Acórdão nº 146/20.9BELSB-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

A...

vem interpor recurso da sentença proferida no TAC de Lisboa que indeferiu o pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia dos despachos proferidos em 22/08/2019 e 08/10/2019 pelo Comandante do CARI/GNR, “bem como de todos os que lhe são subsequentes”, que determinaram que o ora Recorrente procedesse à reposição de quantias por ele indevidamente recebidas com a sua remuneração mensal, relativas ao período em que esteve preso preventivamente e, posteriormente, durante o tempo em que esteve a cumprir pena de prisão efectiva.

Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:

  1. O presente recurso tem por objeto a Douta Decisão dos autos, que indeferiu a providência cautelar de suspensão da eficácia dos despachos proferidos pelo Ex.mo Comandante da Guarda Nacional Republicana em 22/08/2019 e 08/10/2019, por considerar que não se verifica o requisito fumus boni iuris, uma vez que “ … tendo presentes as teses em confronto, isto é, por um lado as ilegalidades apontadas pelo Requerente, e os seus fundamentos, e por outro lado a impugnação fundamentada delas ilegalidades pela Entidade Requerida, não se evidencia o julgamento de procedência de qualquer delas”.

  2. O Recorrente entende que a Douta Decisão ora recorrida não se mostra suficientemente fundamentada e que, mesmo que assim não se entenda, sempre a deficiente fundamentação se encontra em clara contradição com a decisão.

    Com efeito, C) Da leitura da Douta Sentença recorrida verifica-se uma total omissão dos fundamentos da matéria de facto e, correlativamente, da matéria de direito, o que torna impossível conhecer e apreender os fundamentos que suportam a decisão de indeferimento da providência cautelar.

  3. O Tribunal limitou-se a reproduzir as versões das partes (Recorrente e Recorrida), não tendo feito qualquer análise crítica e concreta dos factos alegados por ambas, nem dos meios de prova que se mostram juntos aos autos.

  4. Salvo o devido respeito, dizer-se que “… tendo presentes as teses em confronto … não se evidencia o julgamento de procedência de qualquer delas…” e que “ … da ponderação das sínteses das questões e razões jurídicas … não resulta legitimado tal juízo positivo, de probabilidade, uma vez que, sem desprimor para as razões invocadas pelo Requerente, certo é que as contrapostas pela Entidade Requerida se mostram capazes de as neutralizar…”, é o mesmo que não dizer nada, isto é, é obscuro e exíguo.

  5. Perante afirmações tão vagas e imprecisas, pergunta-se porque é que não se evidencia um julgamento de procedência de qualquer uma das teses? E em que medida, e porque motivo, as razões contrapostas pela Entidade Requerida se mostram capazes de neutralizar as expendidas pelo Recorrente? Ficamos sem saber! G) Não obstante a necessidade e obrigatoriedade de motivar a matéria de facto e de direito, certo é que o Tribunal a quo não o fez, impossibilitando o Recorrente de conhecer e compreender o que possa estar na base da formação da convicção do Tribunal a quo.

  6. Isto é: Quais são os factos que subjazem à decisão? Que meios de prova foram tidos em consideração? Que raciocínio foi tomado e percorrido pelo Tribunal? Que análise crítica dos fatos, da prova e do direito aplicável foi efetuada? I) Ao Tribunal é exigida clareza na transmissão da sua convicção, para que a decisão possa ser compreendida, por todos, em nome da boa administração da justiça.

  7. A sentença deve seguir os ditames do artigo 94.º do CPTA, impondo-se a sua fundamentação, o que não sucedeu no caso sub judice.

  8. Da leitura da Sentença recorrida é manifesta a total omissão dos fundamentos da decisão, da discriminação dos fatos que o Tribunal a quo considerou e da indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes.

  9. Assim, o Tribunal a quo violou o dever de fundamentação da Sentença consubstanciado no n.º 2, n.º 3 e n.º 4 do artigo 94.º do CPTA, bem como o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

  10. Circunstância que é geradora da nulidade da sentença, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o que deverá ser declarado, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que dê cumprimento ao dever de fundamentação de facto e de direito da Sentença, tudo nos termos do n.º 2, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do artigo 94.º do CPTA e, ainda, do artigo 205.º da CRP.

  11. Sem prescindir, sempre se dirá que, ainda que assim não se entenda, sempre a fundamentação (deficiente) está em contradição com a decisão.

  12. O Tribunal a quo considerou que “… tendo presentes as teses em confronto … não se evidencia o julgamento de procedência de qualquer delas…”, afirmação contrária à decisão de indeferimento da providência cautelar.

  13. De facto, se por um lado o Tribunal a quo entende que não é provável a procedência de ambas as teses, por outro lado, decide indeferir a providência cautelar, por considerar que a tese da Entidade Requerida se mostra capaz de neutralizar aquela que é invocada pelo Recorrente.

