Acórdão nº 21389/15.1T8LSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1.

AA, sócio da Biotree Medical Solutions, Lda., invocando o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), propôs contra BB acção declarativa com processo comum pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe €313.869,82, posteriormente ampliada em €55 000, e à sociedade Biotree Medical Solutions, Lda., o montante de €307.632,94, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente sofridos em face da conduta do Réu enquanto gerente da sociedade.

  1. Na contestação o Réu pugnou pela improcedência da acção.

  2. Em 26-06-2017, foi proferido despacho de admissão da intervenção principal de Biotree Medical Solutions, Lda., requerida pelo Autor para integrar o lado activo da presente instância.

  3. Citada, a Interveniente declarou fazer sua a petição inicial apresentada pelo Autor.

  4. Dispensada a realização de audiência prévia e fixado o valor à causa foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

  5. Após julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à sociedade Interveniente o montante de €157.632,94, acrescida dos juros de mora à taxa legal, absolvendo o mesmo dos restantes pedidos.

  6. Ambas as partes interpuseram recurso da sentença, tendo o tribunal da Relação de Évora proferido acórdão que julgou as apelações improcedentes e confirmou a sentença.

  7. Novamente inconformadas, ambas as partes recorreram de revista normal (entendendo ocorrer fundamentação substancialmente diferente entre as decisões das instâncias) e, subsidiariamente, de revista excepcional com fundamento na alínea c) do n.º1 do artigo 672.º do CPC.

  8. O Autor e a Interveniente deduziram as seguintes conclusões (transcrição): “I – Nos presentes autos está em causa uma sequência de factos que ocorreram a partir de finais de 2013 entre o triângulo autor-réu-interveniente.

    II – Dessa sequência de factos que culminou com a destruição da Biotree Ldª enquanto estabelecimento comercial, destaca-se a subtracção da totalidade do stock de implantes no dia 15-04-2014, e o pedido de insolvência apresentado, ambos, pelo réu.

    III – A. e interveniente pretendem, em sede de recurso, uma compensação pelos danos não patrimoniais causados pelo réu, que se computam em 40.000,00€ e 15.000,00€, respectivamente.

    IV – O A. pretende, igualmente, ser ressarcido por todos os danos patrimoniais resultantes das acções do réu à data da formulação do pedido, que se computam num total de 243.697,00€.

    V – Os danos patrimoniais referidos perfilam-se como danos emergentes, correspondendo 12.000,00€ ao pagamento da indemnização pelo despedimento da trabalhadora CC, 55.000,00€ pelo pagamento (a DD) do depósito oferecido como garantia de financiamento à Biotree, e 176.697,00€ de pagamentos ao BPI por empréstimos de suporte à actividade.

    VI – Embora o desempenho financeiro da interveniente no ano de 2013 ter sido prejudicado pelas avultadas imparidades, a Biotree Ldª era uma jovem empresa com potencial de crescimento.

    VII – Em sede de recurso de apelação, os recorrentes fizeram uma análise crítica e sequencial de um conjunto de factos e documentos, cujo objectivo foi fornecer ao Tribunal os elementos necessários para poder concluir com segurança pelo dolo com que o réu agiu ao longo do tempo.

    VIII – Da conjugação dos diversos factos, afirmações e contradições, é possível compreender que o que os recorrentes ora peticionam é uma justa reparação pelos estragos resultantes da tomada como refém da sociedade, e da sua sangria.

    IX – Estão verificados todos os pressupostos de que a lei faz depender a atribuição de indemnização por responsabilidade civil.

    X – Os factos essenciais – abundando os instrumentais – foram o desvio de stock e posterior pedido de insolvência levados a cabo pelo réu.

    XI – Em consequência dos factos a Biotree Ldª interrompeu a sua actividade e iniciou-se um processo de “liquidação” e pagamento de dívidas.

    XII – Os fornecimentos foram interrompidos porque o réu, sócio e gerente, levantou 1173 implantes dentários na tarde de um domingo, com um preço de venda € ao público de cerca de 150.000,00.

    XIII – O desvio do réu retirou qualquer possibilidade de gerar fluxo de caixa a curto prazo porquanto o stock levantado tinha uma rotatividade de 0,4 semanas, em comparação com o stock de componentes protéticos existente que tinha uma rotatividade superior a 7 semanas.

    XIV – Em consequência do vasto conjunto de actos do réu (nomeadamente o facto de ter instruído as trabalhadoras da empresa para continuarem a vender os implantes que desviara porquanto os enviaria directamente de … para os clientes) o A. deixou de ter condições para continuar a investir na sociedade.

    XV – A Biotree transfigurou-se num navio a afundar, ao qual o A. estava acorrentado pelas garantias e compromissos assumidos no momento de obter financiamento para desenvolver a actividade.

    XVI – Em função dos danos não patrimoniais causados na sociedade Biotree Ldª, e ao A. que a criou, que nela investiu, que tudo fez para a manter, e que dela se viu privado em função da conduta dolosa do réu, deverá ser atribuída uma compensação.

    XVII – A ilicitude das condutas do réu resulta da antijuricidade global da sua conduta, que equivale a abuso de direito (no desvio do stock enquanto gerente, na apresentação de um pedido de insolvência, ao dar ordens ilegítimas aos trabalhadores da empresa, etc.) XVIII – A ilicitude das condutas do réu resulta igualmente da violação das normas e princípios que proíbem as condutas materializadas por este.

    XIX – O dolo do réu resulta ostensivo perante uma análise cuidada do conjunto de factos em causa nos presentes autos.

    XX – A culpa do réu é, também ela, presumida à luz dos artigos 72º e 79º do CSC, presunção que o réu, ao invés de ilidir, vem até a confirmar, nomeadamente ao afirmar que jamais usou um único dos 1173 implantes dentários que levantou.

    XXI – O nexo de causalidade entre os actos do réu que mais não foram que uma autêntica tomada de assalto da Biotree Ldª, e os escombros, é evidente.

    XXII – A imagem, a clientela, o bom nome, o prestígio, a confiança, a estrutura da Biotree Ldª foram destruídos pelo levantamento, seguido de um boicote concluído pela apresentação do pedido de insolvência.

    XXIII – O A. foi igualmente prejudicado do ponto de vista moral por todo o investimento financeiro e empenho pessoal envolvidos na empresa, a par com a angústia e frustração resultantes de quem constrói uma empresa apenas para ver o sócio minoritário hipotecá-la numa estratégia de “tudo ou nada”.

    XXIV – O A., atentas as garantias e compromissos que assumira para financiar a empresa, perante o colapso da actividade lucrativa da mesma, foi sujeito à externalização (ou pessoalização) do estrago causado pelo réu, que se repercutiu na esfera pessoal do A. atenta a ausência de capitais da Biotree.

    XXV – Nas alegações de recurso que apresentaram, A. e interveniente indicaram de forma clara quais os meios de prova que impõem a alteração do juízo probatório firmado em 1ª instância, por forma a concluir-se pela procedência dos pedidos formulados.

    XXVI – Mais do que a formalidade inerente ao dar como provada determinada afirmação ou segmento textual, o A. e a interveniente pretendem que, de forma clara e inequívoca, se considere provado que o réu agiu de forma consciente e deliberada, ciente das suas consequências, ao longo do tempo.

    XXVII – O réu destruiu a Biotree, tendo sido condenado em 1ª instância a restituir o preço de venda ao público da mercadoria que ilicitamente subtraíu da sede da empresa.

    XXVIII – Estando provado que este facto determinou a impossibilidade de prosseguir a actividade comercial da empresa, o que por si implicou a concretização de danos de diversa natureza na esfera de A. e interveniente, é de elementar justiça que tais danos sejam, também eles, assacados ao seu autor.

    XXIX – Como é o caso do pagamento das quantias referidas nas 4ª e 5ª conclusões, e os danos não patrimoniais referidos em 3.

    XXX – A alteração do juízo probatório quanto ao pagamento de 12.000,00€ à trabalhadora CC resulta do doc 15 junto e aqui identificado.

    XXXI – A asserção contida no facto considerado não provado D) é passível de ser provada, prova esta imposta pelos elementos indicados em alegações de revista.

    XXXII – O conteúdo do alegado em 102 a 104 da petição é divisível numa compontente objectiva que diz respeito a factos palpáveis e a conclusões que se podem extrair dos mesmos; e uma componente subjectiva que diz respeito ao animus e consciência (o querer, e o entender) subjacente não só aos actos do réu mas também do A.

    XXXIII – A componente objectiva encontra-se, de forma directa ou indirecta, demonstrada nos presentes autos.

    XXXIV – Apenas a componente subjectiva, inerentemente mais incerta e difícil de apurar, resta por provar na sua globalidade, e daí a ênfase que julgamos justificada em apreciar o extenso leque de factos instrumentais do presente processo.

    XXXV – Cada um dos factos instrumentais permitirá adensar a convicção acerca das motivações do R.

    XXXVI – Inexiste, assim, qualquer incumprimento do ónus referido na alínea b) do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil.

    XXXVII – O acórdão ora posto em crise viola os artigos 607º nºs 4 e 5 e 640.º, nº1 do Código de Processo Civil, 483.º, 484.º e 496.º do Código Civil, e 64º, 72º e 79º do Código das sociedades comerciais.

    XXXVIII – Deve, assim, em consequência do aqui vertido, revogar-se o acórdão em apreciação, ordenando-se a baixa do processo ao Venerando Tribunal da Relação para a apreciação das questões suscitadas na apelação, com o que se fará a costumada JUSTIÇA!”.

  9. Concluiu o Réu nas suas alegações (transcrição): “a) Não pode de todo concordar o recorrente com o douto acórdão do TRE aqui em crise; b) O recurso que ora apresenta tem por base a fundamentação diversa que existe entre o...

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