Acórdão nº 298/18.8GBABT-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO 1 - No âmbito do procº 298/18.8GBABT foi o arguido F… condenado, pela aprática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e 2, por referência ao artº 132º, nº 2, al. c), todos do Cód. Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão

A sentença condenatória contém (antes do dispositivo) uma parte que apreciou o estatuto coactivo do arguido e determinou a sua prisão preventiva, decisão essa que foi reproduzida na acta da leitura da sentença, depois de a mesma ter sido lida e depois de a Magistrada do Ministério Público e o Defensor do arguido se pronunciarem sobre a possibilidade de ser aplicada a prisão preventiva

Ou seja, depois de ter sido lida a sentença na qual se condenou o arguido e se inseriu, antes do dispositivo, uma decisão sobre o seu estatuto coactivo, fundamentando a aplicação da prisão preventiva, cumpriu-se o contraditório relativamente ao que tinha acabado de ser lido

Pelo menos é isso que consta na acta da leitura da sentença, presumindo-se que quando aí consta que foi lida a sentença é porque a mesma foi integralmente lida, não fazendo sentido que a sentença tivesse sido lida com omissão da decisão sobre a prisão preventiva que lá estava escrita

Não se discute, nem isso está em causa no recurso, qual o local adequado para ficar a constar a decisão sobre o estatuto coactivo do arguido, mas o que não faz sentido é que fique escrita na sentença e que, após, a leitura se “retome” o assunto, cumprindo-se o contraditório e reproduzindo-se na acta da leitura da sentença a decisão acabada de ser inserida nessa mesma sentença

Se se pretendia cumpriu o contraditório, como, e bem (cfr. artº 194º, nºs 1 e 4, do C.P.P.), se cumpriu, então o que faz sentido é não fazer qualquer referência na sentença e depois de a mesma lida, resolver a questão na acta da leitura, ficando aí a constar o que foi dito e decidido sobre a mesma

Bem se sabe que a previsão do reexame da situação coactiva do arguido está prevista no nº 4 do artº 375º do C.P.P. que tem como epígrafe “sentença condenatória”, parecendo que tal reexame deva estar incluído na sentença, o que tornaria mais “difícil” o cumprimento do contraditório

Como já se referiu, não é questão que aqui deva ser apreciada, sendo que o que é relevante é que a decisão ficou a constar em dois momentos diferentes e, assim, como bem refere o Exmº P.G.A. como questão prévia no seu parecer, podia correr-se o risco de ter duas decisões contraditórias

Podia, mas não vai acontecer, uma vez que compulsado o processo principal constatou-se que aí foram interpostos recursos da sentença condenatória (posteriormente ao parecer do Exmº P.G.A.), quer pelo Ministério Público (solicitando fixação de pena efectiva de menor duração do que a que foi fixada) e pelo arguido (solicitando a aplicação de suspensão da execução da pena)

Ou seja: nenhum dos intervenientes recorreu da parte da sentença que apreciou o estatuto coactivo do arguido (o que já era previsível para o Ministério Público, uma vez que já havia interposto recurso nesse sentido), designadamente da aplicação da prisão preventiva, pelo que a presente decisão há-de “acompanhar/integrar” o processo principal quando o mesmo for remetido para este tribunal para apreciação dos recursos interpostos da sentença. # 2 – No seu parecer o Exmº P.G.A. faz alusão ao documento que foi junto pelo arguido com a resposta ao recurso, referindo que o mesmo não pode aqui ser considerado

Ora, o documento em causa é uma mera cópia de recibo de pedido de apoio judiciário que nenhuma relação tem com os factos ou com o que está em causa no presente recurso, pelo que nada há a decidir quanto ao mesmo

3 - A decisão constante na acta da leitura da sentença (é dessa decisão que o Ministério Público recorreu) é do seguinte teor: “VI - REVISÃO DA ESTATUTO COATIVO PROCESSUAL DO ARGUIDO (MEDIDAS DE COAÇÃO) Feito o enquadramento factual e jurídico, impõe-se apreciar a revisão da medida de coação adequada ao caso concreto

Antes, porém, façamos uma breve resenha das razões justificativas para a sua aplicação

Portugal sendo um Estado de Direito democrático e social, baseado na dignidade da pessoa humana, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão [cfr. artigos 1.º e 2.º da Constituição da República], impõe que o nosso processo penal, numa perspetiva jurídico-processual, tenha como finalidades, na aplicação da lei penal aos casos concretos, a descoberta da verdade material, a realização da justiça no caso concreto, por meios processualmente admissíveis

A proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos perante o Estado, o restabelecimento do crime e a reafirmação da validade da norma violada – procurando garantir, assim, como afirma o Prof. Germano Marques da Silva «que nenhum responsável passe sem punição (impunitum non relinqui factinus) nem nenhum inocente seja condenado (innocentum non condennari)» - são seus corolários

A realização da justiça pressupõe, pois, a descoberta da verdade material, pressuposto legitimador da necessidade e sujeição da sanção penal, que visa a proteção de bens jurídicos fundamentais, mas também a reintegração do agente do crime na sociedade, sendo certo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa [vid. Artigo 40.º do Código Penal], e ainda o restabelecimento da paz jurídica comunitária, posta em causa através do cometimento do crime

O restabelecimento da paz jurídica dos cidadãos, posta em causa através do cometimento do crime incide, como refere o Prof. Germano Marques da Silva [curso proc. penal citado, p. 25], «tanto no plano individual, do arguido e da vítima, como no plano mais amplo da comunidade jurídica. Esta finalidade liga-se, em grande parte, a valores de segurança e, por isso, merece destaque a posição de Goldschmit, para quem o fim do processo era a obtenção de uma sentença com força de caso julgado». Daí que uma das finalidades do processo penal visa não só a condenação dos culpados mas também a absolvição dos inocentes tendo em vista precisamente o desiderato da paz pública

* Neste âmbito, as medidas de coação são meios processuais penais limitadores da liberdade pessoal, de natureza meramente cautelar, aplicáveis a arguidos sobre os quais recaíam fortes indícios de um crime

As finalidades das medidas de coação constam do artigo 204.º do CPP, que dispõe: nenhuma medida de coação prevista no capítulo anterior, à exceção da que se contém no artigo 196.º [termo de identidade e residência] pode ser aplicada se em concreto se não verificar: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa

No artigo 192.º do CPP dispõe-se sobre as condições gerais de aplicação das medidas de coação que deve, no entanto, ser conjugado com o artigo 204.º (e artigo 227.º, para as medidas de garantia patrimonial), do mesmo diploma legal

O arguido encontra-se sujeito a termo de identidade e residência

Existe abundante informação nos autos, que o arguido padece de uma patologia de personalidade com caraterísticas agressivas e existe probabilidade de cometer novos crimes decorrentes da mesma (factos 12 a 26) Está, também, plenamente provado que o arguido se ausentou do país, não comunicando tal circunstância ao Tribunal e impedindo a ação da justiça já que se furtou durante vários meses à realização da perícia da sua personalidade e, quando compareceu foi pouco colaborante (factos 27 a 29)

Aliás, a esta avaliação de personalidade veio a revelar a saciedade a “(in)justificação” da agressão contra uma pessoa com 95 anos, que estava ao seu cuidado e que não se locomovia por si só, já estando dependente de terceiros para o efeito

Por outro lado, se aquando da sujeição do arguido à supra referida medida de coação (TIR), havia meros indícios da prática, pelo mesmo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, atualmente, existe a certeza (o que é mais do que fortes indícios) da prática em autoria material, do aludido crime, pelo qual é condenado, nesta data, pela presente decisão, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão

Na verdade, realizado o julgamento, no qual foi ampla e solidamente apurada a factualidade, através da produção e discussão de toda a prova, com totais garantias e em pleno respeito pelo contraditório, o Tribunal tem um pleno convencimento sobre o efetivo cometimento, pelo arguido do grave crime pelo qual vai ser condenado

Ao arguido acaba de ser aplicada uma pena de prisão efetiva pelo período de 3 anos e 3 (três) meses pela prática de factos que constituem um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. artº 143º nº 1, 145º, nº 1, al. a) e nº 2, por referencia ao art 132º, nº 2, al. c), todos do CPP

Conforme resulta da sentença que antecede, a conduta do arguido é grave e altamente perturbadora, sendo muito provável que o arguido, perante a presente condenação encete nova fuga ou cometa factos ilícitos da mesma natureza contra terceiros. Tal perigo está agora potenciado pela aplicação de uma pena de prisão efetiva que poderá levar o arguido, atentas as características da sua personalidade, a intensificar e agravar a sua conduta em relação a terceiros com quem convive o arguido, o qual vive com uma companheira e com familiares desta (factos 31 a 39) e por isso não se acompanha a douta promoção do MP neste aspeto

É assim patente que existe perigo da continuação da atividade criminosa

Mas, mais ainda, tem o Tribunal, neste momento, o pleno conhecimento dos completos contornos do grau de participação e do papel do arguido no cometimento do crime e uma perfeita...

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