Acórdão nº 010/20.1BEMDL-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução10 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1- A Presidência do Conselho de Ministros e a REN – Rede Eléctrica Nacional, SA, ambos com os sinais nos autos, inconformadas com o acórdão de 18 de Junho de 2020 deste STA, proferido em acção cautelar em 1ª Instância, recorrem para o Pleno da Secção do STA, apresentando as seguintes conclusões: A – Presidência do Conselho de Ministros 1. Em causa nestes autos está uma resolução do Conselho do Ministros que, nos termos da LBS do RJIGT, suspendeu um plano director municipal para possibilitar a expansão da rede nacional de transporte de electricidade e adoptou medidas preventivas, com fundamento na protecção ambiental (redução de emissões de gases com efeito de estufa) e na segurança e independência energética.

  1. O Acórdão recorrido deferiu a providência cautelar (i) com base em prejuízos que não resultam do ato suspendendo, cuja verificação simplesmente presumiu, (ii) com fundamento na ilegalidade de normas contidas no RJIGT, na natureza antecipatória das medidas preventivas adoptadas e no princípio da autonomia local, (iii) considerando, ao nível da ponderação de interesses, que o interesse público energético não prevalecia em relação aos interesses locais invocados. Contudo, em todas estas fases de aplicação dos pressupostos de decretamento de providências cautelares, o Tribunal procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas.

  2. Os prejuízos alegados pelo Recorrente e reconhecidos no Acórdão não são susceptíveis de resultar do ato suspendendo, mas sim de um eventual ato futuro de licenciamento, que é um ato em tudo distinto daquele que está em causa nos presentes autos - no regime jurídico, nos pressupostos, e até na entidade com competência para o praticar. O único efeito do acto cuja suspensão de eficácia se requer é a continuação do procedimento de licenciamento, que não é, em si, susceptível de lesar nenhum interesse público.

  3. Não há qualquer indício que se vá proceder à execução do projecto sem o necessário licenciamento.

  4. Portanto, o Acórdão recorrido viola o disposto no artigo 120º, nº 1, do CPTA, uma vez que o acto suspendendo é autónomo do acto de licenciamento, pelo que os prejuízos não resultam, nem é provável que resultem, do acto, e o que se exige é a probabilidade de verificação de danos resultantes do ato em causa, e não de outros actos eventuais futuros com ele relacionados.

  5. Mesmo que assim não fosse, o Acórdão presume a existência dos prejuízos alegados pelo Requerente e faz juízos de prognose, de natureza técnica não-jurídica, sem qualquer fundamento abstracto ou concreto, sem que nada nesse sentido, nem indiciariamente, resulte da matéria dada como provada, desconsiderando a análise feita pela Comissão de Avaliação no âmbito do procedimento de avaliação de impacto ambiental e as conclusões a que aí se chegou quanto à probabilidade de ocorrência desses prejuízos.

  6. O Acórdão presume, sem fundamentar, que as medidas preventivas adoptadas são de natureza antecipatória, quando uma análise detalhada do ato permite facilmente concluir que as medidas adoptadas são puramente conservatórias, limitando-se a proibir certas acções.

  7. É o ato de suspensão do PDM que habilita o prosseguimento do procedimento de licenciamento, algo que poderia ocorrer sem que tivessem sido decretadas quaisquer medidas preventivas, o que demonstra que, também aqui, o Acórdão confunde os efeitos de actos distintos, neste caso formalmente contidos na mesma resolução.

  8. O Acórdão afasta a norma constante do artigo 134º nº 8, do RJIGT, que habilita a adopção de medidas para execução de empreendimentos de relevante interesse público, com fundamento na sua ilegalidade por desconformidade o artigo 52º da LBS, mas não se retira da LBS o afastamento tout court das medidas preventivas antecipatórias, mas apenas da sua limitação a situações de excepcionalidade, como é o caso.

  9. O Acórdão também procede a uma errada aplicação das normas ao caso ao considerar que não há fundamento para impor ao Requerente a revisão do PDM tendo em conta a execução do projecto, porque ignora que, por existir um programa setorial - Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico, que até se refere no Acórdão -, esse dever já impendia sobre o Município aquando da recente revisão que fez ao PDM, nos termos do artigo 22º nº 2, do RJIGT.

  10. O Acórdão viola o disposto no artigo 120º, nº 2, do CPTA, por desconsiderar a existência de um interesse público ambiental nacional e internacional de combate às alterações climáticas, limitando a sua apreciação ao interesse energético, o que é especialmente grave atendendo a que o artigo 9°, nº 2, do RJIGT elege o interesse ambiental como o primeiro dos interesses que se devem considerar prevalecentes na ponderação de interesses no que toca ao uso do solo.

