Acórdão nº 105/18.1JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal coletivo) n.º 105/18.1JACBR que corre termos na Comarca de Coimbra, Vagos – Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 4, em 9/6/2020, foi proferido Acórdão, cujo dispositivo é o seguinte: “Pelo exposto e decidindo: Julgando a acusação deduzida contra o arguido L., procedente por provada o Tribunal condena-o: A. Como autor material de um crime de peculato, previsto e punível pelos artigos 375.º, n.º 1, do Código Penal na pena de 3 [três] anos e 6 meses de prisão; B. Como autor material de um crime de violação de segredo de correspondência ou de telecomunicações, previsto e punido pelos art.ºs 384.º, al. b), e 386.º, n.º 2, do Código Penal na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão.

  1. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido L., o Tribunal condena-o, a final, na pena única de 5 [cinco] anos de prisão.

  2. Suspende a execução da pena única em que o arguido L. é condenado pelo período de 5 [cinco] anos sujeitando tal suspensão a regime de prova a elaborar pela D.G.R.S.P.

  3. Declara-se a perda a favor do Estado, da vantagem patrimonial lograda obter pelo arguido L., importando a mesma no montante de €9.982 [nove mil novecentos e oitenta e dois euros ]37 considerando o montante já depositado nos autos pela coarguida M., determinativa da suspensão provisória do processo que concedida lhe foi em sede de decisão instrutória.

  4. Estabelece-se o pagamento das custas criminais pelo arguido L. com taxa de justiça que se fixa em 2 Ucs.

  5. Notifique.

  6. Deposite o presente acórdão.

    1. Após trânsito: a) remeta boletim ao registo criminal.

    b) Proceda-se a recolha de ADN ao arguido L. - cfr. art.° 8.°, n.º 1, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.

    c) Comunique, enviando certidão do acórdão condenatório, com nota de trânsito em julgado, ao Instituto Nacional de Medicina Legal, IP (cfr. arts. 5.° da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro e 7.° do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN), dando conta do paradeiro actualizado do arguido e da identidade e endereço profissional da ilustre defensora daquele.” **** Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 9/7/2020, o arguido, pugnando, a título principal, pela sua revogação e substituição por outra que o absolva da prática dos factos constantes das alíneas c) e t) do n.º 10 dos factos provados e que o condene apenas pela prática de um crime de peculato na pena de dois anos, extraindo da Motivação as seguintes conclusões: Impugnação da matéria de facto Erro de julgamento 1ª. (…).

    2ª –

  7. Concretos pontos de facto incorretamente julgados: (Tendo em consideração a numeração usada no douto Acórdão recorrido para discriminar os factos provados): 10. c) – “(…) No dia 02/12/2016, o arguido procedeu à venda dos sobreditos objectos no estabelecimento comercial propriedade da sociedade “…”, sito em Coimbra, pelo valor de 205,00 €”, t) “t) Em data não concretamente apurada do mês de Fevereiro de 2018, mas posterior ao dia 8 e anterior ao dia 15, o arguido apropriou-se nos moldes acima descritos do conteúdo da encomenda enviada por Express Mail pela firma “…” e cujo destinatário era S., residente na Rua (…), nº 34, (…) e que continha no seu interior vários artefactos em ouro, nomeadamente três alianças em ouro e ouro de lei (matéria prima) no valor total de 3.927,30 €.” 3º - B) Concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida: O Douto Acórdão, na sua fundamentação e no que à prova documental diz respeito, refere: “…para além e concretizando em maior pormenor a atuação do arguido, remetida a cada passo em nota de rodapé para os factos a cada passo elencados, teve-se ainda em conta:…” 10. C) Quanto a estes factos, na nota de rodapé consta “cfr. objetos assinalados nas listagens de fls. 232 a 237”.

    Consultando tais folhas, verifica-se que é uma relação semanal de compras de materiais preciosos (art.º 66.º da Lei n.º 98/2015, de 18 de agosto) da firma “…”, de 02-08-2016 a 14-02-2016. A fls. 235, na identificação do vendedor não consta o arguido, ora recorrente, mas sim a anterior coarguida M..

    Entendemos assim que o simples confronto com tal relação permite considerar como não provado ter sido o arguido, ora recorrente, quem procedeu à venda de tais objetos.

    10. T) 1) Depoimento em audiência de julgamento do arguido, ora recorrente, nos trechos seguintes (…).

    (…) 2) Depoimento em audiência da Testemunha (…).

    (…).

    3) Depoimento em audiência da Testemunha (…), funcionário dos CTT, na área da Inspeção.

    (…).

    4) Faturas de fls. 184 a 190 (38 alianças) Mapa de desaparecimento de fls. 339.

    Relatórios de Ocorrência de fls. 143 a 145, 178, 200, 201, 221, 222.

    Auto de visionamento de registo de imagens de fls. 535.

    Autos de busca e apreensão de fls. 281, 284 a 296.

