Acórdão nº 1169/12.7TAVIS.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

No processo supra epigrafado, o tribunal (colectivo) constituído no Juízo Central criminal de … – Juiz 2, ditou quanto ao recorrente AA, a condenação que queda transcrita (sic): “Pelo exposto e tudo ponderado, de facto e de direito, decide-se: (…) III) no apenso nº 2390/12.3… (Cartório Notarial), condenar o arguido AA pela prática, sob a forma consumada e concurso efetivo: a) em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.256º, nº1, al. a) e b) e nº4, do C. Penal, na redação anterior à Lei nº59/2007, de 4/09, na pena de 2 (dois) anos e 6(seis) meses de prisão; b) em autoria material, de um crime de peculato, p. e p. pelo art.375º, nº1, do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) em (co)autoria material, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.368º-A, nº2 e 3, do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; IV) no processo nº1169/12.7… (Conservatória), condenar o arguido AA pela prática, sob a forma consumada e concurso efetivo: a) em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.

256º, nº1, al. a) e d) e nº4, do C. Penal, na redação da Lei nº59/2007, de 4/09, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) em autoria material, de um crime de peculato, p. e p. pelo art.375º, nº1, do C. Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) em (co)autoria material, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.368º-A, nº2 e 3, do C. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses; e d) em autoria material, de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art.4º, nºs 1, 2 e 3, da Lei da Criminalidade Informática (aprovada pela Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, na redação do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro), e posteriormente pelo art.3º, nºs 1, 3 e 5, da Lei Cibercrime (aprovada pela Lei 109/2009, de 15.09), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico condena-se o arguido AA na pena única de 12 (doze) anos de prisão, acrescida da pena acessória de proibição de funções, p. e p. pelo art.66º, n.º1 e n.º2, do C. Penal, pelo prazo de cinco anos.

V) julgar os pedidos de indemnização civil procedentes, por provados, e em consequência: 1) no apenso nº2390/12.3… (Cartório Notarial): a) condenar o arguido-requerido AA a pagar ao Estado, a quantia total de €106.305,00 (cento e seis mil, trezentos e cinco euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a sua notificação prevista no art.78º, do C. Proc. Penal, até efetivo e integral pagamento; b) absolvendo-o do mais contra si peticionado; 2) no processo nº1169/12.7TAVIS (Conservatória), condenar: a) o arguido-requerido AA a pagar ao IRN a importância total de 1.507.799,99€ (um milhão, quinhentos e sete mil, setecentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre o valor parcelar de cada sobredita apropriação por si efetuada, desde a data desta até integral e efetivo pagamento, a liquidar descontado o montante correspondente, à mesma taxa legal, sobre a importância e data de cada uma das sobreditas amortizações efetuadas pelo mesmo arguido; b) o arguido-requerido AA a pagar ainda ao IRN a quantia de €2.425,35 (dois mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a notificação para contestar nos termos do art.78º, nº1, do C. Proc. Penal, até efetivo e integral pagamento; c) os arguidos-requeridos BB e mulher CC a pagarem ao IRN, solidariamente entre si e com o arguido AA, a importância total de 183.349€ (cento e oitenta e três mil, trezentos e quarenta e nove euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre o valor parcelar de cada sobredita apropriação por si efetuada, desde a data desta até integral e efetivo pagamento.”.

Interposto recurso do julgado para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio este tribunal a (sic): “em negar provimento aos três recursos interpostos.” Iterando, na essencialidade, os mesmos temas que havia constituído como pontos de impugnação e que foram apreciados no recurso interposto para o tribunal de 2ª instância – à excepção da impugnação da decisão de facto –, alça recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido, no epítome conclusivo que a seguir queda extractado, a fundamentação com que ceva a sua discrepância com o julgado.

§I.b). – QUADRO CONCLUSIVO §I.b).i). – DO RECORRENTE.

“1 - Os crimes de falsificação de documentos (um praticado no exercício de funções no Cartório Notarial e outro na Conservatória), o crime de peculato praticado no exercício de funções no Cartório Notarial, e o crime de falsidade informática em que o arguido foi condenado na primeira instância já prescreveram de acordo com o disposto nos artigos 256.º, n.º 4, 375.º, n.º 1, 368.º-A, nºs 2 e 3, 118.º, n.º 1, als. b) e c), 121.º, n.º 3, todos do C. Penal a art. 3.º, n.º 5 da Lei 109/2009, de 15 de setembro.

