Acórdão nº 881/17.9T8FNC-A.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelVERA ANTUNES
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam as Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: L…, intentou em 13/2/2017 acção de anulação de deliberações sociais contra G…, Lda.; A…; M…; J…, casado no regime de comunhão de adquiridos com C…; G…, casado no regime de comunhão de adquiridos com GM…; MC…; MS…; JJ…, casado no regime de comunhão de adquiridos com MS…; e CS…, todos por si e na qualidade de co-herdeiros do acervo hereditário aberto por óbito de MG….

Prosseguindo a acção, designou-se data para Julgamento e, na Audiência que ocorreu no dia 29/6/2020, a testemunha F…, invocou sigilo profissional para se escusar a depor.

Foi proferido o seguinte despacho: “A testemunha F… invocou o sigilo profissional para a prestação de declarações nos presentes autos, alegando ser funcionária no escritório do ilustre mandatário da Ré, onde terá sido tratada a questão em apreço nos presentes autos. Nos termos do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, reportando-se ao segredo profissional, “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.

Nos termos do n.º 7 da mesma norma “o dever de guardar sigilo quanto aos factos elencados no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional”. Os factos em causa abrangidos pelo invocado sigilo profissional poderão todavia ser revelados, mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Regional respectivo. Considerando as normas vindas de invocar, e a invocação pela testemunha da sua qualidade de funcionária do ilustre mandatário da Ré, determino que o seu depoimento sobre as matérias aqui em causa, seja precedido dessa necessária dispensa de sigilo.

Mesmo admitindo-se que as questões a serem colocadas pelo ilustre mandatário da Autora não incidam sobre matéria sujeita a sigilo, o mesmo não sucederá relativamente às questões a serem colocadas pela ilustre mandatária dos Réus, que acautelando essa situação, solicitou prazo para esse levantamento. Ora, não vislumbra o Tribunal necessidade de cisão do depoimento da testemunha, entendendo que o mesmo deverá ser tomado de uma única vez, com garantia do contraditório. Assim sendo em face do exposto, interrompo aqui o depoimento de F…, concedendo-se aos Réus o prazo de quinze dias para demonstrarem nos autos a dispensa de sigilo na prestação de depoimento por parte da testemunha identificada. Em face da decisão vinda de proferir, interrompe-se aqui a presente audiência de discussão e julgamento, a qual terá continuação no próximo dia 14 de Setembro, pelas 14 horas e 30 minutos, data esta obtida com a concordância dos ilustres mandatários presentes. Notifique”.

* Não se conformando com este despacho, dele veio interpor recurso a A., formulando as seguintes Conclusões: “1.ª Os n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da CRP consagram, constitucionalmente, o direito à prova como, princípio geral de acesso ao Direito e aos Tribunais, a todos assegurado para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, através de um processo equitativo.

  1. Ao longo de todo o processo, garante-se às partes um estatuto de igualdade substancial (cfr. artigo 4.º do CPC), designadamente, no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa, estando ao serviço do princípio da igualdade das partes, desde logo, o princípio do contraditório e as normas relativas à distribuição do ónus da prova.

  2. Aquele desidrato constitucional não ficaria salvaguardado se não fosse, correlativamente, facultada às partes a possibilidade de apresentar os meios de prova destinados a lograr demonstrar os factos alegados e cujo ónus da prova lhes incumbe, nos termos da lei, tudo de modo a obter a Justiça que consideram ser-lhes devida (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-05-2004, Processo n.º 04A1417). Dito isto, 4.ª Na lide, o cerne decisório gira em torno da “(in)validade das deliberações tomadas (…)”, importando apurar, entre outra, a matéria relacionada com a “identidade do local de realização da assembleia geral mencionados na convocatória e na acta da mesma” (cfr. artigos 47.º a 50.º da Petição Inicial; e douto Despacho 45418950, de 07-05-18) 5.ª A testemunha F… é comum a ambas as partes (cfr. Contestação 2032606, de 29-03-2017 e Requerimento 2665207, de 09-05-2018).

  3. No interrogatório preliminar, a Testemunha informou ser funcionária do Ilustre Mandatário dos Réus “e tendo a questão em apreço nos presentes autos, sido tratada no escritório, invoca o sigilo profissional, por entender que não deve falar sem a devida autorização” [cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020 (negrito e sublinhado nossos); e CLS 13.ª].

  4. As partes manifestaram posições díspares sobre essa posição: (i) a Autora, ora Apelante, a favor da prestação imediata do depoimento na medida em que, tendo a Testemunha sido oferecida, igualmente, pelos Réus, por meio da pena do seu Ilustre Mandatário, entidade patronal daquela, haverá de admitir-se a concessão de autorização para depor, sendo certo que o apuramento da (i) legitimidade na invocação do sigilo profissional apenas se poderia aferir no confronto com perguntas concretamente colocadas à Testemunha, eventualmente “não relacionadas com o desempenho profissional (…) mas sim com questões factuais da realidade do dia-a-dia e que, seja como for, pese embora a sua trivialidade, não deixarão de ter a sua relevância para a apreciação da presente lide”; (ii) os Réus propugnando pela necessidade de requerer, através do seu Ilustre Mandatário, a dispensa de segredo profissional de e para a Testemunha [cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020 (negrito e sublinhado nossos); e CLS 14.ª].

  5. Atenta a posição dos Réus, a Autora, ora Apelante, considerou que a necessidade – ou falta dela – de requerer a aludida dispensa estaria sempre dependente das instâncias a que a Testemunha seria sujeita, reiterando que as questões que pretenderia colocar-lhe em nada “(…) contende (…) com a salvaguarda do sigilo profissional a que se encontra vinculada, até porque, muito provavelmente (…) nenhuma intervenção teve naquelas que são as duas peças processuais fundamentais deste processo, a saber, o aviso convocatório da assembleia geral e a acta que dela emergiu (…)”, concluindo pela manutenção do depoimento imediato às instâncias da Autora, sem prejuízo do seu adiamento às dos Réus (cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020).

  6. O Tribunal a quo - não vislumbrando motivo para cindir o depoimento da Testemunha, pese embora admitindo que as instâncias da Autora poderiam não colidir com o sigilo profissional daquela – considerou necessário, por apelo à alínea a) do n.º 1 e do n.º 7 do artigo 92.º do EOA, que a prestação do seu depoimento fosse antecedido da “necessária dispensa de sigilo”, mediante prévia autorização da Ordem dos Advogados, mais considerando que a Ilustre Mandatária dos Réus, acautelando essa situação, “solicitou prazo para esse levantamento (…) concedendo-se aos Réus o prazo de quinze dias para demonstrarem nos autos a dispensa de sigilo (…)” (cfr. Ata 48679160, de 29-06-2020).

  7. Antes de entrar no âmago recursivo propriamente dito, não poderá a Apelante deixar de notar que, pese embora os Réus tenham arrolado, pela pena do seu Ilustre Mandatário, a Testemunha a 29 de Março de 2017, só decorridos mais de três anos tomaram consciência da suposta necessidade daquela ser dispensada, para depor, do sigilo profissional, numa conduta que, no melhor rigor das coisas, posterga os demandos da sã cooperação e boa-fé processuais (cfr. n.º 1 do artigo 7.º e artigo 8.º, ambos do CPC), aproximando-se, não sem algum perigo, das fronteiras, senão da litigância de má-fé [cfr. alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC], do abuso de Direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil). Com efeito, 11.ª Conforme se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-12-2004...

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