Acórdão nº 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

Em 5.7.2016, a “Companhia de Seguros Tranquilidade SA” (atualmente, denominada “Seguradoras Unidas, S.A.”) instaurou a presente ação contra “LusoTemp - Empresa de Trabalho Temporário, S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: -

  1. A quantia de € 39.661,81, valor despendido pela autora para ressarcir os danos sofridos por AA, bem como o quantitativo que aquela ainda vier a despender no futuro, por virtude do acidente de trabalho que o mesmo sofreu; - B) A quantia de € 35.195,62, valor despendido pela autora no âmbito do acidente de trabalho sofrido por BB; - C) Os juros de mora sobre aqueles montantes, contados desde a data de vencimento das prestações em causa.

    Para tanto, alegou, em síntese, que: A ré é uma empresa de trabalho temporário, à qual os trabalhadores AA e BB estavam vinculados por contrato de trabalho.

    Em 22.05.07, quando os ditos trabalhadores exerciam a sua atividade profissional na empreitada IP... – Eixo …. sobre a Avenida …, em …, ao abrigo de contrato de utilização celebrado entre a ora ré e a sociedade M... – Construção e Estruturas, S.A., sofreram uma queda que lhes provocou diversas lesões, em virtude do incumprimento de regras de segurança por parte da sua entidade patronal, a ora ré.

    A autora, para quem a ré, por contrato de seguro, havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, efetuou pagamentos aos sinistrados, cujo reembolso vem peticionar nesta ação, seja por via do direito de regresso, seja com base em enriquecimento sem causa.

    1. A ré contestou. Por exceção, invocou a prescrição, alegando que, à data da citação, já tinham decorrido mais de 3 anos desde o momento em que efetuou os pagamentos aos sinistrados. Por impugnação, alegou, em síntese, que a violação das normas de segurança que esteve na origem do acidente é imputável à sociedade “M... – Construções e Estruturas, S.A.”, para quem os trabalhadores sinistrados desenvolviam a sua atividade.

    2. Na 1ª instância, foi proferido saneador-sentença a julgar procedente a exceção de prescrição quanto ao montante que a autora pagou a AA, e improcedente relativamente aos pagamentos feitos a BB.

    3. Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso de apelação, tendo a autora, por sua vez, interposto recurso subordinado.

    4. O Tribunal da Relação de …, por maioria, proferiu acórdão em que, alterando a sentença recorrida, julgou improcedente a exceção de prescrição, quanto aos pagamentos efetuados a ambos os sinistrados.

    5. De novo irresignada, a ré interpôs a presente revista, e, nas suas alegações, em conclusão, disse:

  2. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de …, em 03.06.2020, que confirmou a Decisão Singular proferida em 07.01.2020, revogando o decidido em 1.ª Instância em relação à procedência da exceção de prescrição do sinistrado AA, e confirmando o decidido em relação à improcedência da exceção de prescrição do sinistrado BB.

  3. Deve o presente Recurso de Revista ser admitido ao abrigo da aplicação conjugada dos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1 e n.º 3, a contrario, do CCP, na medida em que não só aquele decidiu sobre o mérito da causa (ao julgar a exceção perentória de prescrição do direito de regresso), como o valor do processo (€ 74.857,43) e o da sucumbência (total) mantem aberta a porta da revista normal, esta depois confirmada pela existência de voto de vencido do Exmo. Desembargador ..., que entendeu, em sentido diametralmente aposto, ser de proceder a exceção de prescrição em relação aos dois sinistrados.

  4. Para o caso de assim não se entender, deve o Recurso de Revista ser admitido ao abrigo das alíneas a), e c), do n.º 1, do artigo 672.º, do CPC, pois que, relativamente à alínea a): a compreensão dos termos que balizam a aplicação do direito de regresso, e o porquê das Exmas. Juízes Desembargadoras terem reconduzido o exercício desse mesmo direito “ao conhecimento por parte do seu titular das entidades responsáveis contra as quais esse mesmo direito pode ser exercido” assume uma relevância jurídica fundamental – visto que traduz uma interpretação da nossa lei processual muito própria que, por sua vez, não se encontra sustentada em nenhum exemplo jurisprudencial e/ou doutrinal –, que impõe, por isso, uma necessária a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para efeitos de uma melhor aplicação e uniformização do direito.

