Acórdão nº 2654/20.2T8VNG-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 2654/20.2T8VNG-C.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Nos presentes autos de insolvência “(…), Portugal, Lda.”, a credora “(…), Lda.” veio interpor recurso da decisão que não admitiu a compensação entre créditos.

* Em 25/05/2020, a credora “(…), Lda.” reclamou a quantia de € 30.756,06 (trinta mil, setecentos e cinquenta e seis euros e seis cêntimos).

* O Administrador Judicial interpelou então a credora reclamante para proceder à entrega da quantia detida a título de caução.

* Posteriormente, a 17/06/2020, a credora “(…), Lda.” pretendeu reduzir do seu crédito para o montante de € 10.303,03, fazendo sua a quantia de € 17.000,00 entregue pela insolvente a título de caução.

* Por requerimento datado de 18/06/2020, o Administrador Judicial veio solicitar o seguinte: «acontece que ultrapassado o prazo concedido para o efeito, não foi a aludida caução devolvida à Massa Insolvente, razão pela qual, vimos pela presente requer a V. Exª que notifique a sociedade “(…), Lda.”, com sede na Rua (…), n.º 10-6.º, (…), Torre III, Conjunto (…), 1070-274 Lisboa, para proceder ao depósito da caução paga pela Devedora no montante de € 17.000,00, na conta bancária já informada pelo AJ para o efeito».

* Notificado para se pronunciar, por instrumento datado de 22/06/2020, o Administrador Judicial reiterou a sua posição, afirmando que não aceitava o pedido de alteração à reclamação de créditos apresentada e requereu que se ordenasse a notificação à sociedade “(…), Lda.” para «proceder ao depósito da caução paga pela Devedora no montante de € 17.000,00, na conta bancária já informada pelo AJ para o efeito».

* O Tribunal determinou que a credora procedesse ao depósito desse valor na conta da massa insolvente, como requerido pelo Administrador Judicial, a fim de o mesmo ser apreendido nos autos sentença final.

* A recorrente não se conformou com as referidas decisões e as alegações continham as seguintes conclusões: «1) Nos termos do disposto no artigo 847.º do Código Civil a compensação é uma causa de extinção das obrigações.

2) Os requisitos para a verificação da compensação, previstos no artigo 847.º do Código Civil, são: reciprocidade de créditos; exigibilidade do crédito; homogeneidade e fungibilidade; não exclusão da compensação pela lei; declaração de vontade de compensar.

3) A compensação está prevista no artigo 99.º do CIRE, aplicando-se ao processo de insolvência.

4) A alínea a) do artigo 99.º do CIRE prevê a compensação após a declaração de insolvência, no caso de créditos que, à data da declaração de insolvência, reunissem os requisitos necessários à compensação.

5) À data da declaração de insolvência, a ora Recorrente era titular de um direito de crédito vencido sobre a insolvente no valor de € 17.086,70, correspondente às rendas vencidas em Março e Abril de 2020 no valor respectivo de € 8.543,50 cada.

6) A Recorrente reclamou no âmbito do processo de insolvência nos termos dos artigos 90º e 128.º do CIRE o crédito de que era titular sobre a insolvente no montante total de € 30.756,06 (trinta mil, setecentos e cinquenta e seis euros e seis cêntimos).

7) Este crédito veio a ser reconhecido pelo senhor administrador de insolvência.

8) Tendo a Recorrente aquando da celebração do contrato de arrendamento recebido da arrendatária, entretanto declarada insolvente, a título de caução a quantia de € 17.000,00, a Recorrente em comunicação dirigida ao senhor administrador de insolvência veio posteriormente, ao abrigo do disposto nos artigos 99.º do CIRE e artigo 847.º e seguintes do Código Civil, invocar a compensação, comunicando a satisfação parcial do respectivo crédito que assim ficou reduzido a € 10.304,04.

9) No caso vertente, encontram-se reunidos os requisitos impostos pelo artigo 99.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, pelo que se operou, de forma válida e eficaz, a satisfação parcial do crédito da ora Recorrente.

10) Ao julgar improcedente a pretensão da Recorrente de alcançar a satisfação parcial do seu crédito através da compensação, a decisão ora recorrida violou o disposto no artigo 99.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, devendo ser revogada.

Nos termos do disposto no artigo 646.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º do CIRE, a Recorrente vem requerer que seja o presente recurso instruído com certidão das seguintes peças do processo: a) Reclamação de créditos apresentada em 25 de Maio de 2020 acompanhada dos respectivos documentos anexos; b) Requerimento apresentado em 16 de Junho de 2020 dirigido ao senhor administrador de insolvência; c) Despacho de 21 de Setembro de 2020 ora impugnado.

Nestes termos e nos mais de direito que Vªs. Exªs. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, como é de Justiça!».

* Não houve lugar a resposta.

* Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro de interpretação do direito relacionado com a não efectivação da compensação de créditos.

* III – Factos com interesse para a resolução do recurso: 1) Em 24/04/2020 foi declarada a insolvência da “(…), Portugal, Lda.”.

2) A Recorrente celebrou um contrato de arrendamento não habitacional com termo certo com a devedora no dia 01/02/2019, não tendo esta sociedade procedido ao pagamento da renda vencida em Março desse mesmo ano nem das rendas vencidas posteriormente.

3) À data da declaração de insolvência a ora Recorrente era, assim, titular de um direito de crédito no valor de € 17.086,70, correspondente às rendas vencidas em Março e Abril de 2020 no valor respectivo de € 8.543,50 cada.

4) Na data da celebração do contrato de arrendamento, a arrendatária entregou à “(…), Lda.” ao abrigo do estipulado no mencionado contrato de arrendamento, a quantia de € 17.000,00 (dezassete mil euros), a título de caução.

5) O dito acordo estipulava no ponto 9 da cláusula terceira do contrato de arrendamento o seguinte: “Nesta data a Arrendatária entregará à Senhoria a quantia de € 17.000,00 (dezassete mil euros), correspondente a dois meses de renda, destinado à prestação de uma caução nesse valor para garantir o bom cumprimento do contrato definitivo, a qual será devolvida no final do contrato à Arrendatária em caso de integral cumprimento da obrigação de pagamento das rendas e da boa conservação das fracções “A” e “B”, ressalvadas as deteriorações decorrentes de um uso normal e prudente e das obras e benfeitorias realizadas ao abrigo do contrato de arrendamento”.

6) As partes estipularam ainda no ponto 10 da mesma cláusula contratual, que “sempre que a Arrendatária se encontrar em mora de qualquer uma das suas obrigações com expressão pecuniária, a Senhoria poderá utilizar, no todo ou em parte, e por mais de uma vez, a quantia referida no número anterior, mas sempre e apenas na medida de tal incumprimento”.

7) Em 22/05/2020, foi realizada uma visita aos imóveis por ambas as partes, na qual se constatou que os mesmos se encontravam devolutos. O Senhorio “(…), Lda.” procedeu então à mudança das fechaduras, tomando posse dos imóveis, nessa mesma data, encontrando-se, desde então, as partes desvinculadas do aludido contrato de arrendamento e das obrigações a ele inerentes.

8) Em 25 de Maio de 2020, reclamou, tempestivamente, ao abrigo do disposto nos artigos 90.º e 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o seu crédito sobre a devedora, no montante total de € 30.756,06 (trinta mil, setecentos e cinquenta e seis euros e seis cêntimos).

9) Este crédito foi reconhecido pelo senhor administrador de insolvência.

10) Nessa sequência, o Administrador Judicial solicitou a devolução da caução nos termos referenciados no relatório do presente acórdão.

11) Em 16 de Junho de 2020, a Recorrente veio, através de comunicação dirigida ao senhor administrador de insolvência, invocar a compensação, referindo ter aplicado a quantia de dezassete mil euros que lhe fora entregue pela arrendatária a título de caução, na liquidação parcial do crédito de que era titular sobre a insolvente, que, em virtude dessa compensação, ficou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT