Acórdão nº 7597/15.9T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 05/06/2015, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, S.A. (R.), fundada em responsabilidade civil emergente de um acidente de viação ocorrido em 04/05/2014, na Estrada Nacional, n.º .., em …, consistente num embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-XB, objeto de seguro junto da R., e o motociclo de matrícula ..-OJ-.. conduzido pelo A., alegadamente, por culpa exclusiva do condutora do veículo XB, do qual resultaram danos materiais no motociclo e ferimentos no A. Concluiu a pedir a condenação da R. a pagar ao A. uma indemnização de € 29.562,65, acrescida de juros, e ainda quantia que veio a liquidar em € 29.225,08, depois ampliada em € 30.000,00, perfazendo o total de € 88.817,73.

  1. A R. contestou, impugnando a culpa imputada à condutora do veículo XB, bem como os danos invocados, e excecionando ainda com a culpa que atribui ao A., concluindo pela sua absolvição do pedido.

  2. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 384-407/v.º, datada de 16/07/2019, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia global de € 72.485,58, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação sobre a parcela de € 47.485,58 e desde o trânsito em julgado da sentença quanto à parcela de € 25.000,00.

  3. Inconformada, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 450-461/v.º, de 21/05/2020, aprovado com voto de vencido, a julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença recorrida no sentido de reduzir a indemnização para o montante de € 36.242,79, dos quais € 23.742,79 por perda de rendimentos, € 7.500,00 pelo dano biológico e € 5.000,00 a título de dano não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação quanto à parcela de € 23.742,79 e desde o trânsito em julgado da sentença quanto à parcela de € 12.500,00. 5.

    Desta feita, vem o A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A responsabilidade pela eclosão do acidente dos autos não deve ser fixada pelo risco – art.º 506º do CC; 2.ª - A prova que foi produzida em 1.ª instância não impunha decisão diversa, não ocorre qualquer documento superveniente nem facto assente que pudesse ser subsumível ao disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, razão pela pode e deve haver sindicância por parte do STJ relativamente ao disposto na referida disposição legal e, por isso, mantida na íntegra a matéria de facto fixada em 1.ª instância.

    1. – Mas mesmo que se entenda que o Tribunal da Relação fez bom uso dos seus poderes, mormente os previstos no art.º 662.º do CPC, a dinâmica do acidente provada não dá qualquer margem para se duvidar da forma como o acidente ocorreu, sendo inequívoca a responsabilidade total da Recorrida.

    2. – No momento do embate, o motociclo seguia à frente do ligeiro, que embateu com a frente na traseira do motociclo, verificando-se no caso a violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 1, e 24.º do CE, imputável à condutora do veículo ligeiro e consequentemente à R..

    3. - Tendo o tribunal “a quo” considerado que o A. fez prova bastante em sentido oposto de tal modo a tornar duvidosa a versão da R., então a solução jurídica correta seria a condenação da R., na totalidade da responsabilidade.

    4. - Provado que está nos autos que a condutora do ligeiro bateu no motociclo e que este seguia à sua frente (pois o ligeiro bateu com a frente) e não tendo a R. feito qualquer prova das circunstâncias que pudessem, de algum modo, explicar, justificar tal embate ou que o A. tenha de algum modo contribuído para a ocorrência do embate, por presunção judicial vertida no art.º 351.º do CC, deve ser atribuída a culpa total da condutora do veículo ligeiro.

    5. - A decisão da 1.ª Instância deve ser mantida na totalidade por a mesma ser justa e correta quer na apreciação dos factos, quer na apreciação de direito.

    6. – Existindo duas ações e tendo uma delas já transitado quanto à questão da responsabilidade por dupla conforme, pretende o A. fazer-se valer da autoridade do caso julgado da decisão decidida em primeiro lugar, já fixada por dupla conforme, nos autos em que foi autora CC.

    7. - Sendo a causa de pedir do acidente de viação complexa, a pretensão deduzida num e noutro processo pelos respetivos lesados pretendem o mesmo efeito jurídico e procede do mesmo facto jurídico (o acidente) e consequentemente há que atender à autoridade do caso julgado do processo decidido em primeiro lugar e já insuscetível de recurso relativamente à questão responsabilidade.

    8. - O A. pode e deve ter a expetativa jurídica de ver o seu litígio ter uma solução jurídica que não fira o disposto no n.º 3 do art.º 8.º do CC, procurando-se obter uma aplicação e interpretação uniformes do direito, maxime, transitada que está a questão da responsabilidade na ação da ocupante do motociclo, quanto à questão da responsabilidade e da qual o Recorrente deve beneficiar em função da já enunciada autoridade do caso julgado.

    11.ª - Sem conceder, tendo o acidente dos autos ocorrido entre um veículo ligeiro de passageiros e um motociclo, entende-se que a repartição da proporção do risco deveria ser maior para o veículo ligeiro, não só pelas características dos veículos em causa, mas também em função dos danos materiais e corporais causados pelo embate do ligeiro no motociclo, sendo mais correta a repartição de 25% para o motociclo e 75% para o veículo ligeiro, devendo em conformidade os montantes indemnizatórios serem ajustados a esta repartição do risco.

    12.ª - Verifica-se a violação do disposto nos artigos 18.º e 24.º do CE, 662.º, n.º 1, do CPC, e 506.º, n.º 1, 562.º e segs. do CC.

  4. A R. apresentou contra-alegações a pugnar pela negação da revista.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objeto do recurso Em face do teor das conclusões recursórias, as questões a resolver consistem no seguinte: i) – A questão de saber se o tribunal a quo, em sede de apreciação da decisão de facto, violou o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC; ii) – A questão do pretendido aproveitamento da autoridade de caso julgado; iii) – A questão respeitante ao invocado erro sobre a repartição da responsabilidade pela produção do acidente em causa.

    III – Fundamentação 1. Factualidade dada por provada Vem dada como provada, com interesse para a apreciação do objeto do recurso, a seguinte factualidade: 1.1.

    No dia 04/05/2014, pelas 19h20, na Estrada Nacional n.º .., em ……, concelho de …, ocorreu um acidente de viação, que consistiu num embate, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com matrícula ..-..-XB e o motociclo com matrícula ..-OJ-...

    1.2.

    O motociclo era conduzido pelo autor.

    1.3.

    O veículo ligeiro XB era conduzido por DD e propriedade de EE.

    1.4.

    A responsabilidade civil decorrente da circulação do ligeiro encontrava-se àquela data transferida para a ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº ………. .

    1.5.

    Na parte de trás do motociclo seguia como passageira CC.

    1.6.

    A Estrada Nacional .., no local onde o acidente ocorreu, é constituída por duas vias, com um sentido, sem separador central e com traço contínuo imediatamente antes do local do acidente.

    1.7.

    Aquando do acidente as condições climatéricas eram boas e havia visibilidade.

    1.8.

    O motociclo vinha do IC.. após ter cruzado com a ponte ..., na faixa da esquerda.

    1.9.

    Circulava no sentido Sul-Norte, pretendendo virar à esquerda para … .

    1.10.

    ...

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