  5. E relativamente à alínea c): o Acórdão sob revista encontra-se em contradição com o decidido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 14.01.2020, no âmbito do Processo n.º 131/15.2T8AGN.C1 e já transitado me julgado (acórdão este, citado no voto de vencido do aqui Acórdão sob revista), onde, perante a mesma questão fundamental de direito (direito de regresso da seguradora) se entendeu que “Não obsta à procedência da exceção da prescrição a invocação pela seguradora de impossibilidade jurídica originária de instauração da ação de regresso, por alegado desconhecimento insuperável das causas e circunstâncias de acidente”, e, ainda que “a seguradora, que se remeteu a uma postura de passividade – de que só saiu quando tomou conhecimento da decisão penal estrangeira –, não mostra que a situação não lhe seja imputável, isto é, que não lhe fosse possível, se tivesse agido com a diligência normal de especialista (de que era capaz e que se exigiria a qualquer entidade seguradora), proceder à sua própria averiguação do sinistro e, assim, tomar oportuno conhecimento do efetivamente ocorrido.” E) Assim, deve a presente Revista (normal) ser admitida ao abrigo da aplicação conjugada dos artigos 629.º, n.º 1 e 671.º, n.º 1 e 3 a contrario, do CPC, ou deve a presente Revista (excecional) ser admitida ao abrigo da aplicação conjugada dos artigos 629.º, n.º 1 e 672.º, n.º 1, alínea a) e c), do CPC.

  6. Como é consabido, no que toca à obrigação de indemnização fundada em responsabilidade aquiliana, a lei adota o sistema subjetivo, ou seja, o prazo começa a correr quando o lesado tenha conhecimento dos elementos essenciais do seu direito, o que se encontra disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.

  7. Enquanto que, no que toca ao direito de regresso, a lei adota o sistema objetivo, ou seja, o prazo conta-se a partir do cumprimento da obrigação de indemnização, o que resulta do disposto no artigo 498.º, n.º 2 do Código Civil.

  8. Assim, e porque no presente caso estamos perante o exercício do direito de regresso da Recorrida, deve concluir-se que o Acórdão sob revista padece de manifesto Erro de Julgamento de/na interpretação e aplicação do regime da prescrição do direito de regresso consagrado naquele n.º 2, do artigo 498.º, do Código Civil, na medida em que, este é sempre e apenas de 3 (três) anos e inicia-se a partir do cumprimento da obrigação de indemnização e independentemente do conhecimento do seu responsável e/ou da sua causa, sendo que, se dúvidas existem quanto ao seu responsável, outra solução não resta que não a de recurso ao meio processual próprio, o artigo 39.º, do CPC, que possibilita a instauração da Ação contra os (todos os) possíveis responsáveis.

  9. Este é o entendimento que tem vindo a ser acolhido de forma maioritária pela nossa Jurisprudência e Doutrina mais autorizadas na matéria, sendo sintomático disso mesmo não só o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2018 proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (onde se clarificou que o prazo de prescrição do direito de regresso de uma Companhia de Seguros começa a correr após o pagamento dos danos sofridos pelo seu segurado, visto que só depois desse pagamento pode o seu direito ser exercido nos termos do artigo 498.º do Código Civil); como também o facto do Acórdão ora sob revista ter obtido voto de vencido, com fundamento precisamente naqueles termos e nos termos do decidido – em caso (bastante) similar – no supra citado Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 14.01.2020, no âmbito do Processo n.º 131/15.2T8AGN.C1.

  10. Desta forma, demonstrou-se, incontestavelmente, que o douto Tribunal a quo incorreu manifesto erro de julgamento ao entender que o inicio do prazo de prescrição depende do conhecimento por parte do seu titular da(s) entidade(s) responsáveis contra as quais esse mesmo direito pode ser exercido, quando, o único requisito de que a lei faz depender o início do curso do prazo de prescrição é o cumprimento da obrigação de indemnização.

  11. Assim, e atendendo a que o único critério que a nossa lei, jurisprudência e doutrina faz depender a contagem do prazo de prescrição do...

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