Acórdão nº 1303/17.0T8VCD.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. BB (A.) instaurou, em 28/10/2017, ação declarativa para reconhecimento da paternidade, sob a forma de processo comum, contra AA (R.), alegando, sem síntese, que: .

A A. nasceu em 00/00/1971, tendo sido registada como filha de CC e de DD, reciprocamente casados de 00/00/1966 a 00/00/1985; .

Porém, a A.

não é filha biológica de DD, mas de AA, ora réu. Concluiu a pedir que fosse reconhecida a sua paternidade como filha de AA.

  1. O R. apresentou contestação a impugnar o alegado pela A. e a invocar a caducidade do direito por ela peticionado, pugnando pela improcedência da ação.

  2. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 276-287/v.º, datada de 26/11/2019, a julgar procedente a exceção da caducidade invocada e, por tal via, improcedente a ação com a consequente absolvição do R. do pedido.

  3. Inconformada, a A. recorreu para o Tribunal da Relação …, sendo proferido o acórdão de fls. 342-363, datado de 28/04/2020, nos termos do qual se considerou não verificada a exceção caducidade, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a ação procedente com a declaração de que a A. filha do R.. 5.

    Desta feita, vem o R. pedir revista, para o que formulou seguintes conclusões: 1.ª – Está dado como provado que a A. sabia, desde antes de 1991, que o R. era seu pai e que a pessoa que aparecia como seu progenitor e marido da mãe não o era.

    1. - Impõe o artigo 1817.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), do CC que o prazo para intentar a ação caduca ao fim de dez anos, o que aconteceu relativamente ao direito da A. para intentar a presente ação de investigação de paternidade e que deve ser declarado.

    2. - Por outro lado, desde antes de 1991 até 2017, jamais a A. questionou tais factos, que foram dados como provados.

    3. - Em 2017, intentou ações de impugnação e de investigação praticamente em simultâneo.

    4. - A motivação para tal prende-se com a idade avançada do R. e da fortuna pessoal a que ela se quer apropriar na sua parte.

    5. - O comportamento da A. não está eivado pela boa-fé e muito menos tem cobertura legal, por via do instituto do abuso de direito (334.º CC) que impede este tipo de comportamentos que se querem servir da lei para interesses materiais egoísticos.

    6. - Aceitar-se que não está prescrito ou que não está ferido de invalidade, por abuso de direito, um tal entendimento é altamente perturbador do status quo estabelecido.

    7. - Se a filha tem o direito de ver a sua identidade reconhecida, terá de o fazer num prazo razoável, como emerge da boa fé, porque se ela é "inocente", a família do pai também o é; logo, o prazo de prescrição também serve para não “absolutizar” o direito da filha, esmagando tudo à sua passagem.

    8. - Quem estiver de boa fé em querer saber quem é o seu progenitor age imediatamente ou logo que o puder fazer. Não é só pela segurança jurídica; é principalmente pela estabilidade pessoal e familiar de todos os envolvidos.

    9. - E não se venha dizer, como fez o Tribunal da Relação, referindo-se ao dicotomia “acção de impugnação vs. acção de investigação” que, em relação à primeira, “até ao trânsito em julgado desta acção não era legalmente possível estabelecer a paternidade, é manifesto que a presente acção foi intentada dentro do prazo legal consagrado no indicado art. 1817.º, n.º 2, do Código Civil”; 11.ª - O prazo para propor a ação de investigação nada tem a ver com o prazo de propor ação de impugnação; são ações autónomas, com prazos próprios.

    10. - É pressuposto para propor qualquer ação judicial que o interessado reúna as condições para a instruir ou para que a mesma tenha validade processual. Não é por ter demorado mais de 25 anos a propor a ação de impugnação que o prazo para a ação subsequente de investigação começa a contar.

    11. - Por esta ordem de ideias, tinha-se encontrado um alçapão legal que permitiria esvaziar de sentido qualquer prazo de prescrição ou de caducidade.

    12. – O direito à identidade, que inclui o direito de conhecer e ter sua ancestralidade reconhecida, é parte integrante do conceito de privacidade. Mas os prazos de prescrição das ações para contestar a paternidade, que permitem um período de tempo razoável para que a criança atue após atingir a maioridade ou conhecimento, constituem medidas necessárias e adequadas para alcançar o objetivo legal perseguido.

    13. - Deve ser o Tribunal a avaliar concretamente se a implementação dos prazos legais limita a privacidade da pessoa em questão de maneira despropor-cional, tendo em conta o objetivo legítimo perseguido, o que, no caso presente, não se verifica.

    14. - A decisão recorrida violou o artigo 1817.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), do CC e os artigos 20.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

  4. A Recorrida apresentou contra-alegações a sustentar a confirmação do julgado.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objeto do recurso Das conclusões do Recorrente, em função das quais se delimita o objeto da revista, resulta que as questões a apreciar são as seguintes: i) – A questão do invocado erro na aplicação do artigo 1817.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), do CC, no respeitante à exceção de caducidade do direito peticionado; ii) – A questão do abuso de direito imputado à A. pela interposição da presente ação.

    iii) – A questão da pretensa violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da...

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