Acórdão nº 377/15.3GAILH.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

§I. – RELATÓRIO.

O Ministério Público requereu o julgamento, em audiência de processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo de: AA, também conhecido por “BB”, “CC”, “DD”, “EE” e “FF”, com os sinais de identificação constantes do processo, imputando-lhe “a prática, dos factos descritos na acusação de fls. 1398/1422 e, em virtude disso, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e c), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na sua redação atual (designadamente com as alterações introduzidas pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a este diploma.” Pediu, igualmente, o Ministério Público, ao amparo do “disposto nos artigos 35º nºs 1 e 2 e 36º nºs 2 e 3 do Decreto-lei nº15/93 de 22-01, promove que sejam declarados perdidos a favor do Estado: - Todos os produtos estupefacientes apreendidos nos autos; - Os valores em numerário, telemóveis, veículo automóvel de matrícula ...-...-HM, igualmente apreendidos nos autos; - Demais objetos apreendidos ao arguido e identificados na acusação.” Após julgamento, o tribunal colectivo decidiu: “I – Absolver o arguido AA da prática, de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21º nº1 e 24º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

II – Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…) IV – Declarar perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes apreendidos nos autos, ordenando-se a destruição das respetivas amostras cofre (artigo 62º, n.º 6, do Decreto-lei nº15/93), a solicitar à Polícia Judiciária.

Declarar perdidos a favor do Estado as quantias em dinheiro, os telemóveis, o veículo Renault …, com a matrícula ...-...-HM e demais objetos apreendidos ao arguido (artigos 35º e 36º do Decreto-lei nº15/93).” Da decisão discrepa o Ministério Público, junto do tribunal recorrido, dessumindo-se da fundamentação, com que pretende impugnar o julgado, as sequentes conclusões.

§I.(i). – QUADRO CONCLUSIVO.

§I.(i).1. – DO RECORRENTE.

Com flagrante inópia do preceituado para motivação de recursos (cfr. artigo 412º do Código d Processo Penal, o Ministério Público do tribunal de …, dissente do julgado com o aranzel que a seguir queda transcrita (sic): “O presente Recurso cinge-se apenas à discordância da não consideração pelo Tribunal a quo da verificação da circunstância agravante pp. art.º.24, alínea b) do DL. 15/ 93 e 22/01 no crime de tráfico de estupefacientes em que o arguido foi condenado- “as substâncias ou preparação foram distribuídas por um grande número de pessoas” e consequente agravamento da pena do arguido por tal circunstância agravante da ilicitude.

Não se discordando na sua globalidade do Acórdão proferido e tendo este, em concordância com o que defendemos em matéria de alegações finais e pelas razões ali explanadas, ter afastado a verificação a agravante da agravante da alínea c) do referido art.º 24- “procura ou obtenção de avultada compensação económica” – não podemos, porém, já concordar com o afastamento da qualificativa da alínea b) daquele dispositivo legal.

Partindo da factualidade dado como provada nos art.º 1 a 20 do Acórdão, importa reter de forma sucinta para além do mais que se irá explanar e com particular relevo para a questão suscitada que:

  1. Pelo menos entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2017 durante mais de dois anos (janeiro de 2015 a fevereiro de 2017), o arguido vendeu a terceiros heroína e cocaína, a título lucrativo na sua residência, usando dois telemóveis para prévio contacto dos consumidores que o procuravam para tal finalidade.

b) Apesar de ter mudado por três vezes de domicilio e nos períodos mencionados no art.º 4 da matéria de facto fixada, o arguido continuou o exercício de tal atividade de forma inalterada, tendo sido confirmadas tais vendas regulares de estupefacientes em audiência de julgamento por diversos consumidores, que compraram ao arguido por várias vezes e em datas diversas ao longo daquele longo período temporal. Alguns destes chegaram a ser intercetados pela GNR com tais substâncias em sua posse, como sucedeu, por mero exemplo com GG, HH e II.

c) Cedeu também gratuitamente bases de cocaína e pacotes de heroína a outros consumidores das suas relações, com sucedeu por exemplo com JJ, assim como mandou entregar pelo menos por oito vezes ao KK, na zona da …, dez a vinte bases de cocaína para consumo deste, recebendo em contrapartida entre 100 a 150 € por tal produto. d) Os rendimentos do arguido eram provenientes da comercialização de produtos estupefacientes, vendendo estes pelo dobro do valor de aquisição, ao maior número possível de revendedores/ consumidores destes produtos pelo maior número de vezes possíveis, com o intuito logrado de distribuir tais substâncias por todas as pessoas que o contatassem para esse efeito e em todas as ocasiões em que tal ocorresse e assim obter lucros monetários com essa atividade, o que representou.