  14. Tal circunstância é igualmente geradora da nulidade da sentença, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, nulidade que deverá ser declarada, com os devidos e legais efeitos.

  15. A Douta Sentença do Tribunal a quo também enferma dos vícios de erro de julgamento e de errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas, máxime do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA. De facto, S) A providência requerida não é concedida, sempre que resulte evidente a improcedência da pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, ou seja, quando se revele, ainda que de forma indiciária, que não existe probabilidade de a/s ilegalidade/s invocadas virem a proceder.

  16. É certo que a análise que deve ser feita pelo Tribunal no âmbito do artigo 120.º do CPTA, é naturalmente perfunctória, o que não significa que a lei não exija que se analisem criticamente os factos e argumentos apresentados pelas partes -o que o Tribunal a quo, embora os reproduza, não fez.

  17. Não se coloca em causa a obrigação de, em abstrato, se reporem quantias, sejam elas remunerações ou abonos, indevidamente recebidas, no período em que o Recorrente esteve preso, mas sim a questão de se saber qual é a responsabilidade da ora Recorrida na omissão do processamento atempado dos descontos em causa, circunstância que durou anos, sabendo-se, contudo, que a mesma procedeu a outros descontos, com base nas mesmas circunstâncias (prisão).

  18. Resulta claramente dos autos que no período em que se encontrou a cumprir pena de prisão, o Recorrente deixou de auferir todas as remunerações acessórias que dependem de um efetivo desempenho de funções, designadamente, o subsídio de almoço e o subsídio de fardamento.

  19. Contudo, durante esse mesmo período, os vencimentos base do Recorrente continuaram a ser-lhe integralmente pagos, motivo pelo qual foi legítimo àquele concluir que todas as quantias que lhe foram sendo pagas durante aquele período lhe eram efetivamente devidas.

  20. Ao alegar desconhecimento da situação de prisão do Recorrente nessa fase, dizendo que só tomou conhecimento da prisão em 2019, a Recorrida atuou de má fé, não querendo assumir que negligenciou a situação, conforme resulta dos autos de forma evidente.

  21. O argumento de que a secção de justiça é independente da secção que processa os salários não colhe minimamente, porquanto, trata-se da mesma Instituição, não olvidando, como se referiu, que a Recorrida procedeu, desde logo, a vários descontos decorrentes da situação de prisão do Recorrente.

  22. Existe, portanto, uma notória responsabilidade da Recorrida, que por erro grosseiro, não processou, como lhe competia, todos os descontos no vencimento do Recorrente, no período em que o mesmo esteve sujeito, quer à prisão preventiva, quer à prisão efetiva.

    A

  23. Não se tratou sequer de um mero lapso contabilístico ou de cálculo, mas sim um verdadeiro erro quanto aos pressupostos de facto e/ou de direito cuja responsabilidade só pode ser assacada ao autor do processamento, isto é, à Recorrida.

    BB) Motivo por que, o Recorrente não poderá ser penalizado por uma situação que ele não poderia razoavelmente prever e que não lhe é imputável, isto é, a que não deu causa.

    CC) Qualquer outra solução violaria o princípio da propriedade privada, da igualdade e da proporcionalidade.

    DD) Pelo que, a responsabilidade pela atuação negligente da Recorrida, não deverá recair sobre o património do Recorrente, ou, a existir algum tipo de responsabilidade na reposição das quantias em apreço, os efeitos decorrentes da mesma não se devem repercutir, exclusivamente, na esfera jurídica do Recorrente, devendo antes, em último caso, ser solidária entre ambos, em igual medida.

    EE) Em suma, a notória atuação negligente da Recorrida terá que ter, forçosamente, consequências jurídicas, sob pena de os interesses dos particulares ficarem à mercê da atuação negligente de Entidades Públicas, sem que estas sejam responsabilizadas pelos seus atos e/ou omissões.

    FF) Acresce, por outro lado, que nos presentes autos foi abordada, ainda que sumariamente, a questão da caducidade do direito da Recorrida à reposição dos montantes que só agora, volvidos que foram vários anos, reivindica.

    GG) Ora, a jurisprudência maioritária assume que cada ato de processamento de vencimentos constitui um verdadeiro ato administrativo.

    HH) Ou seja, a reposição dos montantes que foram indevidamente recebidos pelo Recorrente, implicou a anulação de atos administrativos constitutivos de direitos a prestações pecuniárias e a sua substituição por outros.

    II) Pelo que, o regime aplicável é o que vem estabelecido no artigo 168.º do C.P.A., sob a epígrafe “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa”, o qual estabelece que os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão.

    JJ) Ou seja...

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