Acórdão nº 6554/15.0T8MAI.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | PINTO DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo tribunal de Justiça: I.
AA intentou a presente acção declarativa para investigação de paternidade, com processo comum, contra BB.
Pediu que seja declarado que o réu é seu pai e que este seja condenado a reconhecê-lo como tal, com o respectivo averbamento desta paternidade no assento de nascimento.
Como fundamento, alegou que nasceu em …. de ……. de …….. e que, apesar de constar do registo apenas como filho de CC, também é filho do réu, em virtude de a mãe e o réu terem mantido relação de namoro e de intimidade iniciada em inícios de 1964 e até Agosto de 1965, conhecida dos amigos e conhecidos do autor, com relações sexuais de cópula completa, vindo a mãe a engravidar e a dar à luz o autor. Mais alegou que, durante os primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o seu nascimento, a mãe só manteve relações sexuais de cópula completa com o réu.
O réu contestou impugnando a factualidade invocada na petição, negando quer a paternidade do autor quer a existência de relações sexuais com a mãe dele e alegando que não conhece o autor ou a sua mãe.
Concluiu pela improcedência do pedido.
Percorrida a tramitação normal, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, declarando-se que o autor AA é filho do réu BB.
Discordando, o réu interpôs recurso de apelação, que a Relação, por maioria, julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Ainda inconformado, o réu vem pedir revista, formulando as seguintes conclusões: I. O presente Recurso tem por objecto o douto Acórdão da Relação do …… que julgou a Apelação apresentada pelo falecido Réu BB improcedente, mantendo a decisão de Primeira Instância, com o voto de vencido do Exm.º Senhor Desembargador EE, quanto á matéria da caducidade da ação e do abuso de direito no seu exercício.
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A ação que culminou com o Acórdão de que agora se recorre, foi instaurada quando o Autor/ recorrido e o Réu, tinham nessa data, 50 e 75 anos de idade, respetivamente.
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O n.º 1 do artigo 1817.º, ex vi art.º 1873.º, na redacção emergente da Lei nº 14/2009, ambos do C. Civil, dispõe que a ação de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
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O referido normativo estabelece assim um verdadeiro prazo de caducidade, o que constitui uma exceção perentória de conhecimento oficioso (arts. 298.º, n.º 2, e 333.º, nº1 do C. Civil).
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Ora quando o Autor instaurou a acção de investigação de paternidade já tinha atingido a maioridade (18 anos) há muito mais de 10 anos, mais concretamente em 1983.
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Da análise da petição inicial, não consta qualquer factualidade susceptível de fundamentar a aplicação dos nºs 2 e/ou 3 do art. 1817º do Código Civil; VII. Nem o Recorrido na sua P. I. alegou quaisquer factos que afastassem liminarmente a aplicação do n.º 1 do art. 1817º C.C. constituindo essa falta de elementos, verdadeira condição de viabilidade da ação.
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De modo que, à data da propositura da acção, encontrava-se sobejamente ultrapassado o prazo previsto no n.º 1 do art. 1817.º, procedendo a exceção perentória da caducidade do direito da acção.
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Assim, o direito do Autor de propor a ação de investigação de paternidade já havia caducado há mais de vinte e dois anos quando esta (acção) foi interposta, devendo tal exceção (perentória de caducidade), proceder com as legais consequências, designadamente a absolvição do pedido (cfr. arts. 576º, nºs 1 e 3 do C.P.C.).
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Embora tal facto pudesse e devesse ter saltado aos olhos do julgador porque tal exceção de caducidade é do conhecimento oficioso (n.º 1 do art. 333º do C. C.) por estarem em causa direitos indisponíveis, onde claramente se estipulam prazos para o exercício dos direitos previstos na lei substantiva.
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A caducidade sendo imposta por lei, e nos casos que colidam com direitos indisponíveis, estando em questão direitos de personalidade, fica excluída da disponibilidade das partes (art. 81º do CC), impondo-se a apreciação oficiosa da caducidade, ao abrigo do n.º 1, do art. 333º do CC.
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Processualmente, e dado que o seu efeito é extintivo do direito, a caducidade tem a natureza de exceção perentória, acarretando a absolvição do pedido art. 576º nº 3 do CPC.
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O prazo de caducidade da acção de dez anos após a maioridade do recorrido, fixado para o efeito pela Lei n" 14/2009, de 01.04, é um prazo razoável para o exercício do direito a ver reconhecido o direito à filiação biológica, enquanto vertente do direito à identidade e do direito a constituir família, constitucionalmente consagrados nos art° 26°, n° 1 e 36°, n° 1, da CRP de 1976, não havendo in casu lugar à aplicação de qualquer das previsões das alíneas do nº 3 do art° 1817.°, no 1, do Código Civil, na redacção dada pelo art° 1° da Lei n° 14/2009, de 01.04, pelas razões expressas no douto Ac. do Tribunal Constitucional nº 401/2011, de 22.09.2011, in DR, 2ª Série, de 03.11.2011.
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O prazo plasmado na Lei 14/2009, já teve em consideração os legítimos direitos de quem verdadeiramente procura os seus progenitores, prazo esse equilibrado pelos direitos daqueles que já tendo uma idade avançada, com famílias e várias gerações, só pretendem a paz e a estabilidade familiar, que ações deste tipo, baseadas no laxismo e/ou movidas por interesses patrimoniais pretendem desestabilizar.
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Na verdade, a falta de paz e estabilidade decorrentes da presente ação, conduziram o réu BB aos 75 anos ao desespero desgosto e infelicidade deste, da esposa e filhos, o que obrigou ao seu divórcio e posterior falecimento.
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Caso a situação em concreto não importasse caducidade do direito de acção do Recorrido, impõe-se que a tutela do direito à filiação do Autor, nas circunstâncias do factuais do caso, seja considerada ilegítima em virtude de se revelar violadora das regras da boa fé e dos bons costumes, devendo intervir a figura do abuso do direito – Art. 334° do Código Civil, de molde a impedir as...
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