De acordo com o Tribunal recorrido” um outro elemento que assumiu grande relevância foram os autos de diligência externa que se encontram nos autos e que foram, em audiência, explicitados pelas testemunhas supra, quando e na medida em que tinham conhecimento, por terem presenciado os factos neles descritos”, concretamente os autos e diligências externas (ADE) de fls.36/37, 46/47, 50/51, 58/59, 62/63, 66/67, 69/70, 99/100, 102/104, 106/107, 108/110, 136/137, 138/139, 140/142, 162/164, 168/170, 193/194, 202/203, 212/214, 215/217, 218/220, 242/243, 244/245, 260/262, 267/268, 356/357 e 531/ 534 e prints relativos aos veículos visionados pelas testemunhas fls. 36/37, 46/47, 50/51, 58/59, 62/63, 66/67, 69/70,99/100, 102/104, 106/107, 108/110, 136/137, 138/139, 140/142, 162/164, 168/170, 193/194, 202/203, 212/214, 215/217, 218/220, 242/243, 244/245, 260/262, 267/268, 356/357 e 531/ 534 e prints relativos aos veículos visionados pelas testemunhas nessas vigilâncias e que constam a fls. 38/45, 48, 52, 60, 64, 65, 68, 71, 101, 105, 117, 114, 165, 166, 167, 195/201, 221/203, 246/250, 263,264,269,358,533 e 534 dos autos.

Para além disso o tribunal Coletivo considerou relevante a abundante prova documental que constitui a transcrição das conversações telefónicas (Anexo VII), relatórios de pesquisa operativa de comunicações (Anexo IV), relatório de suporte fotográfico de fls. 326 a 329, transcrição/suporte de fotogramas de fls. 1 a 141 do Anexo III) doze (12) DVDs juntos de filmagens (anexo II), ouvindo ainda sobre a investigação efetuada, além das demais testemunhas, oito militares da GNR que descreveram as diligências em que participaram, confirmando os respetivos autos que as documentam e esclarecendo relativamente ás mesmas, tudo quanto lhes foi questionado.

Tendo em conta essa abundante prova, conclui o Tribunal recorrido que o “arguido não exercia qualquer atividade profissional, antes uma intensa atividade de venda, pelo dobro do preço da sua aquisição, de produtos estupefacientes, conclui-se que o seu rendimento lhe advinha, pelo menos, quase em exclusivo, dessa atividade”.

Ora, aqui cabe questionar como é que alguém pode exercer uma “intensa atividade de venda de estupefacientes” se não os transaciona a um grande número de consumidores, ainda que o seu lucro não atinja uma avultada compensação económica e se destina a fazer face ás suas despesas e sustento sem ter de exercer qualquer atividade profissional.

Não se trata duma conclusão perante uma simples possibilidade ou potencialidade ou mesmo o mero risco de os produtos estupefacientes virem a ser distribuídos por um grande número de pessoas, mas duma constatação cujo suporte material resulta do impressivo número de filmagens (12 DVDs), autos de transcrição de fotogramas (Anexo III), certidões de outros Inquéritos com fotogramas com sucede no Anexo VIII, as múltiplas transcrições de conversações telefónicas mantidas entre o arguido e os seus clientes que constam dos Anexos referenciados na acusação e foram valorados e considerados pelo Tribunal. É verdade que a lei não fornece qualquer critério para determinação do universo mínimo de pessoas que se devam ter por suficientes para se considerar preenchida tal qualificativa, mas o que o Tribunal Coletivo designou como uma “intensa atividade de venda de estupefacientes”, desenvolvida diariamente durante dois anos só é compreensível com aquilo que resulta do árduo trabalho policial que evidenciou que o arguido abasteceu um grupo de pessoas de tal modo numeroso que contribuiu forma expressiva para a disseminação local da droga.

Aliás, as considerações sobre a intensidade do tráfico desenvolvido e de que o Tribunal não tem dúvidas, não só se espelha naquela impressiva prova, como os militares da GNR que confirmaram os treze autos de diligência externa e, segundo o Tribunal, esclareceram de forma absolutamente credível a forma como decorreram as vigilâncias, para além dos seguimentos, interceções de conversações telefónicas e apreensões - sendo claros ao testemunharem terem presenciado o intenso frenesim de deslocações às residências do arguido por indivíduos toxicodependentes em todas essas ocasiões.

É verdade que alguns desses compradores de estupefacientes se deslocavam diariamente ao domicilio do AA para esse efeito, como sucedeu por exemplo com a LL que, segundo se apurou em julgamento e resulta do Acórdão, entre os inícios de Fevereiro e finais de Março de 2016 se deslocou à habitação do “BB” na Rua …, em …, com uma “regularidade diária e em cada ocasião, este lhe entregou dez bases de cocaína para consumo desta, mediante...

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