mesmos princípios, o que não fez. A actuação do recorrido pautava-se pois, no que em especial regulava este processo, pela Portaria 196-A/2001, de 10-03 com as alterações introduzidas pela Portaria 255/2002.

Q. Vindo a conceder novos incentivos a um promotor que já à data da aprovação da candidatura aos incentivos que veio a fundar o contrato, e por maioria de razão à data da constituição da fiança e depois, à data da vinculação daquele ao contrato de concessão de incentivos propriamente dito, que ocorreu em 26 de novembro de 2004, já tinha incumprido estava portanto o recorrido legalmente impedido de conceder novo incentivo, dado o incumprimento anterior já estar verificado.

R. Mas concedeu-o, violando o que lhe impunha a Portaria 196-A/2001, DE 10-03 com as alterações introduzidas pela portaria 255/2002.

S. Tudo isto foi alegado pelos Recorrentes, e ignorando pelo Tribunal recorrido, e poderia ter sido documentalmente provado pela análise do PA da D..... que só o Instituto Recorrido tem no seu poder.

T. Facto aquele cuja apreciação pelo Tribunal a quo era essencial para aferir do abuso de direito invocado pelos recorrentes, dado que o Instituto Recorrido sabia no momento em que concede novos incentivos em violação do que se lhe impunha que o contrato anterior de concessão de incentivos em que também foi promotor o A..... estava a ser incumprido.

U. Pelo que o Tribunal a quo, dispensando a junção do processo Administrativo relativo à D....., e desconsiderando, como de interesse para a decisão o incumprimento anterior daquele promotor, só aferível pela consulta daquele PA, susceptível de influir na boa decisão da causa, incorreu e está verificada a nulidade processual prevista do n.° 1 do art.°195.

° do CPC, que aqui expressamente os Recorrentes invocam.

V. No caso dos autos, vem invocado o abuso de direito, o qual sempre deveria ser objecto de apreciação e decisão à luz de tudo quanto foi alegado pelos recorrentes até por ser de conhecimento oficioso (cfr., designadamente, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 5.11.99 - COL/STJ - 3°/124). E é consabido que uma das modalidades que pode revestir o abuso do direito encontra guarida no instituto jurídico denominado venire contra factum proprium.

W. Esta vertente do abuso do direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela...

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