2 - Sem prescindir, os factos praticados pelo arguido consubstanciadores dos crimes de falsificação de documentos e falsidade informática foram praticados unicamente com vista à apropriação ilícita dos dinheiros do Cartório Notarial e da Conservatória, foram, pois, o meio (crime-meio) para cometimento do crime de Peculato (crime-fim).

3 - A falsificação de documentos e a falsidade informática utilizados unicamente como meio de cometimento do crime de peculato, estão em concurso aparente (pois são consumidos) com o crime de peculato (crime-fim), devendo a punição deste concurso ser encontrada na moldura penal mais grave, na qual se devem considerar os ilícitos excedentes em termos de medida da pena; 4 - A falsificação de documentos e a falsidade informática em que o arguido foi condenado não são mais do que um ilícito singular que surge perante o ilícito principal (o peculato) apenas como meio de o realizar e nele esgotando o seu sentido e os seus efeitos, aquelas são já uma parte do ilícito do peculato.

5 - Assim, o arguido deve ser punido pelos crimes de peculato em concurso aparente com os crimes de falsificação de documentos e de falsidade informática; não se decidindo assim, fez-se uma dupla valoração dos factos que é constitucionalmente inadmissível por violação do art.º 29.º, n.º 5 da CRP.

6 - Os factos que o tribunal da primeira instância considerou de branqueamento de capitais ocorridos até 31.03.2004 não podem ser considerados em concurso efetivo com o crime de peculato, uma vez que antes da alteração do Código Penal ocorrida em 2004, o crime de branqueamento de capitais (o crime-meio) era claramente consumido pelo crime de peculato (o crime-fim), 7 - O tribunal da primeira instância não fez essa diferenciação, logo por aqui resulta claro que a pena aplicada ao arguido não teve em conta essa circunstância e, consequentemente, a aplicação de 3 anos ao crime de branqueamento de capitais referente aos factos praticados no … e a que diz respeito o Apenso n.º 2390/12.3… é excessiva, uma vez que dos factos praticados desde 01.06.2002 até 23.09.2004 (último depósito referente aos factos praticados no Cartório), apenas uma minoria, os praticados desde 01.04.2004 a 23.09.2004, poderiam ser passíveis de consubstanciar autonomamente o crime de branqueamento de capitais.

Assim, no cálculo da pena parcelar de 3 anos a que o tribunal chegou em abstrato para o crime de branqueamento de capitais teve erradamente em conta todo o período decorrido entre 01.06.2002 a 23.09.2004, o que lhe estava vedado, pelo que violou o disposto no art. 2.º, n.º 4 do C. Penal, por não ter sido aplicado ao arguido o regime concretamente mais favorável.

8 - Os meros depósitos bancários efetuados pelo arguido, enquanto prestou serviços no Cartório Notarial, em contas por si tituladas não integram o tipo legal de crime de Branqueamento de Capitais, por não se provar um plano finalisticamente dirigido a ocultar ou dissimular bens de origem ilícita, uma vez que perante as três etapas ou fases que este tipo de ilícito apresenta, a fase da Colocação, a fase da Circulação e a fase do Investimento, no caso em apreço apenas se encontra preenchida a primeira etapa, não se provando que o arguido tenha dissimulado, ou querido dissimular, o dinheiro de que ilicitamente se apropriou, sendo o mesmo facilmente detetável, como efetivamente o foi, pois foi fácil reconstituir e verificar documentalmente os ditos depósitos.

9 - Não decorre da factualidade dada como provada que tivesse havido qualquer multiplicação das operações, com movimentos por várias contas, emissão de cheques sobre o estrangeiro, levantamentos, transferências, ou quaisquer outros com a finalidade de ocultação; nem existiram operações com vista a criar a aparência de legalidade, como investimentos a curto, a médio ou a longo prazo, pelo que o tipo legal de crime não está preenchido, pois as condutas de depósito dos valores são um prolongamento "natural" do facto principal; não se decidindo assim violou-se o disposto no art.º 368.º-A, n.ºs 1 e 2 do C.P., pelo que há uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, verificando-se o vício previsto na al. a) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P.

10 - Mesmo que se considerassem verificados os elementos objetivos do Crime de Branqueamento, na altura em que o arguido prestou serviços no Cartório, necessário seria, também, que fosse alegado e provado o tipo subjetivo, ou seja, a intenção de dissimular a origem ilícita do dinheiro ou de evitar que o autor dessa infração fosse criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, o que não aconteceu nos presentes autos, pois não se vê onde se prove que o arguido, com a sua conduta, tenha querido dissimular a origem ilícita das vantagens, não se tendo dado como provado um único levantamento, uma única transferência, uma única aquisição, condenando-se o arguido pela prática do crime de branqueamento de capitais...

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