  11. Não se procedeu no Acórdão à ponderação dos interesses em concreto, o que também consubstancia uma violação ao imposto pelo artigo 120º nº 2, do CPTA, dado que, conforme foi demonstrado pormenorizadamente na Oposição, os únicos interesses que podem estar em causa com o licenciamento do projecto que, uma vez mais, não é o acto suspendendo - são relativos à paisagem e ao património arqueológico, estando em causa com o deferimento da providência o interesse ambiental de redução de emissões de gases com efeito de estufa e a independência e segurança energéticas, que não podem deixar de prevalecer.

    * B - REN – Rede Eléctrica Nacional, SA 1. O Acórdão aqui em crise efetuou uma interpretação e aplicação das normas da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e dos princípios gerais de direito, nomeadamente do princípio da autonomia local em que se motiva, não consentânea com o bloco de legalidade em matéria de ordenamento do território, em especial com a Constituição da República Portuguesa (CRP) que assume claramente que o ordenamento do território e o urbanismo são domínios abertos à intervenção concorrente do Estado e das Autarquias Locais por força do disposto no artigo 65.°, n.° 4 da CRP.

  12. O acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, substituindo-se ao Autor na identificação das causas de pedir e dos prejuízos, e erro de julgamento, por violação da lei substantiva e processual, no que concerne ao preenchimento dos requisitos para o decretamento da providência e contradição entre os fundamentos utilizados, e por extravasar o poder jurisdicional em violação do princípio da separação de poderes.

  13. Toda a fundamentação do Acórdão na parte respeitante ao requisito legal do fumus boni iuris assenta numa pretensa violação pelo ato suspendendo de disposições legais da LBPSOTU, nomeadamente artigo 9.°, 46.°, 52.°, 53.°, do RJIGT, nomeadamente artigo 3.° e no princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, sem que tais vícios tenham sido alegados pelo Município no requerimento inicial. Se é certo que na interpretação e aplicação do direito o tribunal não está condicionado às alegações das partes, também não se pode substituir a estas no efeito jurídico por estas pretendido, nem pode ele próprio oficiosamente aportar os fundamentos do pedido substituindo-se ao que é um ónus do requerente (v. artigo 114.°, n.° 1 alínea g) do CPTA).

  14. As providências cautelares não têm por objeto o julgamento da legalidade do ato suspendendo, mas apenas a apreciação da verificação ou não verificação dos requisitos legais previstos para o seu decretamento, requisitos esses que têm sede essencial no disposto no artigo 120.° do CPTA, designadamente a demonstração por parte do Requerente da probabilidade de procedência da ação principal.

  15. Não podia o Tribunal para preenchimento do requisito do fumus boni iuris atender a outras causas prováveis de invalidade do ato suspendendo e a fundamentos não alegados. Tendo-o feito, o acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo e fez errada interpretação e aplicação do artigo 114.°, n.° 1 al. g) do CPTA) e, no mesmo passo, incorreu em excesso de pronúncia, conhecendo de fundamentos cujo conhecimento lhe estava vedado. De acordo com o preceituado no artigo 615.°/l/d) do CPC, aplicável ao contencioso administrativo ex vi do artigo l.° do CPTA, a sentença é nula, além de outros casos, quando o juiz "conheça de questões de que não podia tomar conhecimento." 6. Ao julgar verificada a existência de fumus boni iuris por entender indiciada a violação dos artigos 46.° e 52.° da LBPSOTU, dos artigos 3.° e 126.° do RJIGT, bem como do princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, ilegalidades não invocadas pelo Requerente no r.i, o acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo e o artigo 114.°, al g) do CPTA, pois não pode o tribunal substituir-se ao Requerente da providência na indicação dos fundamentos do pedido.

  16. Tendo decidido nos apontados termos, com base num juízo de probabilidade da procedência de causas de invalidade não alegadas como fundamento do pedido cautelar, o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 615.° e 666.° do CPC, vício que importa suprir pelo Tribunal a quo.

  17. Ainda que às providências cautelares instrumentais de processos impugnatórios seja de aplicar o disposto no artigo 95.°, n.° 3 do CPTA, no que não se crê e apenas por razões de patrocínio se equaciona, ainda assim haveria excesso de pronúncia, na medida em que não foi exercido o contraditório, o que sempre impediria que o Acórdão para preenchimento do fumus boni iuris se fundamentasse em causas de pedir não alegadas.

  18. O acórdão recorrido é nulo, pois ainda que aqui fosse aplicado o disposto no artigo 95.°, n.° 2, do CPTA, não poderia o Tribunal decidir o preenchimento do requisito do fumus boni iuris com base na provável procedência de causas de invalidade não alegadas sem que, previamente, tenha ocorrido o exercício do contraditório, violando desse...

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