Acórdão nº 10501/19.1T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução25 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em Conferência na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I – Por se sentir prejudicada com a decisão singular proferida nestes autos, vem a Ré, BBB, reclamar para a conferência, requerendo que nos termos do art.º 652.º do Código de Processo Civil seja proferido acórdão.

Refere que embora não esteja em causa o direito à greve, que o autor pretendia exercer e exerceu, há limites que não foram respeitados, em particular, o direito ao trabalho dos colegas que o pretendiam exercer. Era exigível ao requerido que adoptasse uma conduta de acordo com padrões de diligência, lealdade, companheirismo. Enfim, como pessoa de bem, em particular para com os seus colegas de trabalho e ainda que a sua conduta fosse de acordo com a sua conduta anterior, pois nada fazia prever que não comparecesse para trabalhar, como já tinha acontecido em situações anteriores.

É manifesta a atitude contraditória do autor – venire contra factum proprium – que conduz à evidência do seu abuso de direito.

Não consta que o autor tenha apresentado resposta.

II – A decisão reclamada foi no seguinte teor: “1. Relatório 1.1. AAA intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a f3orma do processo comum contra BBB, pedindo que seja revogada a sanção disciplinar aplicada pela R. ao autor, com a consequente condenação desta a suprimir a mesma do registo disciplinar do autor, e bem assim que esta seja condenada a pagar a quantia de €2.000 devidos a título de danos não patrimoniais que alega ter sofrido em virtude de tal conduta. Para tanto alegou, em síntese, ser trabalhador da ré, como electricista, desde 1991, e dirigente sindical. Refere que num dia de greve faltou ao serviço e a entidade empregadora aplicou-lhe falta e a consequente sanção disciplinar de repreensão por não ter avisado, nem justificado a sua falta.

Realizou-se audiência de partes não tendo sido lograda a obtenção de acordo.

Citada a ré, contestou esta a acção referindo que o autor era o único electricista de turno na empresa e que esta não pode laborar sem um electricista pelo que a sua falta, não justificada, e sem aviso prévio só não impediu a fábrica de laborar porque recorreram a um outro electricista. Concluiu pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, tendo-se dispensando a realização de audiência prévia, a selecção da matéria de facto assente e a fixação da base instrutória.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual acordaram as partes à matéria de facto, tendo ainda o autor desistido do pedido relativo à indemnização por danos não patrimoniais.

Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência revogo a sanção disciplinar aplicada pela ré ao autor de repreensão, em virtude da adesão à greve do AUTOR no dia 25 de Abril de 2018, devendo a mesma ser retirada do registo disciplinar.” 1.2. Inconformada com a decisão dela recorre a ré, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões: A) Na sentença entende-se que o autor não faltou injustificadamente ao trabalho, uma vez que se limitou a exercer o seu direito à greve, regularmente convocada, o que não implica justificação ou aviso prévio à empregadora; B) Mas o autor faltou ao trabalho, sabendo que ia deixar todos os seus colegas, cerca de 40, sem condições para trabalharem, como pretendiam, num dia feriado, demonstrando falta de consideração e desinteresse pelo cumprimento, com a diligência devida, das suas obrigações enquanto trabalhador e colega do autor C) O autor é electricista e era o responsável pela garantia da segurança da instalação, pelo que a sua ausência não programada leva à paragem da fábrica até que seja garantida substituição; D) O autor, por respeito e consideração aos seus colegas e à empresa, em particular aos primeiros, tinha a obrigação de comunicar prévia e atempadamente que ia exercer o seu direito, inquestionável, à greve, por forma a também não afectar o exercício pelos seus colegas do respectivo direito ao trabalho; E) A greve é uma atitude frontal, leal e global que os trabalhadores, no exercício do respectivo direito, se libertam do dever das prestações a que estão obrigados, suspendendo para isso o contrato de trabalho; F) Na greve, corno em tudo, exige-se boa-fé, lealdade e franqueza o que, no caso em apreço, não se verificou; G) O comportamento do autor de natureza culposa, foi grave, uma vez que pôs em causa o direito ao trabalho e à segurança no mesmo, em relação aos seus colegas; H) Se o autor quer que o seu direito seja respeitado, tem que começar por respeitar o direito dos outros; I) O Tribunal a quo não podia, assim, ter deixado de concluir que o autor cometeu uma infracção disciplinar e que a sanção mínima que lhe foi aplicada se ajustava ao seu comportamento culposo; J) Actua com evidente má-fé, e em manifesto abuso de direito, por ser ilegítimo o seu exercício, quem não procedeu de um modo honesto e leal, mantendo a palavra dada e a confiança; K) A falta de aviso do autor representa, clamorosamente, o exercício abusivo de um direito que excede, manifestamente, o fim social ou económico do mesmo ou que, com a sua pretensão, viola expectativas incutidas na contraparte e, mais ainda, nos colegas de trabalho; L) Decidindo em contrário, como se viu, a sentença recorrida fê-lo em violação do disposto nos artigos 334º, do Código Civil, 128º do Código do Trabalho, 58º e 59 da Constituição da República.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. se dignarem suprir deverá ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a ré do pedido de anulação da sanção disciplinar de repreensão registada, Só assim se fará JUSTIÇA! 1.3. O autor contra-alegou, nos seguintes termos: I. Não há que alterar a decisão recorrida quanto à matéria de Direito relacionada com a natureza jurídica da ausência ao trabalho resultante da adesão a uma greve regularmente convocada; II. Ao contrário do que sucede em relação às faltas, que configuram a violação do dever de assiduidade, que podem ser qualificadas como justificadas ou injustificadas e cuja qualificação como justificadas pressupõe sempre, entre outros requisitos, a comunicação da ausência, as ausências ao trabalho dadas por efeito à adesão a uma greve regularmente qualificada têm sempre como efeito a suspensão do contrato de trabalho, sem dependência de qualquer comunicação prévia ou posterior; III. No âmbito da adesão a uma greve regularmente convocada, não existe nenhuma norma a impor ao trabalhador qualquer dever de comunicar a sua ausência ao trabalho; IV. As faltas pressupõem a violação do dever de assiduidade e o exercício do direito à greve em nada interfere com esse dever, dado que a greve suspende, no que diz respeito aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os do dever de assiduidade; V. Estando desvinculado desse dever, o trabalhador que aderiu à greve não falta ao trabalho, pois só falta quem tem o dever de estar presente e não está”.

VI. Não existindo qualquer obrigação de comunicar previamente a adesão a uma greve regularmente convocada, não poderia a recorrente ter instaurado contra o requerido qualquer procedimento disciplinar e, muito menos, poderia ter-lhe aplicado qualquer sanção disciplinar; VII. É totalmente irrelevante a argumentação da recorrente relacionada com as características da actividade desempenhada pelo recorrido, na medida em que era à recorrente que cabia...

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