Acórdão nº 2469/17.5T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
I. RELATÓRIO AUTOR/SINISTRADO: P. P., sob o patrocínio do Ministério Público RÉS: Companhia de Seguros X Portugal, S.A. e empregadora Y – Trabalho Temporário, Unipessoal, SA.
ACÇÃO- especial emergente de acidente de trabalho.
A acção prosseguiu para a fase contenciosa apenas porque a entidade empregadora discordou da remuneração do sinistrado proposta na tentativa de conciliação, a qual teve por base o salário mínimo em França (€1.466,62). Houve acordo sobre todos os demais pressupostos do acidente de trabalho.
PEDIDO: reclama : €8.812,67 de indemnização por ITA a pagar pela empregadora; €250,75 de indemnização por ITP, cabendo à ré seguradora €92,02 e à ré entidade empregadora €158,73; €11.563,54 de indemnização por ITA após a recaída, cabendo à ré seguradora €35,41 e à ré entidade empregadora €11.528,13; a pensão anual e vitalícia de €1.219,67, com início em 22/11/2017, cabendo à ré seguradora €516,72 e à ré entidade empregadora €702,95; €25,00 de deslocações obrigatórias, a pagar pela ré seguradora; juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.
CAUSA DE PEDIR: sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava deslocado no estrangeiro. Demanda a ré seguradora e a ré entidade empregadora, porque à data do acidente o autor encontrava-se destacado em França, país onde, no ano de 2016, a retribuição mínima mensal garantida (“salaire minimum de croissance”) era de €1.466,62. A ré empregadora apenas tinha transferida para a ré seguradora a responsabilidade infortunística pela retribuição de €9.227,06. Invoca, entre o mais, o preceituado no artº 71º, nºs 1, 2 e 3 da Lei 98/2009, de 04/09 e o artº 3º da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do conselho de 16/12/1996.
CONTESTAÇÃO: a ré empregadora alega que não poderá ser tido em consideração o salário mínimo nacional de França para efeitos de definição e cálculo das prestações. Ao trabalhador português, a lei assegura as garantias mínimas constantes da legislação nacional, mesmo que não aplicável. Conforme o contrato celebrado, as partes acordaram que seria aplicável a lei portuguesa. Sendo o critério primordial o constante do artº 8º do Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/06/2008, que é o da escolha (liberdade) das partes, aliás já consagrado no artº 3º do Tratado de Roma. No caso, não apenas as partes escolheram sujeitar o contrato à lei portuguesa, como também, devido ao caracter passageiro, curto e temporário do trabalho, igualmente a conexão mais estreita aludida no nº 2 do artº 6º do Tratado de Roma, é com Portugal, sob pena de violação do princípio máximo da livre concorrência e circulação de pessoas e bens entre Estados Membros. Ademais, em França não se paga o subsídio de férias e de Natal, a não ser por acordo colectivo, razão pela qual, ainda que se entendesse ser aplicável a lei francesa quanto ao salário mínimo, tais prestações não podem ser levadas em consideração para os cálculos das prestações devidas ao autor.
A ré seguradora contestou apenas reiterar a posição assumida na tentativa de conciliação (acordo sobre o acidente e suas consequências, mas com a sua responsabilidade limitada ao montante de retribuição transferido). Já procedeu ao pagamento ao autor da quantia de €14.927,73 por conta dos períodos de incapacidade temporária, restando pagar a quantia de €116,82, a título de diferenças na indemnização por IT’S, para além das demais prestações já aceites na fase conciliatória do processo referentes à pensão por incapacidade permanente e despesas de deslocação de €25,00.
Foi proferido despacho saneador sentença.
DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: “Nestes termos e, pelo exposto, condeno Companhia de Seguros de X Portugal, S.A. e Y – Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda a pagar ao sinistrado P. P., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (artº 135º do Cód. Proc. Trabalho): - a pensão anual de €1.219,67 (mil duzentos e dezanove euros e sessenta e sete cêntimos), com início em 22/11/2017, sendo €516,72 (quinhentos e dezasseis euros e setenta e dois cêntimos) da responsabilidade da demandada seguradora e €702,95 (setecentos e dois euros e noventa e cinco cêntimos), da responsabilidade da entidade empregadora; - a quantia de €20.501,11 (vinte mil quinhentos e um euros e onze cêntimos), a título de indemnização por IT´s, a pagar pela entidade empregadora; - a quantia de €141,95 (cento e quarenta euros e noventa e cinco cêntimos), a título de diferença na indemnização por IT´s, a pagar pela ré seguradora; - a quantia de €25,00 (vinte e cinco euros) a título de despesas de deslocação, a cargo da requerida seguradora.
Valor da acção: €39.002,14 (artº 120º do Cód. Proc. Trabalho).
