Acórdão nº 1182/14.0TBALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO BNP Paribas Factor – Instituição Financeira de Crédito, SA, intentou a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, contra EP - Estradas de Portugal, E.P.E., (agora IP-Infraestruturas de Portugal, SA), pedindo a condenação da ré no pagamento de € 306.801,42, sendo € 181.183,32 de capital e € 125.618,10 de juros de mora até 11.03.2014, a que acrescem os juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, sobre o capital em dívida, até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que se dedica à atividade de factoring, no âmbito da qual lhe foram cedidos os créditos da sociedade António Simões Rodrigues & Filhos, Lda, que veio mais tarde a ser declarada insolvente.

Entre os créditos cedidos encontravam-se créditos sobre a aqui ré mas esta, não obstante ter-lhe sido notificada a cessão, efectuou o pagamento das quantias em dívida à massa insolvente, em lugar de o ter feito à autora, como era devido.

A ré contestou, invocando o pagamento e a prescrição dos juros de mora, bem como deduziu defesa por impugnação.

Em síntese, alegou que efetuou o pagamento dos créditos à massa insolvente, por lhe ter sido ordenado que o fizesse, em despacho proferido no processo de insolvência, o qual transitou em julgado, pelo que requer ainda, a final, a intervenção da massa insolvente nos presentes autos.

A autora respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.

Em despacho proferido, foi rejeitada a intervenção da massa insolvente.

Foi suspensa a instância, até que fosse encerrada a liquidação, no âmbito do referido processo de insolvência, onde o crédito do autor foi verificado e graduado, tendo entretanto sido informado que este não obteve qualquer pagamento naqueles autos.

Por sentença de 12.03.2019, a acção foi julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.

Por acórdão de 19 de Maio de 2020, foi proferido o seguinte dispositivo: “julga-se improcedente a apelação e, embora com distinta fundamentação, confirma-se a decisão proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância”.

A autora recorreu tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/05/2020, que, julgando a apelação improcedente, ainda que com fundamentação distinta, confirmou a decisão de 1.ª Instância de absolvição da ré/recorrida do pedido.

  1. Através do presente recurso pretende-se obter a declaração de nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º/1 d) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), e, bem assim, impugnar a referida decisão por ter ocorrido erro de interpretação, aplicação e determinação das normas aplicáveis ao caso, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

  2. O recurso visa também, portanto, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, julgando a revista procedente, ordene o prosseguimento dos autos e/ou que condene a ré no pagamento à autora da soma de € 306.801,42, sendo € 181.183,32 de capital e € 125.618,10 de juros de mora vencidos até à entrada da ação.

  3. Aos presentes autos deu origem um contrato de factoring (n.º 04/0052/02) celebrado entre a recorrente e a sociedade “António Simões Rodrigues & Filhos, Lda” (doravante, ASR ou aderente) no dia 5 de abril de 2004.

  4. A recorrida (devedora) foi atempadamente informada da celebração do contrato de factoring; da obrigatoriedade legal e contratual de passar a pagar os créditos que a ASR sobre ela detinha diretamente à recorrente; e, bem assim, que as faturas só se consideravam liquidadas se o pagamento fosse feito à autora/recorrente – cfr. ponto 6 dos factos provados.

  5. Foram cedidos à recorrente os créditos oriundos das transações comerciais efectuadas entre a ASR e a recorrida, melhor identificados nas faturas juntas sob os docs. 3 a 10 com a petição inicial.

  6. A recorrida nada pagou à recorrente por conta dos créditos que a esta foram cedidos pela ASR, nem nas respetivas datas de vencimento, nem posteriormente.

  7. Das facturas remetidas pela aderente ASR à recorrida constava a seguinte cláusula subrogativa: “esta factura só será considerada liquidada se o seu pagamento foi efetuado à BNP Factor, S.A., na Avenida …, …, Apartado … ..., que adquiriu este crédito”.

  8. Por despacho proferido no dia 26/01/2011 e notificado à recorrida por carta datada de 28/01/2011, o tribunal ordenou que esta procedesse ao pagamento do capital em dívida à massa insolvente (doravante, apenas MI) da ASR, entretanto declarada insolvente – cfr. ponto 14 dos factos provados.

  9. A recorrida pagou à MI da ASR, em 11/02/2011, o capital das facturas cujos créditos esta havia cedido à recorrente.

  10. A nulidade consistente na omissão de pronúncia verifica-se, nos termos do art.º 615.º/1 d) do CPC, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada, ainda que a título subsidiário.

  11. O tribunal a quo não se pronunciou sobre questões/pretensões suscitadas pela recorrente no recurso de apelação de que lançou mão, designadamente as que constam das conclusões 43 a 47 do dito recurso.