    O arguido nega ter-se apoderado da encomenda referida no ponto t, continuam a desaparecer encomendas nos CTT após ter rescindido o seu contrato laboral, o ofendido R. não foi confrontado com nenhum objeto tendo apenas visionado umas fotografias, tendo-lhe parecido reconhecer uma das alianças, sendo certo que não foi apreendida na sua posse ou na casa do arguido nenhuma das alianças, das 38 que desapareceram.

    Acresce que a encomenda só chegou ao Centro de distribuição de (…), local de trabalho do arguido, ora recorrente, no dia 10 de fevereiro, no dia seguinte ao envio, data em que não existe nenhum relatório de ocorrência da PSG, Segurança Privada, que descreva um qualquer movimento suspeito do arguido, apesar de estarem focados nos movimentos do arguido, cfr. relatórios de ocorrência de fls. 143 a 145, 178, 200, 201, 221 e 222 e auto de visionamento de registo de imagens de fls. 535.

    4ª C) A conjugação das mencionadas provas permite concluir: Que não foi o arguido que, no dia 02/12/2016, procedeu à venda dos sobreditos objetos no estabelecimento comercial propriedade da sociedade “…”, sito em (…), pelo valor de 205,00€; Que o arguido não se apoderou da encomenda referida no ponto t, dos factos provados; 5ª O Acórdão recorrido traduz uma incorreta análise e valoração da prova produzida.

    6ª (…).

    7ª A condenação do arguido, ora recorrente, assenta em presunções. (…).

    8ª In casu, a conjunção factual não permite, segundo as regras da experiência, uma conclusão sobre a prova, para além da dúvida razoável, dos factos imputados ao arguido L., ora recorrente, pelo que estamos, salvo o devido respeito que é muito, perante uma situação de apreciação arbitrária da prova.

    9ª (…).

    10ª (…).

    11ª A interpretação feita pelo Douto Tribunal a quo da prova produzida é violadora dos Princípios Básicos do Estado de Direito Democrático, nomeadamente o artigo 32.º da CRP, ferindo-a de inconstitucionalidade material que, desde já, se invoca.

    12ª Deste modo, considerando o atrás exposto, o Tribunal não assentou a sua decisão em factos certos, antes, pelo contrário, em meras convicções e presunções. Ora, perante tal incerteza, deve o arguido ser absolvido destes factos pelos quais foi condenado.

    Sem prescindir do atrás exposto, sempre se dirá: Concurso de crimes: concurso real/aparente (consunção) 13ª (…). Não ignorando que tais crimes visam tutelar bens jurídicos distintos, temos para nós que a mesma factualidade não permite a imputação autónoma ao arguido de um crime de violação de segredo de correspondência ou de telecomunicações, pelo que entendemos que estamos, no caso dos autos, perante uma situação de concurso aparente de crimes, encontrando-se o crime de violação de segredo consumido pelo crime de peculato.

    14ª Conclusão a que se chega lançando mão dos critérios da unidade de sentido do facto ilícito global-final e, particularmente, dos critérios do crime instrumental ou crime-meio e da unidade de desígnio criminoso.

    15ª (…).

    16ª No caso dos autos, o arguido, ora recorrente, numa convergência temporal procedia à abertura das encomendas, para se apropriar do seu conteúdo, numa continuidade de desígnio criminoso, numa única opção desvaliosa, correspondendo a uma única resolução, inexistindo, portanto, um desdobramento numa repetição do querer por parte do arguido.

    17ª Estamos perante um crime-meio, cuja prática surge indissociável do crime de peculato, precisamente porque o modus operandi pressuponha, indispensável e necessariamente, o abrir das encomendas. (…).

    18ª Verifica-se o aludido critério de indispensabilidade do crime de violação do segredo de correspondência (crime-meio) relativamente ao crime de peculato, que permite retirar autonomia ao crime instrumental (ou crime-meio), pelo que a situação terá de ser enquadrada a favor da incriminação exclusiva pelo crime-fim, por aplicação das regras da consunção impura.

    19ª (…).

    20ª A não se entender assim, a interpretação conjugada dos artigos 30.º, n.º 1, 375.º, n.º 1, 384.º, al. b), do Código Penal, no sentido de que, apesar de ambos os crimes de peculato e violação de correspondência serem integrados por um mesmo e único comportamento, e por uma mesma e única resolução criminosa, numa concentração temporal única e simultânea, deve, ainda, assim, o seu agente ser punido pela prática dos dois crimes em concurso real, é inconstitucional por violação do princípio ne bis in idem previsto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP. Inconstitucionalidade que aqui expressamente se invoca.

    Sem prescindir do supra referido, Determinação elevada da medida concreta da pena 21ª (…).

    22ª (…).

    23ª (…).

    24ª Atento o exposto – os factos considerados provados, o circunstancialismo em que ocorreram (dificuldades económicas por si sentidas), a ausência de antecedentes criminais, (…), (tudo conforme consta do Douto Acórdão) – a pena de prisão deveria situar-se próxima do limite mínimo da moldura penal, revelando-se, deste modo, a aplicação da pena de prisão de 2 (dois) anos pela prática do crime de peculato como suficiente para alcançar os fins de prevenção pretendidos.

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