Custas pelas responsáveis na proporção da sua responsabilidade. “ RECURSO – INTERPOSTO PELA RÉ EMPREGADORA: impugna a decisão de facto e de direito.
CONCLUSÕES: I.Vem o presente recurso interposto das seguintes decisões: 1 – Da decisão proferida sobre a matéria de facto, especificando-se seguidamente qual o concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e qual a decisão que, no entender da recorrente, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. 2 – Da decisão de direito que se traduz na Sentença que condenou a recorrente Y no pagamento da pensão e quantias dela constantes.
II. É, o seguinte, o concreto ponto de facto que a recorrente considera não propriamente incorretamente julgado, mas incompletamente respondido. Ter a Mm.ª juíza a quo considerado como provado que: “G. Tendo o autor sido destacado para França a partir do dia 22/08/2016 para exercer as suas funções para a sociedade “W, Sarl” – documentos de fls. 85 a 87 e 157.” III. Existiu erro na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada, que se entende pecar num determinado ponto, vital, por incompleta, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
IV. Na verdade, sendo o cerne da questão concernente ao presente processo a aplicação, ou não, da remuneração mínima de França para efeitos de cálculo das indemnizações/pensões devidas ao sinistrado, torna-se imprescindível atender à remuneração base mensal que ficou fixada, como sendo devida ao trabalhador, também no contrato de utilização de trabalho temporário, denominado de “Contrat de Mise à Disposition”, celebrado entre a recorrente e a sociedade W, Sarl.
V. Resulta do contrato de utilização de trabalho temporário, junto a fls. 155 a 158 e não impugnado pelo autor, celebrado com uma sociedade de Direito Francês que a retribuição base a pagar ao trabalhador, no contrato denominada de “Salaire de Référence”, seria de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) mensais.
VI. A própria Utilizadora, sociedade de Direito Francês e sujeita, por conseguinte, às disposições constantes do Código do Trabalho Francês12 e demais legislação Francesa aplicável, fixou com a recorrente [Salaire de Référence], uma retribuição a pagar ao autor inferior ao denominado “salaire minimum de croissance”.
VII. Numa primeira fase, a 18 de abril de 2016, a recorrente celebrou com o autor o contrato de trabalho temporário junto aos autos a fls…, onde expressamente as partes o sujeitaram expressamente à aplicação da Lei Portuguesa, fixando-se que a retribuição devida ao autor seria de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) mensais, ilíquidos, acrescido do montante de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por cada dia útil de trabalho prestado.
VIII. Meses volvidos, é celebrado o mencionado contrato de utilização de trabalho temporário em que é fixado o “Salaire de Référence”, também, no montante de 570,00€(quinhentos e setenta euros) mensais.
12 Consultável em https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006072050.
IX. Concludentemente, deveria tal retribuição acordada entre a recorrente e a utilizadora, sociedade de Direito Francês, porque não foi objeto de impugnação pelo autor, ser aditada à matéria dada como provada, uma vez que é de extrema importância para sustentar corretamente a decisão de Direito que veio a ser emanada e que deveria, obrigatoriamente, ter em ponderação tal matéria que tem que ser dada como assente e que resulta de prova documental não impugnada.
X. Em conclusão, imprescindível se torna que tal retribuição seja vertida na matéria de facto dada como assente, devendo ser alterada a resposta à matéria de facto constante do ponto G. que, completando-se, deverá passar a ter a seguinte redação. “G. Tendo o autor sido destacado para França a partir do dia 22/08/2016 para exercer as suas funções para a sociedade de Direito Francês “W, Sarl”, mediante a retribuição mensal de 570,00€ (quinhentos e setenta euros) – documentos de fls. 85 a 87 e 157.
XI. No que concerne à matéria de Direito, atenta a factualidade dada como provada e a que a recorrente entende que deveria ter decisão diferente, dever-se-á concluir que a decisão de Direito pecou por erro quando decidiu no seguinte sentido: “Donde se conclui que, por aplicação do disposto na Directiva comunitária 96/91/CE, transposta designadamente no artº 8º do Código do Trabalho, sendo a remuneração mínima garantida em França superior à remuneração apurada no ponto E) dos factos provados e, consequentemente mais favorável ao sinistrado, àquela se impõe atender para efeitos de cálculo das indemnizações/pensões devidas em concreto ao sinistrado autor – cfr Acórdão do TRG de 22/05/2019, anteriormente citado.” XII. Em 18 de abril de 2016, a ré Y celebrou com o sinistrado um contrato de trabalho temporário junto aos autos a fls… tendo recorrente e recorrido, expressamente e por acordo, aceitado sujeitar tal contrato à Lei Portuguesa [Ponto C. da matéria de facto dada como assente que remete para o contrato de trabalho temporário junto a fls…].
XIII. Por via de tal contrato, acordaram, as...
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