  12. A omissão não se reporta apenas a um argumento apresentado pela parte, mas a uma questão de direito suscitada e provada, relativamente à qual a recorrente não obteve decisão.

  13. O tribunal a quo não explicou, em momento algum, porque razão considera que o mero pagamento do capital devido teve o efeito de extinguir, também, a dívida de juros de mora já existente à data da sua ocorrência.

  14. Como resulta das faturas juntas com a petição inicial (docs. 3 a 10), os créditos cedidos no âmbito do contrato de factoring (cujo capital foi pago à MI da ASR em 11/02/2011) já se encontravam vencidos desde 08/03/2006, 11/03/2006, 11/06/2006, 08/07/2006, 13/07/2006, 12/08/2006, 14/09/2006 e 23/09/2006.

  15. Quando a recorrida efetuou o pagamento à MI da ASR estavam já vencidos juros de mora no montante de €81.324,36, que eram devidos à autora/recorrente; nunca foram pagos a ninguém (fosse à recorrente ou à MI da ASR); e que (juntamente com os vencidos entre 11/02/2011 e a data de entrada da ação) também foram peticionados na presente acção.

  16. No recurso de apelação que deu origem à decisão recorrida, concluiu-se, ainda que a título subsidiário, que, mesmo admitindo, por mera hipótese, a teoria de que o pagamento efetuado pela recorrida à MI da ASR foi licito e liberatório, o dito efeito só poderia verificar-se, no limite, quanto à divida de capital, mas já não quanto à divida de juros de mora vencidos até àquela data (11/02/2011).

  17. Tendo o tribunal a quo ignorado as conclusões 43 a 47 do recurso de apelação da recorrente, deve a nulidade decorrente da omissão de pronúncia ser julgada procedente, com as legais consequências.

  18. A recorrente não discorda da matéria de facto dada como provada, discordando, contudo, da fundamentação de direito que consta da decisão recorrida.

  19. Estamos perante um contrato de factoring quando “uma das partes – denominada facturizado – transfere ou se obriga a transferir ao outro contraente – o fator – a totalidade ou parte dos seus créditos comerciais a curto prazo (30, 90 ou 180 dias), presentes ou futuros, resultantes da venda ou prestação de serviços, da totalidade ou de parte (indicada no contrato) dos seus clientes”.

  20. Com a notificação à ré/recorrida da existência do contrato de factoring e do seu conteúdo, ficou esta, na qualidade de debitor, obrigada a proceder ao pagamento, à recorrente, de todas as quantias de que a mencionada aderente era credora.

  21. A cessão de créditos implicou a transmissão da titularidade ativa da relação obrigacional, mantendo-se, no entanto, a identidade do crédito transmitido, não obstante a substituição do titular, dado tratar-se de uma sucessão singular (na posição do credor) entre vivos.

    23. A autora/recorrente adquiriu, assim, o direito à prestação debitória, tornando-se - após a celebração do contrato base - a verdadeira titular dos direitos transmitidos, nos termos e para os efeitos do artigo 582.º/1 do Código Civil.

  22. Por via da cedência levada a cabo no âmbito do contrato de factoring, os créditos em apreço desapareceram da esfera jurídica da aderente ASR, antes mesmo de esta ser declarada insolvente.

  23. Dos pontos 1, 6 e 6 (repetido) dos factos provados resulta que o contrato de factoring foi celebrado em 05/04/2004 e comunicado à recorrida em 16/02/2005, tendo-se transmitido, assim, pelos menos naquelas datas, os respetivos créditos da esfera jurídico-patrimonial da aderente para a esfera patrimonial da aqui recorrente.

  24. É “irrelevante o pagamento feito ao cedente, realizado em momento subsequente à notificação da cessão de créditos, tendo, por isso, o devedor, sem prejuízo do direito que lhe assiste à repetição do indevido, que pagar o respetivo crédito à factor.” – cfr. acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (disponível em www.dgsi.pt) em 14/04/1997, no proc.º n.º 9731013.

  25. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação - ao credor ou ao seu representante - a que está vinculado, sendo que a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação – cfr. artigo 762.º/1, 769.º e 770.º do Código Civil.

  26. Face ao exposto, o pagamento efetuado pela recorrida à MI da ASR não teve efeito liberatório, uma vez que é a recorrente a legítima titular dos créditos em apreço.

  27. Isso mesmo resulta, aliás, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora (disponível em www.dgsi.pt) em 19/11/2015, no âmbito do processo n.º 687/12.1TBABF-F.E1.

  28. Não pode merecer acolhimento qualquer das conclusões a que chegou o tribunal a quo, nomeadamente porque não se compreende o raciocionio lógico que conduziu a parte delas e as demais padecem de um vicio grosseiro: inconsistência cronológica.

  29. Em primeiro lugar, o facto de a recorrente ter reclamado créditos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT