Acórdão nº 9651/16.OT8LSB.L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | PAULA SÁ FERNANDES |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça A Autora/ Clínica Atlântida, Lda.
, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra a Ré /Centro de Diagnóstico Por Imagem Dr. Mesquita Guimarães, Lda.
A Autora peticionou a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 34.074,15 a título de restituição dos valores pagos em cumprimento do contrato celebrado entre as partes, com fundamento no incumprimento da ré, bem como da quantia de € 5.000,00 a título de indemnização pelas despesas por si suportadas com a preparação do negócio, pelas expectativas frustradas com o referido incumprimento e pelos lucros cessantes atenta a impossibilidade de prestar cuidados de saúde na área da radiologia aos seus utentes, tudo acrescido de juros de mora; e, caso assim não se entenda, a condenação da ré a restituir-lhe a aludida quantia de € 34.074,15 com base no enriquecimento sem causa.
A Ré, em sede de contestação, alegou que sendo o incumprimento do contrato imputável à Autora, nada tem de lhe restituir, mas declarou, à cautela, pretender fazer valer a compensação por alegados prejuízos que lhe terão sido causados em montante igual ao do pedido.
O Tribunal de 1.ª instância julgou a ação improcedente, o Tribunal da Relação julgou na procedência da apelação interposta pela autora, condenou a ré a pagar a esta a quantia de € 37.074,15, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
A Ré, inconformada, interpôs recurso de revista, tendo elaborado as seguintes Conclusões: 1 – Não obstante o presente recurso ter por base a apreciação jurídica da questão, não pode a mesma dissociar-se da análise crítica dos factos dados por proados.
2 - Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Douto Tribunal da Relação recorrido ao considerar que estamos perante um contrato definitivo e não um contrato promessa, considerando que o incumprimento foi da aqui Recorrida.
3 - A situação é ainda mais complexa, pois as partes (embora na sua disponibilidade e vontade) optaram por não reduzir a escrito os elementos do negócio.
4 - Não pode deixar-se de se considerar que estaremos no âmbito de um contrato-promessa tal como configurado ou no âmbito de uma figura contratual mais complexa com a existência de uma terceira parte.
5 - Não se pode sustentar a tese do Douto acórdão recorrido de que nenhuma das partes sequer configurou a possibilidade do contrato promessa ou aplicação das normas que o regem.
6 - O tribunal a quo não está vinculado à apreciação jurídica que as partes fazem da questão.
7 - A ora, Recorrente, na contestação (patrocinada por outro M. Ilustre Advogado que não a ora subscritora) nem sequer tece alegação de Direito.
8 - A Recorrida, e pese embora configure a situação no âmbito do incumprimento contratual na sua petição inicial, a verdade é que no artigo 57º, embora sem remeter para o regime jurídico do contrato promessa (como foi aplicado pela Douta sentença) até admite “No caso concreto, não só a R. não concluiu com o negócio, como deliberadamente cancelou todo o processo efetuado até então.” 9 - O “cancelamento do processo até ao momento” eram na verdade as obrigações decorrentes para a celebração do negócio final e contrato de transmissão definitivo, que teria de ser precedido de licenciamento e aprovação pelas autoridades públicas competentes.
10 - Resulta claro que o alegado incumprimento a que se refere é a celebração do negócio definitivo, como bem interpretou de Direito a Douta sentença do tribunal de primeira instância.
11 - Não pode colher a tese defendida pelo Douto acórdão recorrido que indica que o contrato se tornou “perfeito” do ponto de vista jurídico quando as partes acordaram a transmissão, o preço e o pagamento em prestações.
12 - A aqui Recorrente nem sequer tinha a disponibilidade de contratação e transmissão da convenção celebrada com o Serviço Nacional de Saúde, resultando claro isso do facto de que, após as partes terem alcançado acordo sobre a transmissão, preço e forma de pagamento, enviaram uma carta conjunta à Administração Regional da Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) a expor a intenção de transmissão.
13 - Mesmo com o parecer favorável da ARSLVT, o negócio ainda não se podia sequer considerar perfeito.
14 - A Recorrida tinha ainda de proceder a todo o licenciamento das instalações e equipamentos por forma a permitir que fosse transmitida a convenção pela ARSLVT, sem o qual nunca seria aprovada a transmissão da convenção celebrada com a ARSLVT.
15 - Este é o elemento determinante para se concluir pela celebração de um contrato promessa e não por um contrato definitivo.
16 - O licenciamento de instalações e de equipamentos médicos não se trata de procedimentos acessórios posteriores administrativos, são elementos necessários, obrigatórios e essenciais para que possa ocorrer essa transmissão.
17 - Consta do website da ARSLVT os procedimentos para a efetivação dessa transmissão, podendo ser consultado em http://www.arslvt.min-saude.pt/pages/384. E é público e claramente visível dessa informação disponibilizada que, na especialidade de radiologia, essa possibilidade de transmissão está dependente de licenciamento específico.
18 - Foi por não existir ainda o licenciamento necessário que não foi celebrado o contrato final, mas sim um contrato promessa.
19 - É essa a essência do recurso ao instituto do contrato promessa: as partes por um motivo ou outro não estão ainda em condições de celebrar o contrato definitivo, mas pretendem vincular-se às obrigações de forma a garantir a celebração do negócio definitivo.
20 - A Recorrida não tinha ainda o licenciamento que lhe permitisse ver aprovado pela ASRLVT a transmissão da convenção, mas pretendia garantir a celebração do negócio definitivo.
21 - E foi nesse intuito que foi acordado um pagamento parcelado que, nos termos do disposto no artigo 441º do Código Civil, todas as quantias entregues assumem o carácter de sinal.
22- Mesmo que as partes lhe deem denominação distinta, falando em pagamento em prestações, o que foi prestado pela ora Recorrida foi o pagamento do sinal e reforço de sinal que constituiria o pagamento do preço acordado na transmissão definitiva.
23 - Não pode o Douto acórdão recorrido caracterizar como “deveres contratuais acessórios ao negócio” e “condições administrativas indispensáveis” a obtenção de licenciamento e todo o processo posterior de transmissão junto da ARSLVT, pois esta entidade não é somente uma entidade administrativa de licenciamento, é a detentora dos direitos e deveres decorrentes da convenção originalmente celebrado com a aqui Recorrente.
24 - O negócio acordado entre a Recorrente e Recorrida é quase de natureza híbrida, configurando até alguns aspectos de uma cessão de posição contratual.
25 - A ora Recorrida tem celebrada uma convenção com a ARSLVT que lhe confere um determinado número de direitos e deveres e vai transmitir essa “posição contratual” a favor da Recorrente, e é a ARSLVT, numa qualidade de “cedida” que apresenta um parecer favorável à cedência da posição contratual.
26 - E é esta entidade que fiscaliza igualmente se estão reunidas as condições (licenciamento) para que possam ser transmitidas os direitos e deveres que constam na convenção celebrada entre a ARSLVT e a Recorrida.
27 - Poderia até colocar-se a possibilidade de as partes terem pretendido celebrar um negócio...
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