Acórdão nº 21966/15.0T8PRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, residente na Rua da …, nº .., no Lugar de …, freguesia de …. e concelho de …, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra a Clínica Oftalmológica Rufino Ribeiro SA, com sede na Avenida …, …., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 605.000,00 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, tudo acrescido dos juros de mora legais vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, com fundamento em responsabilidade civil por acto médico, do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento peticiona nos autos.

A Ré contestou, reconhecendo ter realizado alguns dos actos médicos invocados pela autora, mas impugnando os demais factos por esta alegados, concluindo pela sua absolvição do pedido, por considerar que todos os actos por si praticados respeitaram a sua legis artis.

Na 1ª instância a acção foi julgada improcedente por não provada.

Por acórdão de 27-06-2018, a Relação do Porto anulou a decisão da matéria de facto, a fim de ser eliminada a obscuridade/deficiência do facto 20, desenvolvendo-se as diligências probatórias necessárias para o efeito, sem prejuízo da alteração de outros factos para evitar contradições, decidindo-se depois de direito em conformidade.

Foi junto aos autos Parecer do Conselho Médico-Legal e realizou-se audiência de julgamento.

A acção foi de novo julgada de improcedente e a ré absolvida do pedido, no essencial por se ter concluído que a autora não logrou demonstrar, como lhe competia, a violação, por parte da ré, das legis artis.

Da sentença foi interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, com um voto de vencido, confirmou a sentença de improcedência da acção.

Ancorou-se, para tanto e em sentido coincidente com a 1.ª instância, na circunstância de a autora não ter feito prova da violação, pela ré, das legis artis e de também não ter ficado demonstrado que tenha ocorrido violação do dever de informação, i.e., do consentimento informado. Em concreto e a este propósito, entendeu a Relação que, apesar de os tratamentos a que a autora foi sujeita poderem estar associados a algumas complicações, sendo as mesmas relativamente raras, não era exigível à ré que a elas fizesse referência de modo expresso e pormenorizado e daí que tenha concluído que a autora foi devidamente informada e esclarecida sobre os actos médicos a que ia ser sujeita.

Para o Sr. Juiz Desembargador que votou de vencido – que concluiu pela falta de consentimento livre e esclarecido e, consequentemente, pela obrigação da ré de indemnizar a autora – relevou o facto de apenas se saber que, no próprio dia das intervenções cirúrgicas e momentos antes destas, a autora assinou um documento, escrito e redigido de modo tabular pela ré, o que não permitiu o necessário período de reflexão.

Ainda inconformada, a Autora interpôs recurso de revista, nos termos do art. 671º, nºs 1 e 3, do CPC, e subsidiariamente a título de revista excepcional no qual formula as seguintes conclusões: 1ª. O contrato de prestação de serviços médicos e médico-cirúrgicos previsto no artigo 1154º do C.C. celebrado entre a autora e uma entidade privada não integrada no SNS, gera uma responsabilidade contratual regulada pelo artigo 762 e 798º do CC, quando existe um cumprimento defeituoso.

  1. Cabia à ré fazer prova de que tinha atuado em conformidade com as boas práticas, diligência e cuidado, a que estava contratualmente obrigada. Porém, a ré reconheceu, como consta da factualidade dada como provada, que a perda de visão da autora resultou de uma intervenção médica, ocorrida nas suas instalações, tendo ordenado a deslocação da autora de urgência, quando esta telefonou a queixar-se de dores, para a submeter a uma intervenção cirúrgica urgente. E que a partir dessa data deixou de cobrar quaisquer quantias pelas consultas e tratamentos médicos que prestou à autora, assumindo um ato médico mal sucedido.

  2. Resulta também dos factos considerados provados que a possibilidade de ocorrer complicações, como as que se verificaram na autora, têm uma probabilidade de ocorrer inferior a 3%.

  3. A ré não fez prova de que tivesse atuado de acordo com as melhores práticas da ciência e da técnica. Porém, competia à ré fazer prova de que tinha atuado de acordo com as melhores práticas e de que não existiu um cumprimento defeituoso da obrigação. Ao não resultar provado que a ré tinha atuado de acordo com as melhores práticas, deveria o pedido formulado pela autora ser considerado procedente.

  4. Estamos perante uma obrigação de meios, não estando vinculado a ré vinculada a um determinado resultado, mas apenas a uma boa prática clínica. Porém, uma boa prática clínica não pode agravar, de forma substancial, o estado de saúde da autora. Ela não contratou os serviços da ré para perder a visão. A ré deveria ser responsabilizada pelo insucesso total do tratamento médico-cirúrgico, quando no estado atual da ciência médica, a possibilidade de insucesso era muito diminuta.

  5. Os profissionais da ré estavam vinculados a atuar de acordo com legis artis, sendo a culpa apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso nos termos do artigo 487º, 2 e artigo 799º, nº 2 e 1154º CC.

  6. O douto acórdão recorrido interpretou de forma errónea os artigos 487º, nº 2, 799º, nº 2 e 1154º do CC e fez uma deficiente submissão dos factos considerados provados a estes normativos. Com efeito, uma interpretação adequada destas normas concluiria existência de conduta ilícita, resultante da violação da legis artis e da falta de diligência e de um nível de atuação aquém de um profissional médio. Esta conduta ilícita e pouco diligente foi adequada a causar no corpo e na saúde da autora. Pelo que deveria o pedido formulado pela autora ser considerado procedente.

  7. A autora/recorrente não prestou um consentimento esclarecido para realização dos tratamentos médico-cirúrgicos a que foi submetida. A intervenção médica não era urgente, sendo a conduta da ré ilícita, existindo dever de indemnizar.

  8. O consentimento da paciente para a intervenção do tratamento médico-cirúrgico tem a natureza de um direito fundamental (artigo 3º, nº 2 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia; artigo 16º, nº 1 e 26º, nº 1 da CRIP e CDHB, nº 2).Tal consentimento tem de ser livre e esclarecido. Quando o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico é ilícita, por violação do direito à autodeterminação, existindo responsabilidade por todos os danos derivados de uma intervenção médico-cirúrgica não autorizada.

  9. Tal consentimento tem de ser livre e esclarecido. Quando o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico é ilícito, por violação do direito à autodeterminação, existindo responsabilidade por todos os derivados de uma intervenção médico-cirúrgica não autorizada.

  10. A autora não esclarecida, sobre o tratamento concreto a que iria ser submetida, bem como das vantagens e riscos que dele poderiam advir, com informação suficiente para refletir e decidir. A intervenção médica da ré foi programada, não se tratou de uma urgência. E a doente tinha todas as faculdades mentais e físicas para decidir em consciência.

  11. O ónus da prova sobre o consentimento informado cabia à ré, cabendo-lhe provar que: a) forneceu à paciente/autora toda a informação; b) que a paciente não recusou o tratamento médico-cirúrgico depois de devidamente informada; c) dos riscos que poderiam advir da intervenção médico-cirúrgica.

  12. Havendo falta de consentimento a intervenção médico-cirúrgica foi ilícita (artigo 156º, nº 1 do CP). Pois de acordo com esta norma o consentimento só é eficaz, quando o paciente tiver sido livremente esclarecido sobre o diagnóstico, a índole, o alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção e do tratamento.

  13. Por sua vez o nº 5 da CDHB que a intervenção no domínio da saúde só pode ser efetuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos, a pessoa em questão pode em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento.

  14. O artigo 38º do Estatuto da Ordem dos Médicos estipula...

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